A Floricultura

Era a primeira manhã de Kyo como um genin. Na infância, ainda assistindo ao seu falecido irmão treinando com seu pai, nunca imaginou se tornar um shinobi. Na verdade, ele mal entendia sobre os ninjas. Conhecia algumas lendas, algumas histórias ditas entre as crianças, especialmente sobre uma deusa derrotada por ninjas poderosos. Ele, porém, não achava que eram coisas reais. Duvidava muito da existência de deusas fracas ao ponto de morrerem por mãos humanas; se deuses existissem, deviam ser muito mais fortes. Agora, porém, era um ninja. Entendia as nuances dos poderes dos shinobis — o famoso ninjutsu, o uso do chakra, as artimanhas das ilusões. Tudo isso lhe fazia sentido, eram reais. Depois de três anos treinando para se tornar um ninja ele finalmente acreditou nas lendas — e elas se tornaram em fatos.

Porém ele não iniciaria a vida enfrentando deusas — e nem sentia-se seguro para imaginar-se neste nível. Sua primeira missão, dada-lhe na manhã em que se apresentou no salão de missões da vila, foi a de ajudar com uma floricultura do clã Yamanaka enquanto a menina, uma recém-condecorada chunin médica, estava enfrentando trabalhos mais intensos. Kyo sabia que as missões dadas aos genins novatos eram todas mais burocráticas e administrativas. Esse tipo de coisa era ensinado na academia. Mesmo assim, não pode deixar de se sentir deixado para trás. Não sabia como se tornaria mais forte ajudando com uma loja de flores — e, mesmo assim, não reclamou, apenas foi realizar seu serviço.


Chegou na floricultura por volta das nove horas da manhã, horário que havia sido combinado. A moça, uma bela kunoichi de cabelos loiros e olhos verdes, lhe passou as tarefas mais básicas e deixou tomando conta da loja. As primeiras horas passaram lentas e monótonas. Dois clientes entraram, olharam e compraram rosas das mais comuns. Kyo já estava começando a achar que não teria maiores problemas em ficar na loja, então o turno da tarde começou. Os clientes brotavam mais rápido que o desabrochar das flores na primavera. Eram várias solicitações diferentes — buquês de namoro, de luto, flores para as mães, para túmulos de conhecidos, para enfeites de festividades. Além dos buquês, também buscavam vasos. Grandes, pequenos, ornamentados, simples. As últimas horas de trabalho foram as mais cansativas, entretanto, ele conseguia atender a todos e ainda manter a cabeça sã. Alguns lhe olhavam atravessado, fosse pela tatuagem ou por sua expressão apática, mas nenhuma pessoa desistiu de comprar por tais motivos.

A kunoichi voltou no final da tarde com olheiras pesadas, os cabelos bagunçados e uma expressão abatida, mas não fez nada a não ser agradecê-lo pelo trabalho e conceder a aprovação da missão. Ele fez uma reverência simples, apenas agradecendo, assim como havia sido ensinado desde a infância. Os espadachins Karakura eram educados e polidos, dizia seu pai. Ela sorriu parecendo mais feliz ao vê-lo sendo minimamente educado e então ele a deixou para trás. Retornou à sede de missões e entregou o pergaminho aprovado. Não recebeu nenhuma palavra de elogio, nem motivação, apenas sua recompensa e uma nova missão: ajudar na faxina noturna da biblioteca da vila.

Ele aceitou com o queixo erguido e saiu até a biblioteca.

Uma Noite na Biblioteca

Kyo parou um pouco antes da biblioteca para tomar um copo de chá e comer um palito de dangos em um dos quiosques. Não custava caro, comparado à recompensa da missão. Aproveitou que finalmente estava ganhando seu próprio dinheiro para fazer o agrado ao estômago. Sentiu-se mais adulto, de algum modo. Mesmo tendo apenas doze anos, sentia-se como se fosse responsável por tantas coisas que era mais adulto que muitos jovens de sua idade que ainda viviam em seu vilarejo — e ele estava com a razão, os adolescentes daquela idade ainda estavam aprendendo as artes das espadas, no máximo, mas não tinham nenhuma tarefa e até podiam brincar, sendo chamados à serviço a partir dos quinze ou dezesseis anos. Kyo terminou de comer, quitou a conta e saiu rumo a biblioteca à passos lentos, deixando a comida descer, ainda sentindo o sabor na ponta da língua.

A biblioteca estava prestes a fechar e um rapaz de óculos redondos estava à frente. Enxergou a chegada do menino e logo se lançou em sua direção, falando alto, animado, um tanto ansioso. — Você é o genin que nos ajudará?! — e a resposta não foi escutada; nem teria condições de ser. Kyo apenas assentiu com a cabeça e o bibliotecário gritou animado. Puxou o menino pela mão para dentro da biblioteca e apresentou a imensidão da zona — claro que Kyo conhecia, mas notar que precisaria ajudar em toda aquela limpeza lhe fez soltar um "woah" preocupado. Feitas as apresentações e explicadas as normas, ele recebeu os materiais de limpeza e a biblioteca foi fechada ao público.

A limpeza não era difícil na maior parte do tempo. Limpar o chão, secar, varrer, retirar o acúmulo de pó sobre as estantes. Tarefas simples, mas demoradas e cansativas aos trabalhadores. O problema mesmo estava em certas áreas, as restritas, onde Kyo só acessou acompanhado, onde os pergaminhos e livros eram todos tão antigos que necessitavam de cuidados especiais. A temperatura no ambiente era diferente, o oxigênio presente parecia estar constantemente faltando para não oxidar os papeis. Demorou mais para terminar a limpeza do lugar, mas em duas ou três horas seu trabalho estava terminado e ele recebia mais uma aprovação de missão. O bibliotecário animado estava dormindo num canto e quem assinou a aprovação foi uma mulher de cabelos púrpuras.

Kyo voltou ao salão de missões e deu como encerrada a missão — ainda sem nenhuma palavra motivadora. Recebeu sua recompensa e foi mandado embora para descansar. "Mesmo sendo jovem, você ainda precisa descansar o corpo", foi o que falaram e ele apenas assentiu, reverenciou e voltou para sua casa.

Considerações.: