Haviam poucos momentos em que eu me alegrava durante o dia, enquanto sozinho naquele imenso mundo esverdeado da Aldeia da Folha. Sentia uma falta tremenda dentro de mim, como se partes vazias aumentassem no amago do meu ser. Ainda que meus pensamentos estivessem blindados por camadas intensas de proteção, até mesmo pelo vicio continuo do tabaco, era perceptível o desespero que meus olhos carregavam, mascarados por um sorriso bobo em meus lábios que representavam a falsa sensação de contentamento com o que estava acontecendo comigo. Os anos foram visivelmente difíceis, mesmo que meu rosto ainda fosse jovem o suficiente para aguentar as pressões físicas e minha mente forte o suficiente para aguentar as vozes que pediam uma nova tentativa de desaparecimento. Entre um suspiro e outro, entre uma tragada relaxante e o sumiço da fumaça no ar, eu observava pela janela toda a movimentação cotidiana de um lugar de semblante tão pacifico, que sequer imaginava a dificuldade da vida de cada um que habitava suas muralhas. Pouco ainda me restava daquilo que um dia pude chamar de vida, porém, os melhores presentes estavam reservados a mim. Um antigo violão ao lado da cama, um bloco de notas em branco e uma tela que aguardava receber os sentimentos em tinta.

Ainda que houvesse certa rejeição para os novos meios de enxergar a vida, dia após dia eu sentia em mim toda aquela nova vontade, toda a percepção que um dia deixou meu peito e se deixou levar como lagrimas a beira da praia, como qualquer outra gota clara e salgada, cabendo em mais um olho e com o peso de toneladas, retornava a mim como um presente dos céus. Não que eu fosse de alguma forma religioso, ou acreditasse que algo estava acima dos humanos além do próprio livre arbítrio. Contudo, havia uma marca em minha testa demonstrando os perigos desta liberdade, algo que estava ali para me relembrar das noites sombrias e das visões escuras que um dia me assombraram. Ainda que minha saída dos tratamentos e do hospital fossem recentes, me sentia completamente renovado e pronto para me reerguer, mesmo carregando em mim o sangue rejeitado que dava origem ao meu nome. Contudo, ignorava-o como algo maldito, dando em seu lugar o sobrenome de Fujimoto.

Mas algo naquele dia soava totalmente diferente, como um silencio ensurdecedor do lado de fora do apartamento, mas ao mesmo tempo calmo em certos aspectos. Em minha porta, distante por poucos metros da minha cama, um papel envelopado e até mesmo antigo havia sido deixado pelas frestas da madeira, percorrendo um caminho até meus pés que obrigavam meu corpo a se curvar para alcança-lo no chão. O cigarro aceso em um dos dedos foi cuidadosamente mudado de posição para evitar danificar a carta que, para a minha surpresa, soava como um convite da morte. Diante daquelas situações muitas pessoas se entregariam ao desespero, mas eu a li como uma poesia mal escrita e traços rústicos em um desenho sanguíneo que tampouco me impressionava. Havia tempo para aproveitar o que me restava de vida até o horário marcado, aproveitando a tela em branco daquele quadro para imprimir os mais profundos pensamentos em uma obra, enquanto o estalar do relógio me aproximava do dia esperado.

Ainda que enfrentasse toda aquela chuva sem sequer me proteger da água, havia começado um quadro no dia anterior e minha inspiração para finaliza-lo ainda estava perdida nas aguas que se arrastavam pelos becos da aldeia. Meu manto já estava completamente pesado e encharcado, mas ainda era mais leve do que a minha mente, do que as indagações sobre mim mesmo e os propósitos de ainda estar vivo para prosseguir com minha própria história. A cada gota que tocava meus fios grisalhos eu podia sentir como se a idade me chamasse, e mesmo no verão meu corpo sentia os frios gélidos soprarem no aumento da força da chuva. Aquilo me obrigava a tomar um local seco como abrigo, me encostando abaixo de um toldo próximo do meu apartamento, suspirando enquanto estava torcendo para que meu maço de cigarro não tivesse sido afetado pelo tempo em que estive aproveitando a chuva. —— Graças... vocês estão bem — com um sorriso olhei para todos os cigarros de tabaco em perfeitas condições, sacando um para que eu suavemente o passasse o filtro entre meus lábios, puxando o ar entre o tabaco para sentir os aromas passando por toda minha boca e garganta antes mesmo de acender para fumar.

