Floricultura da Vila
You, como sempre, corria para todos os cantos da vila, seguido de perto por seu parceiro Ken. Pulava de telhado em telhado e às vezes soltava um grito de alegria, ao sentir o vento no rosto, o cheiro de ar fresco, de folhas de árvores, de lámen feito na hora, de cães e gatos. Ouvia o som de conversas, de pássaros, de passos de crianças correndo.
Espera aí, seu idiota. Aonde você tá indo?
Não ia a nenhum lugar em específico. Somente se divertia em poder estar em movimento e notá-lo ao seu redor. Aquilo que era vida! Sua vida pós-academia começava ali! E não podia se conter em regozijar a nova graduação e todas as aventuras que ela lhe poderia trazer. Queria lutar seriamente com alguém forte, e vencer (é claro)! Queria partir em uma longa jornada que percorresse todo o mundo, conhecer novas pessoas, novos lugares. Sentir novos cheiros, ouvir novos sons, comer novas coisas... literalmente. Enquanto pulava de telha em telha, mastigava um fio de seu próprio cabelo, com vontade.
A resposta de Ken para o entusiasmo de You, contudo, era sempre desdenhadora.
Você viaja demais, seu tolo. O máximo que vai conseguir fazer como genin vai ser limpar cocô de cachorro da entrada da casa de uma velha rabugenta.
Cala a boca, imbecil! Você vai ver quando a gente pegar nossa primeira missão e ficarmos ricos e famosos! Aí quero ver você com o rabo entre as pernas de vergonha!
You jamais admitiria que suas primeiras missões poderiam ser, vamos dizer, pouco desafiadoras. Estava convicto de que possuía o potencial para fazer grandes feitos e de que os faria. Imaginava-se tornando-se o shinobi mais forte do mundo, sobre uma pilha de ossos de seus inimigos e com os braços em uma garota cheirosa com um cabelo macio e saboroso. Conseguia até mesmo sentir na sua mente o doce aroma feminino. Parecia tão real... Na verdade, nunca antes sua imaginação havia sidotão real quanto aquele...
Espera aí. Tá sentindo que eu tô sentindo?
Pergunta You a Ken, após parar em cima de uma casa térrea.
Rosas, lírios, orquídeas, tulipas, girassóis? Nunca imaginei que você se interessava por essas coisas.
Claro que não, idiota. Mas é o cheiro de pele lisa ensaboada e banhada em flores, cheiro de cabelos cuidados e...
Explicava You quando ouviu alguém gritar do chão, em direção a eles.
Oi, você! É você o shinobi que chamaram para cuidar do meu pedido?
You, ao ouvir a moça falar, logo se enamorou.
Mas que voz suave e gostosa de ouvir! É ela! É ela a garota que eu devo abraçar depois de destruir todos meus inimigos e juntar seus ossos!
Enquanto isso, vendo que You demorava a dar uma resposta, Ken iniciou-a:
Não, senhorita. Nós só...
Cala a boca, Ken! Não mete o bedelho! [Grita com Ken, mas logo suaviza a voz para tratar com ela]. Somos nós, sim, moça! Vamos cuidar do seu pedido com toda a certeza! [Silêncio.] Qual era seu pedido mesmo?
Ken cai para trás de vergonha. A garota simplesmente sorri para os dois e diz:
Só cuidar da minha loja enquanto estou fora! Acha que consegue fazer isso?
Ken deu uma risadinha baixa à la Muttley.
- Risos:
You chutou-o com vontade e respondeu sorridente à garota.
Claro que sim, moça. A gente lida com qualquer coisa!
Faz o favor de descer aqui, então, que vou te explicar as coisas. [Sorri também, mas com um tom de pressa na voz.]
You e Ken descem do telhado e aterrissam perto da garota, em frente à loja.
Sou Hana e esta é minha floricultura, Hana no Hanaya (花の花屋). Enquanto estou fora, você deve manter as flores em boa condição. Eu ainda não molhei elas hoje, então comece fazendo isso. Quero também que mantenha cada tipo de flor no seu conjunto. Quando os clientes chegarem, eles devem te pedir algum arranjo. Se no fim eles não comprarem o arranjo, retorne cada tipo para seu lugar. Aqui está a lista de preços das flores separadas e dos tipos de arranjo, conforme o número de flores e tipos. [Entrega a You um pequeno pergaminho.] Você sabe identificar os principais tipos de flores, né?
