Grãos de areia se entrechocavam, travando uma batalha incessante, impulsionados pelo capricho do vento que varria a paisagem dourada do deserto. A vastidão silenciosa do deserto era quebrada apenas pelo sussurro dos grãos em conflito.

— Tem alguma direção prevista? — a voz de Kurama rompeu o silêncio que acompanhava o jōnin enquanto ele avançava pelas dunas que ligavam sua residência ao "Buraco", a cicatriz deixada pela batalha ocorrida há algum tempo.

— Eu tenho uma noção do mapa-múndi, a localização das grandes nações são de meu conhecimento — retrucou, enquanto sua mão esquerda emergia do bolso com uma bala de café, guiada até seus lábios, onde deliciou-se, saciando o vício.

— Isso não responde o que perguntei — a verdade não passou despercebida pela besta, que se preocupava com a falta de um plano claramente delineado por seu companheiro.

— Vamos focar primeiro em nos afastar de ambas as cinco grandes e ver o que podemos descobrir do outro lado das águas perturbadas do oceano.

— Então seu plano é virar um tipo de pirata? Eu não acho uma boa ideia — repreendeu Kurama.

— Ainda não ouvi seu plano — ironizou Tensai, até certo ponto sincero.

— Talvez você devesse ficar, aceitar alguma função mais burocrática ao lado de Harikēn e ganhar o afastamento que tanto deseja do caos de batalhas frenéticas — concluiu a raposa.

— Acho essa uma ideia válida! — assumiu o Senju. — Vamos falar mais sobre ela na primeira vila que encontrarmos na nossa viagem — finalizou demonstrando firme sua ideia de sair dos limites de Sunagakure no Sato.


Seu traje era composto de vestes shinobi padrão, de um tom azul tão escuro que quase se confundia com preto. A camisa estendia-se com mangas longas, mas estava dobrada até a metade do antebraço. Sobre o tronco, o haori negro, adquirido para o luto, repousava sobre os ombros. As botas eram azuis, tabi ninja padronizadas. Sua bandana do vilarejo, antes sempre alocada ao cinto de forma vertical, agora era apenas a placa devidamente fixada no ombro direito. Em sua cabeça, algo próximo de um turbante aberto no topo permitia uma única mecha cair entre os olhos.

Após alguns minutos de caminhada, ele encontrou-se diante da vasta cratera, observando-a com um olhar analítico, como se buscasse algo diferente na paisagem que parecia imutável desde o fatídico confronto. Por vezes, culpava-se por não ter participado, sentindo-se omisso em meio ao caos que assolara a região.

— O que estamos fazendo aqui? — indagou Kurama, intrigada e curiosa à sua maneira.

— O propósito da minha viagem não é apenas vagar sem rumo — respondeu Maeda, como se chamasse a atenção da besta para a seriedade de sua missão. — Eu preciso reunir informações durante meu tempo fora.

— Isso ainda não explica por que estamos aqui.

— Se esforce um pouco. Olhando para esse buraco, talvez não veja sentido algum, mas eventualmente posso encontrar algo que se encaixe — disse ele, lembrando-se de Unohana e de suas investigações.

— Como num quebra-cabeça — completou Kurama, astuta.

— Sim, como se uma peça desse sentido a outra. Numa visão geral, pode ser possível encontrar ligação entre coisas que antes não pareciam ter — seus olhos fixaram-se no abismo à sua frente, quase como se se perdesse na vastidão do deserto, ainda que sua experiência como shinobi não lhe permitisse baixar a guarda. — Ou talvez eu só esteja perdendo tempo aqui — murmurou, quase para si mesmo.

O céu estava límpido naquela noite, e o verão tornava o firmamento de Kaze no Kuni um espetáculo de estrelas brilhantes. Elas, em sua incontável magnificência, eram testemunhas silenciosas do que estava por vir.