Ao longe, pude notar duas silhuetas se aproximando dentre as grossas gotas que se rompiam no chão, cobertos por um guarda-chuva que facilitava aquela aproximação rápida e claramente intencionada a minha pessoa. Em poucos segundos um casal já estava próximo e aparentemente aos prantos. Minha postura renomada, até mesmo como a de um Padre que acolhia os fiéis de sua igreja, ajeitei as costas jogando o cigarro para a chuva, liberando a fumaça dos meus pulmões trazendo o casal para uma área maior dentro da cobertura. Ouvi as explicações com os olhos amargurados pela dor — Era somente uma criança.... — minha mente parecia se contorcer em algo mais denso do que eu estava acostumado a ter comigo mesmo, como se algo queimasse em meu peito, ardendo como raiva. Em minhas mãos, como um fardo a se carregar, deixavam a chave da própria casa. —— Eu irei resolver o problema, por favor descansem um pouco. Agora, mais do que qualquer outro momento, vocês precisam se unir. —— havia gentileza em bondade no meu tom, tocando o ombro daquele casal enquanto eu iria para a minha casa, acendendo um novo cigarro para me ajudar nos raciocínios necessários.

Entrava com o ranger da porta antiga no meu apartamento, guiado por passos intensos que rapidamente me levavam até a gaveta ao lado da cama. Não havia muito o que se fazer, mas aquela poderia ser a chance perfeita de finalmente deixar este mundo, levando comigo um ato heroico a ser lembrado por muitos. Ao pegar o bloco de notas e um lápis, transcrevia naquelas folhas e linhas em branco, trechos que se assemelhavam a versos e estrofes, como se fosse uma canção. Quando terminei de escreve-la, deixei novamente dentro da gaveta para ser lida caso eu conseguisse retornar daquela missão e, com a chave em minhas mãos, fui até a casa das últimas vítimas. Eu tinha toda a permissão para entrar e vasculhar, então o fiz sem questionamentos e apresentações, procurando exclusivamente o quarto do garoto, caçando qualquer coisa que se parecesse com uma carta.

Talvez meu consciente estivesse blindado dos horrores da vida, mas a verdade é que nunca estaríamos preparados para enfrentar a perda, principalmente de nossos filhos. No fundo, mas bem ao fundo, eu podia sentir o desespero que aqueles pais estavam sentindo e sequer visitavam a própria casa durante algum tempo, residindo em um hotel da Folha para evitar o amargor da morte que ainda parecia ecoar pelo chão e paredes da casa. Meus primeiros passos além da porta foram totalmente exploratórios para o ambiente, notando o descaso com a própria higiene no local, vendo as frutas na cesta acumulando fungos, pães envelhecidos que já acumulavam bolor nas pontas e até restos de comida nos pratos jogados na pia, com um cheiro forte e azedo, podendo notar os pequenos movimentos de algumas larvas que se aproveitavam da podridão. Ao fundo, unificando a cozinha e a sala de estar, símbolos representativos do Clã Kurama que despertavam em mim um certo desdém, uma vez que eu ignorava minha própria linhagem. Contudo, toquei um dos retratos da casa, onde a família toda estava feliz e com sorrisos abertos no centro da Folha, chegando a duvidar se o assassino tinha intenções reais com aquela família ou exclusivamente com todo o Clã.

