Cingindo a espada à cintura, Shizuke observou o horizonte além, inalcançável acima das muralhas de Konohagakure. O cheiro daquela comida desprezível lhe veio, carregado pelo vento de fim de tarde, até as narinas desprotegidas, pegando-o de surpresa. Fez uma careta, virando o rosto noutra direção. Ao fazê-lo, viu que um pássaro, de asa quebrada, se desequilibrava e caía de cima do ninho. O dia estava monótono, como se tudo que o cerceasse fosse tingido de uma cinza sem vida e sem calor. As horas passavam por ele se arrastando o mais vagarosas possível. Irrequieto, procurava nos céus por alguma resposta mas o firmamento lhe apresentava somente um vislumbre das estrelas que espreitavam, esperando a queda do astro solar e o surgimento da lua prateada com quem dividiriam foco. Tornando o pescoço para trás, o corpo acompanhando o movimento, viu que o movimento no interior da floricultura seguia o mesmo. Naquele dia nem mesmo fantasmas, ninguém comprara flores. Perguntou-se se isso era um presságio dos tempos por vir, pois do outro lado da rua a loja de armas tinha movimento constante. Um jounin que entrava para reabastecer sua bolsa com novas kunais, as faltantes estando no corpo de algum moribundo.

"Apenas tome conta até o surgir da noite", lhe dissera o Yamanaka responsável e agora, ao que parecia, o prateado lunar se erigia no horizonte. Ergueu-se da bancada onde passara toda tarde observando o movimento das ruas e voltou-se para dentro. Contudo, viu que uma sombra despontava logo ao lado de seus pés, uma sombra que era projetada a partir de suas costas. Virou-se. Uma idosa cuja idade não podia precisar, tendo coisa de um metro de altura, caminhava em sua direção com um sorriso gentil no rosto. Shizuke tentou esconder seu aborrecimento ao sorrir de volta. Logo agora que estava prestes a se desincumbir da tarefa aparecia um cliente. "Só preciso de sementes", disse ela. Aquiescendo, o genin caminhou até os fundos da loja, passando pelo balcão de atendimento através de uma portinha que existia na extremidade lateral e se abaixou para procurar as tais sementes. Enquanto olhava, um a um, os saquinhos, percebeu que a mulher não lhe especificara quais sementes procurara. Levantou-se e perguntou, a voz por sobre o balcão, de quais sementes ela precisava. A mulher idosa demorou-se algum tempo pensando, em completo silêncio, de modo que Shizuke imaginou que ela tivesse partido. Mas então a resposta veio e ele pegou o devido saquinho, entregando à ela e pegando o dinheiro. Pôde enfim fechar a loja.

Na manhã seguinte foi surpreendido com outro pedido da vila. Nunca antes tivera dois dias seguidos de trabalho a ser feito, estava, por esse ponto, mal acostumado em relação às tarefas. Espreguiçou-se, limpando os olhos ainda turvados de sono e alcançando a janela para abrir as cortinas e deixar ar e luz entrarem. As batidas pareciam se seguirem incessantes contra a madeira da porta e, pelas medidas mínimas da casa, o som ecoava ensurdecedoramente por todo o pequeno quadrado a que chamava de lar. Correu até a porta, abriu-a e tirou da mão do homem, cujo rosto sequer chegou a ver, o envelope da missão, fechando a porta e se voltando para seus aposentos. Recostou-se à porta, suspirando longamente e limpando uma segunda vez os olhos sonolentos com o dorso da mão. Delicadamente, abriu a carta e pôs-se a ler a missão que o tinham designado esta vez. Largou o papel com carimbo de Konohagakure sobre um canto da pia e foi lavar o rosto. Não conseguia ler corretamente o conteúdo da missão pois seus olhos pareciam ter areia sob a visão. Tentou uma segunda vez. Tratava-se de acompanhar um carregamento até a vila mais próxima. Até que não era de todo mal. Não poderia dizer que inexistia qualquer perigo à espreita nos trajetos que levavam a mercadoria, mas existia também a chance de uma ida pacífica e tal coisa lhe parecia uma perspectiva agradável.

Ao meio dia partiu para encontrar com a comitiva que levaria a carga junto dele. Foi encontrar a todos nos portões de Konohagakure, ansiosos, ao lado da carruagem puxada à cavalo. Por sorte não tinha aparência de genin, não com seu manto tradicional de períodos há muitos passados e sua espada presa na cintura. Isso era um alívio, bem sabia: civis frequentemente tomariam ninjas pela aparência, querendo mais saber se pareciam ser confiáveis ao invés de se aterem ao fato de realmente o serem ou não. Shizuke fez apenas uma breve apresentação, dizendo sem o responsável pela missão, explicando também o baixo nível atribuído à ela, o que implicava numa baixa probabilidade de embate com possíveis assaltantes. Explicou também que tomariam um caminho mais seguro, avançando pela estrada que se abriam à sombra da floresta da morte, num campo plano e aberto onde qualquer pessoa poderia ser identificada quilômetros antes de se aproximar. Ainda assim empregaram ritmo acelerado, visando alcançar o destino antes do cair da noite, contando com o fôlego da comitiva e o incansável cavalo que puxava a carroça sem qualquer reclamação. Apenas parou num dado momento para comer uma maça que encontrou caída pelo caminho e seguiu em viagem no instante seguinte. Sem complicações, alcançaram o pequeno vilarejo, onde foram ter com um ancião que apresentou uma espécie de documento assinado e carimbado por Konohagakure, onde se dizia que era ele o responsável pelo recebimento. Ao fim da tarefa, Shizuke voltou ao quartel general para relatar seus feitos e então voltou para casa, retomando o sono interrompido.