— Karma — o nome deslizaria por seus lábios como um sussurro, ainda que audível àquela distância. Os olhos negros de Maeda fixar-se-iam no único olho exposto do recém-chegado, pois teria virado o rosto parcialmente para vê-lo por sobre o ombro direito, ao término das palavras deste. Embora sua audição apurada talvez tivesse captado os passos na areia bem antes, não teria como identificar de imediato quem se aproximava. No entanto, ao ouvir aquela voz, saberia imediatamente de quem se tratava — era o mesmo homem que ele já havia visto na televisão após a Batalha da Lua Minguante, alguém que parecia estar ajudando as nações contra a temida Bōryokudan, a organização por trás de Soramaru. Tal fato era suficiente para que Tensai, sem perder a compostura característica de um shinobi de sua patente, se portasse de maneira amistosa. Afinal, não havia razões, até então, para considerar Karma uma ameaça — o Ajudante das Nações. — com essa identificação em tom quase mordaz, ele viraria-se completamente para o homem à sua frente, mantendo a expressão impassível, mas talvez um sorriso fosse perceptível em seu olhar. Aplicaria, naquele momento, todo seu conhecimento sobre a psicologia humana, tentando decifrar os sinais sutis emitidos pelas expressões físicas e faciais de Karma.

— Olha, fica mais complicado assumir que sou alguém quando quem pergunta aparenta estar tão na defensiva — comentaria com uma ironia suave, mas também confirmando a suspeita do outro. Isso se tivesse observado, através de sua análise contínua, que apesar de se mostrar amigável e ser conhecido como ajudante das nações, ele mantinha a guarda alta durante aquele encontro. — Você está aqui para matar esse Maeda? — indagaria, exalando uma calma inabalável, baseada nos três elementos provindos de Karma: destino, sua procura pelo Senju e sua postura defensiva. Enquanto falava, começaria a dar passos lentos em direção ao homem, encurtando a distância entre eles.

— Garoto — a raposa tentou admoestá-lo sobre a imprudência da ação, apesar de saber que tanto o hospedeiro quanto ela própria estavam prontos para reagir ao menor sinal de hostilidade.


Por um instante, seus ombros talvez ficassem lado a lado, evidenciando a diferença de estatura entre os dois. O jōnin avançaria alguns passos além de Karma antes de se sentar abruptamente, emitindo um som anasalado, como se fosse um esforço. Encontravam-se numa duna alta o suficiente para oferecer uma vista deslumbrante do deserto. Ele olharia para Karma por sobre o ombro novamente, em silêncio, como se o convidasse a se sentar e dialogar como cavalheiros. Tensai queria extrair o máximo de informações possíveis naquele momento, mas não podia demonstrar hostilidade, especialmente porque, até onde sabia, tratava-se de um aliado. Se o sujeito aceitasse o convite e se sentasse ao seu lado, fitaria o horizonte e diria:

— Por que vir a esse lugar, Karma? — a pergunta era simples, mas carregaria um peso implícito. Maeda sabia o motivo de sua própria presença ali, mas era incomum que outra pessoa estivesse naquele local, exceto pelos responsáveis pela ronda. Ainda mais estranho considerando que alguns detritos deixados na área haviam sido recentemente utilizados por Unohana na fabricação de uma droga altamente destrutiva.

— Ei, ei, ei — diria, sacudindo levemente a canhota, sua voz um fio de apreensão. — Não temos o costume de fazer isso aqui! — alertaria, a menção ao sufixo “dono” trazendo uma leve sombra de desconforto e inflamando a humildade do Senju. Sua intenção era clara: estabelecer um diálogo entre iguais, criar uma relação de respeito mútuo, livre de submissão desnecessária. Quase deixaria passar despercebido o comentário sobre o hábito de Karma de manter-se na defensiva, um traço que compreendia bem, dado o mundo repleto de armadilhas e traições em que ambos viviam. Maeda buscaria absorver cada palavra do homem de um olho só, sentindo a implicação de sua busca. A resposta deste, entretanto, não parecia satisfatória, um reflexo das suas próprias respostas evasivas que tanto frustravam Kurama. A besta riria anasaladamente na mente do Senju, que precisaria de esforço para ignorá-la.

Ser chamado de "prodígio" apenas serviria para lembra-lo do peso de seu sobrenome, um fardo que mesmo a liberdade recém-conquistada não poderia aliviar. As sombras de Chozen e Chokorabu continuariam a assombrá-lo, mesmo após a vingança executada contra aqueles que buscavam a grandeza dos Senju acima de tudo. A menção de Karma sobre a necessidade de vigilância na cicatriz deixada pela Batalha da Lua Minguante traria à tona lembranças recentes de Unohana e a Orquídea Vítrea. Tensai facilmente iria supor que o Ajudante das Nações estava ciente dos eventos mais recentes, suas conexões amplamente conhecidas. O silêncio que se seguiu seria denso, carregado de significados não ditos. O jōnin ponderaria suas próximas palavras, utilizando sua inteligência avantajada para evitar erros e ofensas desnecessárias, ainda que sua estratégia envolvesse perguntas capciosas para extrair informações.