Tomando a liberdade que a solidão naquela casa me proporcionava, acendi um cigarro, levando o tabaco entre os dedos da destra até os lábios, esfregando o filtro enquanto puxava o ar puro para sentir os aromas antes de acender de fato. Pude ouvir o queimar das brasas no papel, me arrepiando pelo prazer de tragar a nicotina até meu organismo. Ao canto, próximo da porta de entrada, uma escada levava para os andares superiores da casa e, após analisar o andar principal fui até a escadaria para subir ao segundo andar. Os detalhes da casa demonstravam uma família bem estruturada e com nenhum sinal de problemas, porém, cada passo naquela escada tornava o ar mais e mais úmido, denso e até gelado. Ao fundo, no último degrau, um enorme corredor me separava do quarto, algo que seria ignorado se não fosse pelo tamanho desforme do corredor, ignorando os padrões impostos pelo limite da casa e se assemelhando a modificações ambientais como aquelas geradas por técnicas ilusórias. — Tsc, não podia esperar até o dia vinte? — Pensava claramente, enquanto ao longe observava um ser totalmente desforme, pequeno e aparentemente judiado pelas agressões. Ao julgar pelos retratos encontrados na casa, aquele era o garoto em sua forma mórbida. Ao seu lado, o ser encapuzado que gozava de uma fantasia para agir. A ação do Genjutsu começava a piorar enquanto eu mantinha minha estadia ali para analisa-lo, me obrigando pelas fortes dores a concentrar meu chakra, revertendo rapidamente seu fluxo enquanto unia as mãos em um selo, dizendo em bom tom enquanto me aproximava. —— Genjutsu Kai! ——

As dores sumiam lentamente enquanto o genjutsu de dissipava após meu chakra se estabilizar dentro de mim, permitindo que o chakra inimigo deixasse minha corrente e quebrasse aquela ilusão poderosa o suficiente para causar dores físicas reais em meu ser. A fumaça em meus pulmões ajudava em toda acalmaria que meu corpo precisava naquele momento, sentindo que a nicotina presente no tabaco estava relaxando meus músculos e mente permitindo que voltasse a raciocinar com mais precisão, assim como eu sempre fiz. Mesmo que a muito tempo tivesse deixado as maneiras ninjas de agir, nunca havia me esquecido do que fazer e de como fazer, demonstrando uma atenção gigantesca a cada passo que eu dava para me aproximar do quarto, levando em consideração a possibilidade de ser pego novamente em um Genjutsu daqueles, tratando o mero sinal de mudanças no ambiente como algo perigoso e de relevância suficiente para necessitar uma nova concentração do meu chakra. Portanto, não houve detalhes importantes antes da minha chegada, garantindo que eu encontrasse a carta sobre a cama com rapidez e pudesse lê-la como se ninguém ali estivesse tido contato com aquilo antes. — Ele deixou um Genjutsu durante dias na casa. O quão poderoso seu chakra é? Que desperdício de grandes habilidades — pensava, sentindo até mesmo uma certa admiração pelos poderes do inimigo.

Como indicado na escrita de sangue, eu deveria ir até o porão onde aparentemente o garoto estava vivo, provavelmente tratando-se de uma armadilha. Contudo, não me preocupei com este detalhe, afirmando para mim mesmo que o assassino possuía certo comprometimento com a poesia de avisar seus alvos e não agiria contra mim antes do dia indicado. Desta forma, marchei escada abaixo até os porões, onde uma simples porta escondida em um canto da sala me fazia descer até um local ainda mais úmido, gelado e com uma iluminação que deixava a desejar, dificultando minha vista até o momento que eu chegava de fato na parte mais ampla do cômodo empoeirado, onde uma única luz estava acesa, fazendo um pendulo com o teto e mal funcionando, desligando e ligando diversas vezes entregando a todo o ambiente um tom fantasmagórico que ficava marcado em meu cérebro como uma fotografia e, provavelmente, uma inspiração para pinturas e textos. —— Daria um belo quatro ou conto de horror, sabia? —— falava em um bom tom, olhando para o manequim como se realmente fosse o inimigo. No teto, facilmente poderia notar as escrituras de sangue e, ignorando os alertas que a vida dava, me aproximei do garoto tocando seus cabelos e até mesmo deixando um pouco do meu chakra passar até ele e voltar, como se criasse uma interferência externa para qualquer genjutsu que afetasse seu corpo. — Ele não se move... — pensei ao olhar o manequim imóvel e ousei cutucar sua testa com força, vendo-o cair no chão. Ri, lentamente trabalhando as correntes para libertar o garoto e deixar aquela casa, sempre mostrando uma atenção elevada para os detalhes do lugar, assim permanecendo com a guarda alta.