Hana explicou a You rapidamente, sem dar qualquer pausa entre as frases. You naquele momento sentia como se um piano houvesse caído sobre sua cabeça. Tentava compreender e processar todas aquelas informações, mas sua cabeça não ajudava: doía e queimava por dentro. Ken tomou a palavra em seu lugar.
Não se preocupe, senhorita. Mas, só por via das dúvidas, poderia repassar conosco as espécies florais mais conhecidas?
You soltou um
uhum rouco e decidiu não chutar o cachorro dessa vez.
Estou com um pouquinho de pressa... Olha, tem a etiqueta nos vasos. Sugiro que vocês leiam elas e decorem os principais tipos, para não perder tempo com os clientes. Agora preciso ir! Tchau!
Deixou Hana a loja, sem jamais perceber que nem You nem Ken sabiam ler, um porque era cego e o outro porque era um cachorro -- ou melhor dizendo (desculpa, Ken!), porque nunca o havia aprendido. Ficaram os dois em silêncio por um tempo, embasbacados.
. . .
. . .
Enfim, né! Yoshi! Ao trabalho!
Desiste You de pensar e começa a vasculhar pela loja um regador ou algo parecido. Ken, ao observá-lo, traz o regador de metal na boca, que estava logo na entrada da loja ao lado de um vaso grande, batendo-o com força na canela de You.
Caramba, bosta de cachorro! O que é isso!?
Tá aí o regador, burro. Não reclama que você que quis essa grande e importante missão...
Fala o cão com sarcasmo. You pega o regador e vai então procurar um lugar para enchê-lo.
Ah, é? Você vai ver. Depois dessa missão eu vou ficar famoso com a Hana. Ela vai me ver como um menino forte que vence todos os desafios, até mesmo cuidar de plantas!
RÁ! Tá bom.
You tropeça com tudo em um vaso no meio do caminho enquanto procurava a fonte de água e vocifera um impropério.
Por impulso, chuta o vaso com toda a força e ouve a cerâmica despedaçar inteiramente e voar para todas as direções, enquanto o barro soterra seus pés, fazendo-o parecer uma planta humana. Nisso, gargalhava alto Ken.
Good job, senhor inteligência! Agora, sim, você vai ficar famoso! Hana-san vai a·d·o·r·a·r a nova decoração! E quem precisa de vasos, quando podemos plantar em cima dos próprios pés, né? [Gargalha mais alto.]
Cala a boca, Ken! E me pega algo pra colher essa terra! Droga! Essa droga de vaso tava no caminho, OK!?
Ken, contendo o riso, volta com uma pá na boca e a coloca no alcance das mãos de You, que imediatamente começa a varrer a terra do seu pé e arredores. Ken retornava então empurrando com a cabeça um lixo de chão para perto, onde You deposita a terra, resmungando.
Fumaçando, então, põe o regador no chão a um lado em que não tropeçasse e esfrega as mãos.
Certo, Ken! Primeira coisa: a gente precisa limpar o caminho, pra que ninguém tropece! Então a gente rega as plantas, atende os clientes e você se esconde atrás do balcão pra não assustar eles com essa sua cara véa fêa! E aí ficamos ricos e famosos!
@#&%#@
Logo You e Ken iniciam a arrumação, um trilhando o caminho entre as flores e ajeitando os vasos em que tropeçava; outro, com o dom da visão, percorrendo a loja em direção aonde notara algum vaso fora do lugar para ajeitá-lo.
No fim de pouco minutos, a pequena floricultura, de cerca de seis tatames de dimensão, parecia um pomar em miniatura, com os vasos de flores de um lado e de outro e o espaço livre para transitar entre eles. You foi pegar o regador novamente, para molhar as plantas.
Foi quando o primeiro cliente chegou -- ou alguém que poderia ser um.
Com licença!!! Me chamo Tardina!!! Vim por conta da missão!!! Ajudar a cuidar da floricultura!!! Por onde eu começo!?
Disse a kunoichi com muita empolgação. You colocou o regador no chão no caminho e falou.
