Os reflexos de um astro cálido ainda batiam incisivamente na folha de papel que repousava sobre a escrivaninha de madeira, vindo atingir diretamente nos olhos de Shizuke. Teve de fechar o livro e levantar-se, livrar-se do conforto daquela cadeira que, quando sentado nela, sequer se lembrava ser feita de madeira, tamanho era o encaixe que tinha em sua coluna. Estava muito dado aos livros ultimamente, sequer lembrava-se de seus deveres para com a Folha, passando horas e horas, infindáveis, lendo em sua sala, diante da janela. Enxergava a realidade vigente com olhos caídos, mortiços; em suma, não conseguia encontrar mais uma força motriz. Diante dele pairava uma miríade de questionamentos que ele sabia serem vazios, nada senão distrações para afastarem-lhe de encarar gravidade de sua decisão, aquela que ainda não tinha feito. A lacuna que preenchia o infinito vazio entre começo e fim era um amontoado sem fim de distrações banais. Dias passavam desgovernados, sem que ele pudesse parar e situar-se, por um momento ao menos, no presente imediato, o agora. Os dias eram cascas vazias, sulcados de tal modo que só restavam as extremidades, o envolto, o receptáculo do nome dado a cada um — Segunda, Terça, Quarta-Feira. Apercebendo-se de um lampejo, uma centelha do infinito que vinha até ele chacoalhar sua monotonia, ergueu-se de salto da cadeira, na busca frenética por um dos livros que repousavam à estante.

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O livro que alcançou em sua estante de madeira, bem localizada ao ser capturada, todos os dias, parcialmente pelos feixes de luz e o ar diurno que não deixavam o pó acumular em demasia, preservando as obras de uma morte lenta por esquecimento e negligência, falava acerca de ferreiras, suas histórias e as histórias de suas espadas. Shizuke havia se surpreendido com o grosso volume, pois quando olhava para a espada que tinha à cintura, não conseguia imaginar uma história que pudesse preencher mais de oitocentas páginas, como bem faziam as arma cujas histórias eram ali contadas, conseguindo lembrar-se somente de como fora inapto em seu início de carreira como ninja em manuseá-la, em como, por muito tempo, aquilo nada mais era que um adereço em sua cintura, um peso incômodo durante uma corrida, ou um som e uma sensação desagradáveis a roçar contra a lateral de sua coxa através do tecido. Naquele livro, de autor desconhecido, lembrara-se de ter lido a respeito de uma lâmina forjada em Tetsu no Kuni, o país do Samurais. O homem que a requisitara para o renomado ferreira talvez nunca imaginasse o quão longe iria, por conta própria, aquele item autônomo, dotado de uma vontade própria, podia se dizer, espalhando sua maldição indiscriminadamente a qualquer um que o portasse e usufruísse de todo seu poderio.

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Essa história em particular parecia ter uma anormal quantidade de dados históricos que não apareciam em outros textos do mesmo livro, chegando até mesmo a descrever uma miríade de nomes de oficiais, as vestes militares do Shogun e de seus conselheiros, como se encontrava o dia em determinada cena e assim por diante. Ficou claro — ou pelo menos ele assim o pensou — que quem tivesse escrito aquele texto em específico, pois achava cada relato acerca de uma arma ter vindo de uma pessoa diferente, diferindo cada relato em estilo de escrita e palavras características que eram usados em momentos chave como que para quebrar um ritmo narrativo, sabia muito sobre a arma, fosse sobre sua gênese, seus portadores e até as desgraças que os haviam acometido. Em sua mente, atacado por um otimismo infantil, ele imaginou se não saberia através de pistas deixadas ali, talvez, o paradeiro atual daquela arma cujos aspectos lhe pareciam quase que místicos dada a sua trajetória, como afundara ela o mais proeminente dos samurais na mais profunda desgraça e desconhecimento, tanto que esse, o inicial portador da espada, nunca tivera seu nome revelado — outra teoria, além da que sua desgraça havia simplesmente sido demais para suportar, era de que ele havia recuperado sua arma e escrevera tudo acerca dela, sem mencionar o próprio nome para resguardar-se. Faria até sentido, pois tudo parava de imediato, logo após as frases finais apontarem para um aparecimento de arma no Páis do Fogo.