Havia livrado aquela criança dos pesadelos que rondavam sua mente, mas era a primeira vez que eu presenciava a utilização de algo tão poderoso, capaz até mesmo de trazer sequelas e danos físicos através das ilusões. Havia boatos de tais técnicas impostas dentro do Clã Kurama, a muitos e muitos anos onde algo do tipo havia acontecido, porém, esperava que as histórias fossem apenas historias e não tivesse que realmente enfrenta-los na vida real. Carreguei o garoto em meu colo, subindo as escadas até chegar novamente na sala, onde sairia da casa para procurar seus pais. Fui rápido, sendo recebido por eles que já estavam voltando ao lar, me agradecendo com sorrisos e palavras gentis. —— Não precisa me agradecer. Tomem bastante cuidado com ele, foram danos severos e estamos lidando com Genjutsus poderosos, não acreditem em tudo o que veem a partir de hoje. —— Toquei o ombro dos pais do garoto e meus passos me guiariam até a minha casa, onde desesperadamente eu ansiava por um descanso mental, sentindo as pulsações em minha cabeça trazerem novamente as dores que havia sentido no corredor.

Abria a porta como tranquilidade, sentindo o corpo pesar e ser preciso retirar minha bengala do suporte ao lado da porta, utilizando-a na mao direita para fortalecer meus passos naqueles momentos, visando minha cama ao final da cozinha com um sorriso extremamente bobo no rosto. —— Meu amorzinho, eu voltei para você. —— suavemente me aproximei, apoiando a bengala na cômoda para me jogar na cama. Aquela foi uma sensação de alivio, mesmo que durasse poucos segundos. Minha ardia, parecia sofrer com uma pressão intensa de dor, atingindo todo meu crânio como uma britadeira que rompia meus ossos. Segurei os gritos de dor enquanto me contorcia, ao mesmo tempo que as batidas pareciam palavras que me assombravam, demorando para identificar as palavras e conseguir raciocinar a ponto de formar a frase dita em para mim, reconhecendo a voz e as intenções do ser vilanesco. A voz parecia ter uma direção, indo para um cômodo afastado no apartamento, onde por muitas vezes passei madrugadas pintando, escrevendo e compondo. Fui guiado como uma marionete até aquele lugar, identificando uma tela a mais, coberta por um pano preto que eu nunca usaria. Aquilo estava me consumindo, retirando o pano e observando a pintura quase rupestre do homem mascarado. Aquilo não podia ser real, mas ouvia os passos para fora da janela e me apressei para averiguar, já era tarde e ele havia escapado. — Droga... o que está acontecendo? — pensava ao cair de joelhos, me rastejando até a cama.