A revelação de que era um alvo não seria capaz de causar surpresa em nele. Não tinha mais tanto a perder; sua mãe havia sido uma das vítimas dos quatro que tomaram o controle do clã Senju após o desaparecimento de Chozen. Sua resposta não passaria de um gemido inexprimível — Humpf! — quase como se um sorriso despreocupado estivesse à beira de se formar. A declaração de que Sunagakure no Sato estava em perigo por sua presença, entretanto, traria um incômodo real. Essa informação impediria o dito sorriso de se formar por completo, sua expressão tornando-se inexpressiva enquanto contemplava o firmamento estrelado. A dúvida e a desconfiança tingiriam seu olhar, levemente espremido, quando este se encontrasse com o de Karma. A ideia de se afastar temporariamente de Sunagakure já havia sido considerada e discutida com o Kazekage, mas saber que terceiros estavam interessados em seu afastamento parecia suspeito.

— Estou ouvindo — diria, sua voz carregada de uma seriedade ímpar, quase implorando para que o de tapa-olho continuasse com seu plano, deixando claro seu interesse em entender onde aquele queria chegar.

A menção à Raposa de Nove-Caudas, no decorrer das falas de Karma, foi suficiente para fazer a pelagem da besta eriçar-se, enquanto esta se encontrava deitada sobre suas patas no palco de seus encontros no subconsciente de seu hospedeiro. Maeda, no entanto, manteria o controle de suas emoções, ainda que, naquele instante, fosse quase como se os olhares de ambos, besta e Senju, tivessem se encontrado em uma cumplicidade ímpar. Como ele sabe?, questionar-se-ia internamente, intrigado com o conhecimento do de um olho só sobre sua condição de jinchūriki. Bōryokudan, anotaria mentalmente, esforçando-se para não se perder em devaneios a respeito das expressões e intenções de Karma. A menção à organização não seria uma surpresa absoluta; o sujeito havia se tornado um informante valioso justamente por possuir respostas sobre esse grupo, algo que parecia escapar a todos os outros dentro das cinco grandes nações.

Mais uma vez, os Hōki eram mencionados de forma negativa. Desde os eventos em Sāra, Tensai via esse clã como um mal desnecessário em Suna. Internamente, quase agradeceu por ter sido um dos pilares na ascensão de Harikēn como Sombra do Vento, livrando o vilarejo das garras insidiosas de figuras como Sagishi, um Hōki semelhante a Unohana. Essa linha de pensamento levaria o Senju a considerar a possibilidade de a chefe-médica estar colaborando com a Bōryokudan, uma suposição reforçada pelas palavras de Karma sobre as alianças do grupo.

— Hōki — o nome escaparia de seus lábios como um sussurro venenoso — sempre o clã Hōki — acrescentaria, lamentando o envolvimento deles em mais uma trama vilanesca. Sua declaração também deixava claro que acompanhava o raciocínio de Karma atentamente.

Foi então que o plano deste começou a se desdobrar em meio às suas palavras. Atacar primeiro, repetiria em sua mente. Ele não podia negar que essa metodologia agressiva tinha seu apelo. Apesar de sua natureza pacifista, algo que havia mudado drasticamente desde o luto por sua perda, o título de Empalador não lhe fora dado ao acaso. A influência sutil de Kurama, por vezes, o levava a ceder ao prazer da ação, um reflexo direto de sua filosofia hedonista.

Se queria comer, comia. Se fosse interessante, se divertia.
Se fosse irritante…

A hesitação de Karma ao sugerir um ataque inicial não passaria despercebida e evidenciava a necessidade de cautela, ainda que fosse a ação correta a ser tomada. O confronto com Soramaru havia deixado aquele rombo no deserto, que Maeda observava com um olhar analítico. Era um problema, e mesmo não tendo participado da batalha, ele reconhecia a gravidade da situação. Saber que Suna tinha potencial de se ver livre da nefasta organização capturaria o maior interesse de Tensai no diálogo. Finalmente, tinha um direcionamento claro, um ponto de partida fornecido por Karma. Kumo, pensaria, recordando as notícias sobre o Império da Nuvem, o Santo Imperador, e seu Santo Exército. A forma como o país se isolara do mundo, sem emitir notas ou vazamentos, era alarmante. Até aquele momento, ele não havia compreendido plenamente a problemática dessa situação. Durante o discurso de Karma, notaria a empolgação em seus gestos, um entusiasmo que beirava o prazer. Inicialmente, estreitaria os olhos, analisando a cena, e depois arquearia a sobrancelha com estranheza. Está mesmo se divertindo, pensou sobre o homem de um olho só.

