Em meio a tanto esforço seu caminho como Shinobi tinha início. Kio tinha consciência de que essa seria muito provavelmente uma trajetória de dor e perdas, mas esse era, certamente, o único caminho possível para ele. Desde sua estadia no “convento”, o jovem de físico imponente escutou as histórias sobre o Rikudou Sennin diariamente. As histórias de um homem, um ser, uma entidade, que criou todo o mundo que nos rodeia e como os shinobis poderiam ser os mantenedores da paz ou os criadores do caos. Hoje, ele sabia que para cada ninja como ele, que tinha como objetivo manter o equilíbrio no mundo, existe um oposto e por isso os conflitos nunca cessam. Por isso ele nunca poderia parar com os seus treinamentos.

O sol brilhava como uma imensa bola de fogo e conseguia se destacar mesmo por detrás da constante névoa que rodeava a vila. Kio caminhava em passos lentos com seu terço de contas em mãos. Essa era a forma mais comum do Gennin ser encontrado por qualquer outro Shinobi da vila. Seu semblante transmitia paz e serenidade, como se aquele momento fosse tão comum quanto o seu respirar. Ao adentrar o campo escolhido para o treinamento Kio tirou as sandálias e dobrou o manto verde, repousando-o sobre o chão. Estava pronto.


Fechou os olhos lentamente enquanto seus pés se afastavam simultaneamente. Seus joelhos dobraram e ambos os seus punhos se fecharam e se posicionaram ao lado da cintura. – Vamos começar... – Sussurou para si mesmo enquanto abria os olhos. A sua frente uma imensa rocha se mantinha imóvel, era o seu alvo. Enrijeceu os músculos do abdome para garantir a estabilidade do corpo, endureceu ambos os braços e finalmente começou. Socos eram desferidos contra a pedra com uma potência notável. No momento que seus punhos encostavam a superfície, pequenos pedaços do alvo eram lançados ao ar. Dessa forma ele permaneceu, esmurrando a pedra com um ritmo constante, como um metrônomo.


A cada golpe dado, a dor aumentava e as lascas das pedras continuavam a ser lançadas ao ar, pequenos pedaços de cor vermelho sangue, manchadas pelas feridas dos punhos do Gennin. – Preciso descansar... – Disse para si mesmo quando deu uma pausa. Enrolou a mão ferida com uma bandagem simples e se sentou na posição de Lótus. Fechou os olhos e começou a respirar lentamente. Meditava como de praxe, buscando aliviar a dor. Sua força era incontestável mas faltava algo, faltava a estabilidade do corpo, seu corpo precisava se mover inteiramente como um. Precisava utilizar todo o seu peso para aprimorar ainda mais a força dos seus golpes, precisava ver o seu EU material como o seu EU espiritual. Tudo deveria se tornar um só.


  Encerrou a sua medição. Estava pronto. O Gennin levantou confiante, encarava a grande rocha a sua frente de uma forma diferente. Repetiu a mesma posição anterior mas seu corpo parecia se mover como UM. Era mais sutil, mais harmônico. Respirou fundo, preenchendo seus pulmões de ar, seus olhos encaravam o alvo fixamente, seus músculos enrijeceram por completo de forma a demarcar incontáveis veias em sua pele. Com um único e preciso movimento, Kio atingiu a rocha. Inconscientemente o Gennin  gritou como se colocasse toda a sua energia para fora. A rocha em questão foi arremessada metros a frente e levou junto a ela uma imensa massa de ar provocada pelo movimento.

Naquele momento, Kio havia compreendido de onde deveria se originar a sua força. Naquele momento, ele entendeu que era muito além de seu físico avantajado. Esboçou um sorriso de satisfação, calçou as sandálias, despejou o manto verde sobre os ombros e partiu para a sua morada com uma das sensações que mais preenche o espírito de um Shinobi. Dever Cumprido.  