Por fim, não aguentava toda a pressão daquele dia e havia caído no sono sem ao menos conseguir resistir, deixando o corpo ser levado ao descanso merecido, esquecendo em meios aos sonhos tudo o que havia acontecido naquele dia tão turbulento. Não era como se eu pudesse me livrar de algo tão poderoso, mesmo trabalhando de forma lenta durante o tempo em que minha cabeça descansava nos sonhos, meu passado e meus problemas pareciam resistir nas tentativas de bloqueio psicológico e tomavam formas e personificações enquanto eu viajava entre as muralhas da minha própria mente. Me vi em uma multidão, onde a noite dominava todo um pequeno vilarejo distante da Folha. Haviam poucas pessoas em suas casas, o centro do lugar estava iluminado por uma enorme fogueira e os moradores pareciam festejar algo importante. As crianças brincavam, os adultos conversavam uns com os outros, discutindo política e assuntos entediantes. Eu estava como um fantasma ali. Ao longe, destacado da cor cinza das outras pessoas, um garotinho moreno brincava e pulava até ser abordado por um homem de batina. Sua veste, maneira de agir, de falar, pareciam soar familiares e ao mesmo tempo angustiantes em minha mente, sentindo meu corpo rejeitar e se enojar a cada segundo em que eu o observava como um fantasma. Não, eu não podia mais, não podia mais deixar minha mente resgatar fatos bloqueados. Para a minha sorte, meu sono foi quebrado.

Aos poucos meus olhos foram se acostumando com a luz, podendo voltar a enxergar no momento em que acordei. Para a minha surpresa, minha casa parecia revirada, bagunçada, com espelhos, pinturas e até mesmo água escorrendo do banheiro. —— Cara, água não é de graça... —— sussurrei como se brincasse com a situação atual. Ao me levantar, estava tão indisposto quanto quando me deitei para descansar, sendo obrigado a utilizar a bengala para me auxiliar no equilíbrio e locomoção até minha porta. Estranhamente, as pessoas que rondavam os corredores do centro da aldeia eram familiares, tais como aquelas presentes em meu sonho. As feiras, as músicas, as conversas, eram todas tão antigas que eu julguei ter voltado no tempo. — Impossível... — pensei enquanto caminhava no auxílio da minha bengala. Sem que eu notasse, trajava um fone tecnológico, algo que destoava completamente a realidade que eu estava vendo e, a voz que soava em meu ouvido era familiar, ainda mais após se apresentar como o amigo secreto. Por um momento olhei os arredores buscando o homem, mas enquanto não o visse apenas responderia. —— Sinceramente? Seus traços são pesados, você precisa deixar sua mão fluir no pincel, mas é um bom começo para um artista iniciante, heheh... ——

Era de certa forma triste como uma casca moldada em personalidades consideradas tolas era o suficiente para segurar vontades e pensamentos que destoavam completamente do apresentado ao mundo, mesmo que em certos momentos pouco do tedio sobre a vida fosse deixado passar pelos olhos cansados do Kurama. Mas aquilo não se passava do teatro criado para evitar que outras pessoas fossem afetadas pela sua própria loucura ou desvontade de viver naquele mundo. Não era de fato um suicida, apesar das inúmeras tentativas de se matar durante toda a vida, mas não tinha um certo amor pela própria vida, sendo guiado unicamente pelos novos objetivos e amores que foram crescendo em si mesmo, tais como a arte que rondava toda sua vida a partir da última tentativa que o levou até o hospital, e garantiu a marca simbólica em sua testa. O desejo de conhecer o mundo, pinta-lo, cria-lo, escreve-lo e levar tudo o que ele possuía de mais belo adiante eram maiores que as vontades de simplesmente deixar a vida sumir.

Naquela situação, pouco se importava com as falas do amigo secreto e a maneira com que ele tentava trabalhar o psicológico do Kurama, deixando apenas um sorriso de canto ser exibido como forma de debochar do que estava ouvindo. —— Huhuhum, você é engraçado, sabia? Eu nem estava prestando atenção no que você falou, uma moça muito bonita acabou de passar por aqui, você viu? —— em um tom de completo deboche, dava a entender que ignorava as ameaças ou fazia pouca questão de levar em consideração o que realmente aconteceria, sabendo plenamente das capacidades do amigo secreto e mesmo assim desdenhando de seu poder. Não demorou para mais um movimento do outro ser realizado, notando a presença dos pais daquela criança que a pouco foi salva pelo grisalho, mas estavam completamente encobertos por uma dominância psicológica causada pelo Genjutsu do inimigo. —— Você está brincando com fogo... —— a fala do Kurama soava como uma ameaça para o amigo secreto.