Hp: 350; Ck: 400.

Spoiler:

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É um nome de extremo mal gosto, percebeu assim que leu o informe da missão. O ninja comilão na verdade roubava as mercadorias dos restaurantes e não as comia. Isso fez Shizuke ficar um tanto desapontado com o rótulo dado. Mas logo afastou o pensamento, se aprumando e cingindo a espada à cintura. Não que fosse minimamente necessário, pois a tarefa para que partia agora era de limpar a biblioteca de Konohagakure. Fechou a porta atrás de si e encarou pela primeira vez no dia os feixes brilhosos da luz solar, que graças ao fim recente do verão ardiam com menos intensidade. Era então suportável ficar debaixo dos raios mornos, mesmo ao meio dia, quando o astro se encontrava em seu ponto mais alto. Inspirou o ar diurno, sempre carregado de um odor que era a mescla de tudo vendido a alguns metros dali: desde peixes até maçãs vermelhas e muito doces, que frutificavam apenas nas regiões mais longínquas do País do Fogo. Passou pela feira e pegou uma, deixando as moedas equivalentes ao preço na mão do comerciante.

Virou a esquina, tomando a esquerda. A rua que se seguia estava mergulhada numa sombra opressiva, que tomava de lado a lado da rua, sem qualquer chance da luz tingir o cenário. O imponente prédio da biblioteca se erguia imponente, ladeado por casas pequenas. Cruzou a rua, quase sendo atropelado por um grupo de crianças que corria sem olhar adiante. Desviou por pouco, dando uma corridinha até a beira da calçada oposta. Subiu as escadas laterais e alcançou o segundo andar da biblioteca. Na entrada, logo ao lado direito da porta, um pequeno balde para guarda-chuvas. Shizuke não carregava guarda-chuva consigo, mas achou por correto deixar sua espada ali: sem medo algum o fez, o público que frequentava a biblioteca em grande parte era de civis e estes sequer queriam assunto que fosse com uma espada infame como aquela. Cumprimentou Saeki do outro lado do balcão, que girava entre os dedos um lápis bem apontado, tendo algumas fichas diante dela. Enquanto ele passava direto em direção aos livros, ela o chamou até o balcão. Entregou uma cópia do informe da missão, igual a que ele recebera no dia anterior, junto com um paninho úmido para tirar o pó das capas.

Observou por um momento, parado no corredor, as seções lado a lado. Levaria um bom tempo para que limpasse tudo e achou por melhor começar logo. Dançou seu paninho por entre as prateleiras, o pó subindo aos montes, gerando ocasionais tosses e espirros. Até então sequer sabia de sua sensibilidade para as partículas. Teve de se deter uns momentos, acometido por um ataque de tosse. Passado este, seguiu limpando, passando seu pano sobre capas e contra-capas, se esticando nas partes mais altas de cada corredor, sem querer ter que pedir por uma escada. Depois de ter terminado tudo, ainda fez outra volta, o caminho reverso espanando o pó que sobrevivera a sua investida inicial de limpeza. Ao fim, passou pelo balcão, balançando o pano no caminho até lá, tirando todo o pó. Deu um aceno à Saeki, acompanhado de um sorriso e um adeus. Caminhou até a porta, pegou sua espada e desceu as escadas na direção da rua. Não se passara muito tempo, pois, ao observar o astro acima, percebeu que a posição era a mesma, ele mal havia saído do lugar. Guardou o papel da missão no bolso interior de sua camisa e seguiu para a próxima tarefa.

Lendo o relatório que lhe fora dado percebeu que alguns dos restaurantes da vila ainda não tinha sido roubado e nenhum dos já atacados tinha sido duas vezes. Bingo, pensou de imediato. Bastaria montar tocaia num dos estabelecimentos ainda intactos pelas mãos do tal ninja e esperar. Esperar e esperar. Saiu pelas ruas vizinhas à biblioteca perguntando onde o ficava o restaurando desejado, não tardando até encontrar um dos comerciantes da região, homem velho e calejado, que de bom grado passou as direções. Shizuke chegou lá e avisou os donos do que se tratava, ganhando um lugarzinho perto da porta dos fundos, sobre um banco de madeira. A noite caiu e o silêncio desceu sobre o local, os clientes todos haviam partido. Num dado momento os donos também se foram, deixando com o genin os cuidados do comércio. Ele jurou pela sua honra com espadachim e pela sua bandana de que devolveria a chave no dia seguinte, em conjunto com a notícia de que o tal ninja comilão estaria preso. E o fez: lá pela uma hora da manhã um rapaz rechonchudo abriu a porta, caminhando na ponta do pé e não percebendo Shizuke na soleira da porta até que fosse tarde demais. O garoto de longos cabelos negros balançou uma panela contra o assaltante e o deixou inconsciente, arrastando seu corpo pelo calcanhar até a porta do quartel general, onde já ficou e deixou o relatório de suas missões. Assim, chegava ao fim seus deveres e se aproximava a promoção para Chunin.

Hp: 350; Ck: 400.

Spoiler:

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