Erm... Tardina, você não chegou muito tarde, não...? A moça das flores já saiu e eu fiquei com a missão.
A kunoichi perdia o entusiasmo a cada palavra dita.
Ah, não! De novo, não! É sempre assim! Eu vou pra uma missão e me distraio com algo e acabo perdendo a hora... T_T
Desabafa Tardina para Ken.
. . .
. . .
Bem, vou indo, então!
Espe-espe-espera, moça! Por que não aproveita e compra uma flor?
Ken sugere aos sons de interrogação vindos de You.
Bem, já que estou aqui, né!
Ken, que é que cê tá fazendo?
Sussurra You para Ken, enquanto Tardina passeava os olhos pelas flores, distraidamente.
`
Você não quer impressionar a Hana-san? Nada melhor que impressioná-la vendendo as flores dela.
Explica Ken, deixando You em estado de elação. Logo vai You para perto de Tardina, seguindo seu cheiro.
Ei, decidiu? Tem um monte de flor cheirosa aqui. Por exemplo, cheira essa.
You pega um jasmim e quase o enfia dentro da nariz da garota, que espirra forte, e espirra mais uma vez, e mais outra vez... Até que de sua boca só saem espirros.
ATCHIM! ATCHIM! ATCHIM! Eu... ATCHIM... sou... ATCHIM... alér...ATCHIM...gica a... ATCHIM... flo-res... [Respira como se chorasse e assoa o nariz.]
Você o quê!? [Vira-se para You.] Ela está empolando, You! Empolando como uma amora! Precisamos levar ela pro hospital, e rápido!
Mas que droga, Ken! E minha missão? Vai você, Ken! Vai com ela! Eu fico aqui vigiando.
Ken dá um urro de resmungo, mas logo sai com Tardina, antes que fosse tarde demais para a garota-amora.
You suspira, xingando a própria sorte, contendo-se para não chutar e quebrar mais um vaso de flores. Andando pelo caminho, contudo, tropeça mais uma vez em um objeto, agora de metal, e, sem conter-se, chuta-o com vontade.
Sente o metal do regador ser contorcido ao passo que uma onda de choque o avisa da dor no dedão.
Ai, ai, ai, ai, ai.
Pulando de dor no mesmo lugar, You sobe o regador com a mão esquerda e passa a outra mão por ele. O regador era mais uma escultura de arte moderna. Será que servia ainda para regar?
You fixou-se novamente no chão e foi buscar água. Na arrumação anterior, já havia descoberto a fonte. Enche então o regador e percebe que, felizmente, este não vazava.
Bem, nem foi um estrago tão grande assim! Ainda serve e isso que importa!
Despreocupado, You passa pela trilha que haviam feito aguando as plantas, após confirmá-las pelo odor e pelo tato. Ao mesmo tempo, lembrava-se de cada cheiro e textura, contente por estar conhecendo coisas novas, mesmo que no fim não soubesse o nome de nenhuma.
Ei... Será que são gostosas?
Pensa You, abocanhando uma flor de glicínia por completo. Logo solta um "
hmmm" de deleite e procede para cada flor com a olfação, tatura, aguagem e, por fim, degustação. Algumas flores sabiam mais que as outras, normalmente as com aroma mais adocicado.
Ao fim da regadia, estavam todos os vazos mais vivos, molhados e várias folhas sem cabeça. You ficou satisfeito com seu trabalho, por sentir a sutil umidade no ar. Assim, esperou que entrassem mais clientes. Da próxima vez, perguntaria logo de início se o cliente tinha alergia e, se a tivesse, o expulsaria a pontapés da loja!
Por sorte, dos alérgicos e da reputação de You, ninguém com tal disposição apareceu, apenas uma senhora.
Meu filho... Quero comprar flores para levar à minha neta, que está doente em estado grave no hospital. Que flores você me recomendaria?
You aproximou-se da senhora e percebeu, pela direção de baixo para cima de sua voz -- após perguntar-lhe sobre alergias -- que ela deveria ter metade da sua altura.
Olha, senhora, eu não sei o nome das flores, mas a senhora pode ver aqui os tipos flores e ar... arr... arre anjos. [Hesita tentando lembrar a palavra certa, enquanto passa a ela o pequeno pergaminho entregado por Hana.] E também sei das mais cheirosas e saborosas, se sua neta gostar.