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Agora, de cigarro aceso, ora aos lábios, ora entre os dedos para que expulsasse a fumaça de seus pulmões, examinava minuciosamente cada frase no texto da Zanka no Tachi, sem se incomodar muito com o livro e as cinzas que caíam sobre ele. Após uma rápida perscrutada sobre o início do texto, isto é, os parágrafos iniciais que basicamente descrevem detalhes da forja e os primeiros usos do metal ainda virgem, concluiu que não havia muito ali que pudesse ser usado ao seu favor. Quiça o homem não concebera então seu texto como um apanhado de pistas que levariam o leitor até a arma em eterno repouso, querendo apenas libertar-se do fardo de sua cruel caminhada através das palavras que escrevia com sua pena sobre o pergaminho gasto nas extremidades e amarelados em toda sua extensão. Assim, tomou uma decisão que facilmente poderia ser reclamada como a melhor que tivera naquele dia: pulou todas as partes de tom épico, as desgraçadas, as conquistas do jovem espadachim, saltando de página em página até a reta final, que se iniciava após uma folha inteira em branco, coisa não acontecera até então. As palavras ali não pareciam ter sido transcritas, pelo contrário, eram como uma folha escrita pelas próprias mãos da figura desconhecida, seu relato pessoal. Leu, releu e leu novamente. Encontrava-se numa espécie de redemoinho, pois não chegava a lugar nenhum e continuava a girar no ponto que se encontrava, sem poder escapar da improdutividade. O texto terminava assim: Contudo, apesar de retomado o item, foi envolto numa inescapável máxima, a volta do homem à terra.

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Agora que Shizuke dera voltas e mais voltas naqueles trechos finais, sua mente, já acostumada a repetição, podia se acalmar e meditar nas palavras lidas. A arma que fora concebida como um sonho de primavera, um audacioso projeto de um ferreiro que até então gozava de reputação semelhante a do espadachim, eram ambos desconhecidos, comuns que em nada se destacavam nas duas multidões de Tetsu no Kuni: o exército de ferreiros que abastecia o Shogunato possuía incontáveis homens de tez suada e braços vigorosos, assim como o exército de Samurais tinha uma infinidade de anônimos escondidos atrás de seus elmos e armaduras. Outro trecho: “O projeto há de voltar à Folha.” Folha, folha, Folha. Não folha, mas Folha. Letra maiúscula. A boca pendeu aberta, Shizuke incrédulo de tamanha estupidez, tamanha obviedade que dançara em sua frente, provocando-o. Refestelou-se na poltrona, lançando os braços para trás e deixando escapar um longo suspiro. Com o livro debaixo do braço, caminhou confiante ao único lugar que poderia estar acomodando o item — não tinha esperanças de encontrar o homem pessoalmente, uma vez que o livro já lhe dava boas pistas de sua idade mais que centenária. O Quartel General surgiu imponente, uma visão que fora mais comum, quase diária, naquele período onde ele se encontrava mais obstinado do que agora em cumprir seu próprio plano de fortalecer-se o suficiente para que pudesse evadir à Konohagakure sem grandes empecilhos. Agora, voltava ao lugar para reclamar seu prêmio naquela sinistra caça ao tesouro. Adentrou a porta e observou com olhos semicerrados o salão de entrada, vazio senão por um único oficial debruçado no balcão, dormindo sobre os cotovelos. Sorrateiramente, passou por uma portinha à extremidade do balcão e deu numa outra sala logo atrás, vulgarmente chamada de Sala de Troféus — onde eram guardadas algumas relíquias, como se fosse um museu, além de objetos apreendidos de desertores e outros criminosos. Fechou a porta atrás de si e deu um peteleco no interruptor próximo à porta. A luz inundou o ambiente, revelando um sem número de coisas, grande parte que sequer possuíam nomes para ser descritas, frutos de mentes indecifráveis. Apenas algumas poucas espadas. Checou o livro para aparência da arma e então avançou pelas fileiras de itens presos em vidros, como peixes num aquário. Ao fim, escondida pelas sombras num canto do salão, a arma repousava silenciosa, como se fizesse algum esforço para passar despercebida. Ele encontrara. Finalmente encontrara.

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