Dessa vez eu me preocupei de verdade, dando passos lentos auxiliados pela bengala até o casal em transe. Contudo, sua repentina mudança de comportamento me obrigava a agir como um shinobi, deixando minha civilidade e tolice de lado, soltando a bengala, forçando um único selo que mão que moldaria meu chakra de uma maneira agressiva no ambiente, de forma a envia-lo com certa força e intensões dominantes, visando paralisar o corpo dos alvos a minha frente para que suas agressões não levassem a mais machucados. —— Médicos! —— com um grito agressivo clamei por ajuda, enquanto fui até ambos para tocar seus ombros, distribuindo uma quantidade de chakra que seria o suficiente para limpa-los da técnica ilusória.

Enquanto os médicos se apresentavam para avaliar a situação das vítimas, o Kurama se sentiu na obrigação de alerta-los sobre as técnicas que estavam sendo utilizadas para trazer à tona estas ações, mesmo que já esperasse que a inteligência de Konoha fosse capaz de detectar a utilização de técnicas ilusórias. Enquanto lentamente passava o filtro do cigarro entre os lábios, puxando o ar entre o tabaco apagado para sentir os aromas que compunham todo o fumo, falava pausadamente e com um tom desvinculado de preocupação, até mesmo humorístico. —— São genjutsus, meu doutor. Mas pode ficar tranquilo que vou dar um jeitinho nisso. —— no fundo o grisalho sabia que poderia estar sendo escutado e espionado pelo amigo secreto e fazia questão de provoca-lo diretamente com falas daquele tipo. Assim acendia o cigarro, tragando-o com vontade sentindo toda a fumaça quente atravessar a garganta até os pulmões, puxando uma pequena quantidade de oxigênio ao final para concretizar o ritual da tragada, sentindo um arrepio intenso por todo o corpo e ao mesmo tempo um relaxamento agressivo que o despreocupava ainda mais do que estava acontecendo. Por alguns segundos teve uma folga para observar a população ao redor e buscar a bengala, apoiando novamente a mão direita no objeto ficando a observar as belíssimas mulheres que moravam em Konoha.

Como uma canção de ninar diabólica, algo soava em meu ouvido e me chamava toda atenção para o que estava sendo ouvido. De certa forma eu ignorei o utilizar da canção para me chamar e representar que ele estava com mais uma vítima, me atentei unicamente para os sons que o ambiente me entregava, buscando detalhes possíveis para distinguir onde o garoto estava dentro do vilarejo. Meus ouvidos ávidos de quem apreciava a arte sabiam distinguir diferentes sons dentro de um áudio, uma música ou qualquer coisa que chegasse com clareza em meus ouvidos, e assim o fiz. Ao fundo, os sons da construção claramente entregavam a localização da próxima vítima. Estavam na nova obra próxima do parque, ao leste do vilarejo e, com o selo de mão, parti com a minha máxima velocidade e disposição para o local, atento com meus sentidos shinobis para quaisquer ações inimigas ou aliadas naquele momento.

A velocidade e percepção do Kurama foram o suficiente para leva-lo até um local onde suspeitava vir os barulhos de construção e brincadeiras infantis. Não demorou para de fato concluir que estava no local necessário, mas para a surpresa do grisalho, não havia o menor sinal de que alguém estava sendo controlado por um genjutsu, todos agiam conforme a normalidade de seus atos. Contudo, ao longe dentro daquele parque onde inúmeras crianças se reuniam, apenas uma chamava a atenção do maior, aquela que ligeiramente pintava um quadro o fazia todo o interesse do artista se levantar, indo até a criança para ver seu trabalho e até mesmo aprecia-lo. Em poucos instantes, uma ação surpreendente levava o Jonin até o gramado, deitado em um piscar de olhos como se tivesse sido transportado até o local.