A velhinha riu do comentário inusitado e então se tocou de algo.
Oh, minha nossa! Não te ensinaram os nomes, não é? Nem ao menos o leram para você. Meu rapaz, vou lhe mostrar as flores, e então escolhemos juntos, que tal?
A senhora, que notara a cegueira de You, lhe propôs de bom grado, ao que ele assentiu. Na meia hora seguinte, aprenderia a associar o odor, textura e gosto de cada flor a seu nome, em japonês. A senhora parecia gostar muito de flores, e dizia-lhe que existiam flores para cada ocasião, cada momento da vida. You esforçava-se para entender tudo aquilo, e a velhinha explicava mais devagar quando notava sua hesitação.
Ao fim dessa meia hora, You e a senhora decidiram por um arranjo de iris, constante da lista, pelo seu odor neutro, para não irritar o nariz, e textura agradável. As cores ficaram por conta da velhinha.
Após haver pago pelo arranjo, a velhinha despediu-se e You agradeceu-lhe a atenção.
Durante o dia, somente mais dois clientes entraram na loja. You, com seu conhecimento adquirido em flores, expunha a eles as propriedades de cada planta, conseguindo assim mais duas vendas bem-sucedidas.
No fim da tarde, Hana reapareceu enquanto You cuidava de regar as flores mais uma vez com o regador deformado.
Mas o quê!?
Hana pergunta assustada, ao ver a cena em sua floricultura: o regador desfigurado, o chão sujo de terra dos pés descalços de You, pedaços de cerâmica aqui e ali, plantas com as flores comidas... Antes que pudesse reclamar, porém, You foi até ela e começou a lhe contar, com entusiasmo.
Olá de volta, Hana-san! Você viu como ficou a loja?? Arrumamos os corredores pra ninguém tropeçar e regamos as flores, duas vezes! O Ken? Ele teve de ir pro hospital porque uma menina teve uma crise alérgica aqui e quase morreu aqui dentro da loja mesmo! [Nisso, a feição de Hana empalidecia...] Mas fora isso, vendi flores pra três pessoas! E teve uma senhora que veio aqui e me contou tudo sobre plantas! Você sabia que tem flores pra cada ocasião? E que você não pode dar crisântemos pra doentes porque se não eles acham que vão morrer? Dá pra acreditar!? E que flores com muito aroma também não são boas pra doentes. Nem flores em potes, porque isso é uma meta... uma meta... um mêta fora (acho que é esse o nome), quer dizer, flores com potes significam que a pessoa vai criar raízes no hospital e nunca mais sair.
Recupera o fôlego no silêncio de Hana.
Enfim, você pode notar que cuidamos direitinho da loja e nada de ruim aconteceu! [Comenta, contente.] E quem diria que flores têm tanto significado pra alguns, né!
Hana abriu a boca, fechou-a; abriu a boca e fechou-a novamente. You se mostrava tão empolgado que era difícil reprimi-lo. No fim, ela simplesmente sorri, pega o regador deformado das mãos de You e vai até o caixa conferir o dinheiro.
É... é mesmo, You-san? Que bom que você aprecia a floricultura agora. Quando... quando precisar de flores, nem precisa vir à minha loja. É só mandar um recado e eu peço para alguém entregá-las para você... longe daqui.
Diz, mantendo o sorriso, enquanto algumas lágrimas lhe caem sobre o rosto.
OK, Hana-san! Agora vou reportar a missão! Obrigado! E pode deixar que vou pedir muitas!
Despede-se You, enquanto Hana permanece no mesmo local, com um ar depressivo.
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Enquanto You pulava de telhado em telhado, aproxima-se Ken.
Ken! E a Tardina? Está bem?
Passa bem agora. E sua missão? Ocorreu tudo bem mesmo sem mim?
É claro que sim, cachorro estúpido! Por que é que eu precisava da sua ajuda!? Só posso te dizer que já estou famoso com a Hana e que ela vai até entregar flores pra mim a partir de agora!
Ken apenas rosnou incrédulo e os dois desapareceram no horizonte rumo ao Posto de Atribuição de Missões (任务受付) para reportar uma missão D que roubara You inocentemente de outra genin, alérgica a flores.