Kio despertara trêmulo naquela manhã chuvosa de Uzushiogakure. Seu corpo suava frio e seu coração palpitava. Não costumava ter pesadelos como aquele e sua reação foi de extrema estranheza ao lidar com tal sensação. – Fazia tempo que eu não acordava assim... – Disse para si mesmo. Resgatou na memória as suas primeiras lembranças de quando foi deixado no abrigo e em como esses momentos eram mais comuns. Com o passar dos anos esses pesadelos foram reduzindo, mas aparentemente, não haviam cessado em definitivo.

Sua rotina depois de ter se tornado Genin era clara e simples e envolvia treinamentos diários que abrangiam diferentes habilidades. Força, velocidade, Controle de Chakra e etc. Diariamente, uma dessas capacidades era escolhida e desenvolvida até a exaustação. Estagnação é retrocesso. Um shinobi preza sempre por sua evolução. Kio separou todo o necessário, fez a sua oração matinal diária e partiu em direção ao campo de treinamentos da vila, sua segunda casa.

Seu corpo ainda lidava com as cenas do pesadelo e sempre que sua mente retomava aquelas imagens de volta, Kio sentia calafrios. Cenas de guerra, morte e gritos de sofrimento. – Foco, Kio... Foco! – Disse para si mesmo, buscando retornar o raciocínio ao seu objetivo diário. – Todo dia de treino é importante, preciso esquecer esse sonho. – Sussurou enquanto finalmente chegava no campo de treinamento. O local, mesmo com o clima chuvoso, se mostrava repleto de ninjas praticando. Protótipos de heróis ainda em desenvolvimento, sendo que muitos deles haviam frequentado a academia Shinobi no mesmo período que Kio.

O imponente Genin seguiu o seu processo diário de início de treinamentos, sentando em posição de lótus e iniciando uma medição/oração. Precisava limpar a sua mente das imagens do sonho que tivera a noite, senão não conseguiria treinar da forma que acreditava ser necessária.

Passados alguns minutos, Kio sentiu uma mão tocar em seu ombro, o que fez com que ele abrisse os olhos de imediato. – Meu jovem... – Disse o senhor, que parecia possuir algo em torno dos 70 anos. – Gostaria de praticar um pouco de Shogi comigo? – Shogi é um jogo com semelhanças claras com o Xadrez. Kio viu naquela oportunidade uma chance de desafiar o seu raciocínio e espairecer, algo que claramente era necessário para ele no momento. – Mas é claro, como o senhor se chama? – Questionou. - Pode me chamar de Kenpachi. – Respondeu o senhor que foi para uma área coberta do centro de treinamento e montou o tabuleiro do jogo. – Você começa! – Disse o senhor, com um tom de voz que soava mais como uma ordem.

Kio não demonstrava grande habilidade no jogo e partida após partida foi sendo derrotado pelo senhor que a cada triunfo esboçava um pequeno e singelo sorriso no rosto. – Você precisa aprender a prever o seu adversário. Você é um Shinobi, estou correto? – Questionou o velho e o genin respondeu afirmativamente com um sinal com a cabeça. – Esse jogo é como uma guerra, uma batalha. Você pode conhecer as regras, você pode desenvolver estratégias, mas se você não souber COMPREENDER quem está enfrentando seu único caminho será a derrota. – Suas palavras soavam calmas e possuíam um tom de voz sereno.

Kio absorveu aquele ensinamento e partida após partida, derrota após derrota, suas habilidades foram evoluindo. Sua mente começou a entender não apenas o jogo, mas as nuances daquele senhor e a forma que ele agia a cada jogada. Passou horas jogando Shogi e ao final da tarde, FINALMENTE, conseguiu vencer uma partida. – Finalmente! – Comemorou enquanto Kenpachi recolhia o tabuleiro com um sorriso no rosto. – Já era tempo... Agora eu posso voltar para a minha casa e repousar, está ficando tarde para um senhor da minha idade. – O senhor terminou de guardar todas as peças, abriu um guarda-chuva e foi embora.

Kio havia abstraído completamente o sonho que tivera na noite anterior e se sentia bem, disposto e animado. Kenpachi havia lhe mostrado, conscientemente ou não, que muitas vezes nosso aprendizado pode vim das fontes mais inesperadas.