Daquela maneira, o Kurama apenas retirava a mão do homem de sua cabeça, permanecendo deitado observando o céu enquanto o ouvia atentamente, buscando um cigarro no bolso, acendendo-o e oferecendo ao outro. Shiro era totalmente o contrário da loucura. Seu semblante calmo poderia ser mantido até mesmo ao lado de alguém como o amigo secreto, entendendo e compartilhando de uma empatia por aquele ser. Era piedoso, e claramente demonstrava isso para o outro. —— Está lenda Kurama correu por séculos, mas nunca estive na presença de alguém que havia despertado tal poder. —— lentamente se levantava com o outro, podendo de fato olhar para o rosto envelhecido dele, sentindo ainda mais empatia pelo semblante cansado que o mesmo apresentava.

Não pude deixar de querer ajuda-lo, ou ao menos salva-lo daquela dor e fardo de carregar consigo um dom extremamente violento e até mesmo prejudicial para si mesmo, como uma faca de dois gumes instalada exclusivamente dentro da mente humana, o dominando como um vírus. —— Durante toda a minha vida eu tentei morrer... mas eu nunca consegui. —— com um pesar em minhas palavras, levei meus dedos até a marca em minha testa. —— Depois da última tentativa eu entendi que havia um proposito maior. Eu compreendi a vida com um novo olhar, devo aceitar os fardos do meu clã, é por isso que sobrevivi todo este tempo. —— mal pude terminar minhas palavras, o ambiente inteiro se quebrava como um vidro, parecendo romper o elo que me ligava ao genjutsu do outro.

Não ponde conter a quebra de todo aquele ambiente espelhado, ouvindo os estilhaços se formando em todo o arredor do parque, ao mesmo tempo em que a própria luz do ambiente começava a sumir em cada pedaço do vidro que rondava o espaço-tempo do ambiente. Em pouco segundo tudo parecia sumir, mas a escuridão era aos poucos substituída por uma imensa tela branca, que seguia desde os pés do Kurama até o teto, cobrindo cada canto que seu olho poderia observar. Daquela forma, observava como o velhote começava a explicar a situação real da técnica genética do clã, suspirando nas consequências que teria que enfrentar ao deter tal poder em si mesmo. Aceitou apenas consentindo com a cabeça. Aquele foi o último ato em pleno controle. Quando concordou, seu corpo automaticamente sentiu um aquecer hostil, vibrações que percorriam cada centímetro até sua cabeça e seus olhos pareciam querer se revirar, mas mantinha o controle com a sua força de vontade. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, sua mao envolvia completamente o pescoço frágil do homem, e julgando sua aparência já estava completamente morto pelas garras daquilo que tentava dominar. Era forte, era a mesma voz que ouvia em sonhos, como se aquilo já estivesse adormecido dentro do Kurama a um bom tempo. De relance, pode se olhar no espelho. Seus olhos sangravam, seus dentes pareciam afiados, as orelhas pontudas, seu semblante completamente monstruoso que desejava a morte como um predador desejava um pedaço de carne. —— Não... —— a voz do Kurama soava fria e gutural entre as vontades do segundo ser. —— Este corpo é perfeito!! Finalmente! —— ele se debatia, jogando o próprio corpo contra o chão, contra os quadros e contra as paredes, de forma a lutar consigo mesmo para ter controle do próprio corpo. Como fragmentos de memória, pode ver em detalhes toda sua vida passando, vendo todas as imensas dificuldades que havia superado e, juntas, eram muito superiores a o que estava acontecendo. Com um grito ensurdecedor, de dor e desespero, o Kurama puxava a própria pele como se retirasse escamas falsas, sendo estas a camada hostil que tentava domina-lo.