O apoio dos Senhores Feudais parecia cada vez mais um sonho distante, pelo menos em Suna. Isshitar havia se trancado em seu palácio desde a Batalha da Lua Minguante, e nem mesmo na nomeação de Harikēn se fez presente. Todo o discurso de Karma foi um apelo para que o Senju se comprometesse com a causa contra a Bōryokudan, algo que ele já havia decidido fazer assim que as notícias da batalha chegaram aos jornais. Ele havia decidido não mais se omitir onde poderia fazer a diferença. A lembrança de sua decisão o levou a uma memória. Não se lembrava exatamente quando fora, mas quase podia sentir uma alegria melancólica enchendo seu peito. Vislumbraria o rosto de sua mãe, um sorriso estampado de orelha a orelha, um som quase audível em sua mente. Naquilo, se ergueria, ainda focado no diálogo, e encararia Karma no único olho exposto com uma expressão resoluta. Lentamente, sua mão direita se movimentaria, emergindo de dentro do haori negro que repousava sobre seus ombros.


— Vamos, Karma — uma breve pausa, testemunha do esbravejar dos ventos que fizeram as mexas de Maeda se agitar — Vamos acabar com a Bōryokudan — seu tom seria firme, conciso e decidido. Pela primeira vez naquele encontro, um sorriso se formaria no canto dos lábios do jōnin, esperando selar aquela aliança com um aperto de mão, evocando a seriedade dos pactos antigos.

A afirmação de Karma, juntamente com o pedido de levar as informações ao líder da Areia, seria recebida com um aceno de cabeça firme de Maeda. O jovem Senju não se deixaria intimidar pelo aperto de mão mais forte; ao contrário, sentiria nele o peso da convicção e sinceridade, um gesto de cumplicidade que selava uma aliança tácita. Ele não precisaria abusar de sua perspicácia para perceber que aquele diálogo estava chegando ao fim, com poucos assuntos restando a serem tratados após selarem a parceria com aquele aperto de mão, que para ele era tanto complexo quanto concreto. Os olhos escuros seguiriam os movimentos de Karma por mais alguns instantes, absorvendo cada detalhe. Observaria enquanto o homem se virava, o tapa-olho e o pingente singular balançando ao bel-prazer dos ventos gélidos da noite do deserto. Cada movimento parecia carregado de uma teatralidade calculada, enquanto a luz da lua refletia nas superfícies metálicas, criando um brilho frio e distante. As palavras de Karma estavam impregnadas com um tom de alerta e uma súplica velada, sugerindo por mais uma vez que Maeda era uma peça crucial na intricada trama contra a temida Bōryokudan. Como um shinobi de alta patente, alcançada ainda tão jovem, Tensai estava pronto para assumir seu papel nesse tabuleiro complexo.

A brisa noturna carregava consigo o aroma da areia fria, misturado com a poeira antiga do deserto, um cheiro que parecia carregar histórias de batalhas passadas e segredos enterrados. O Senju sentiria o frescor noturno roçar sua pele, um contraste bem-vindo ao calor abrasador do dia. O som do vento assobiando pelas dunas era um lembrete constante da vastidão e da solidão do deserto, uma música melancólica que parecia sussurrar promessas de desafios futuros. Enquanto os pensamentos dançavam em sua mente, refletiria sobre a complexidade da situação. A ideia de lutar contra a Bōryokudan era ao mesmo tempo assustadora e motivadora. Sentia o peso da responsabilidade sobre seus ombros, mas também a excitação de estar envolvido em algo maior do que ele mesmo. As palavras de Karma reverberariam em sua mente, frases carregadas de significado e implicações profundas. Ele sabia que os próximos passos seriam cruciais, não apenas para ele, mas para todo o vilarejo.

— Rogo-lhe pelo mesmo, amigo — murmuraria, suas palavras sendo levadas pelo vento noturno enquanto ele também se viraria para a direção oposta, lançando entre os lábios uma bala adocicada de café.