Ethan encontrava-se no pé da montanha mais imponente e deslumbrante que já teve a chance de conhecer; para ele, um claro lembrete do que a natureza era capaz conceber. Olhou em volta, viu um pequeno vilarejo não muito distante de onde estava. Logo, ficou impressionado, imaginando o quão resiliente aquele povo devia ser, considerando o frio extremo que devia se abater sobre todos. Mesmo Ethan, que tinha uma ligação intima com as temperaturas mais severas, ficava surpreso. Então voltou a encarar o monte diante de si por mais alguns instantes, admirado, com receio. Além de flagrar as árvores secas que estavam presentes por todo o caminho, pelas estradas espaçosas e cobertas de neve, Ethan observava também como o restante do cenário usava as suas formas para comtemplar o monumento gigantesco que rasgava as nuvens e se perdia na imensidão dos céus. E isto valia para os monumentos rochosos menores que ficavam nas imediações, com os seus cumes assumindo angulações que lembravam as reverências que os súditos faziam ao seu rei.

Antes de finalmente partir, o Hattori virou-se e olhou para trás. De certo modo, tentava se convencer de que dar meia volta era o correto. “O que pretendia, afinal?”, pensou, voltou a pensar, mas não obteve uma resposta satisfatória. Então, da mesma forma que não tinha motivos para retornar, também não tinha para recuar. Assim, cheio de uma coragem inexistente, que servia unicamente para inibir qualquer senso de racionalidade que pudesse vir a ter, ele ajeitou o manto branco que recaia sobre todo o seu corpo e avançou, sem olhar para trás.

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Sentindo os pés afundarem na neve, Ethan seguiu percorrendo a estrada adjacente à montanha, esperando que ela fosse levá-lo até o topo. Embora os seus passos trôpegos estivessem carregados de uma certeza inebriante, Ethan não sabia o que enfrentaria se continuasse seguindo por aquele caminho, e nem mesmo tinha a certeza de que esse caminho ainda existia daqui a 1 hora ou menos. Da mesma forma que a neve em volta era branca, tudo era incerto. Por isso, enquanto seguia sob um sol fraco de fim de tarde, que ainda amenizava os efeitos nocivos do frio, o Hattori tentava não se apegar aos detalhes, apenas continuava dando um passo de cada vez. Acima de qualquer dúvida ou descrença, tinha fé; a fé de que seria recompensado se conseguisse ser forte e passar por aquela provação dispendiosa, arriscando a própria vida em troca de uma chance de alcançar a terra prometida.

Depois de 3 horas, Ethan ainda estava longe de ascender até os céus, mas isto não queria dizer que estava disposto a desistir. Conforme o tempo corria, observava cada uma das mudanças em volta. Primeiro viu o sol desaparecer no horizonte. Depois, presenciou o surgimento de incontáveis estrelas cintilantes no céu. Estava escuro, não havia qualquer fonte de luz ao redor, a altitude continuava aumentando e o ar gélido continuava soprando. Se não fosse pelo feixe de luz laranja que brilhava no pico da montanha e pelo show multicolorido nos céus, que vinham de uma aurora boreal, Ethan estaria vagueando em meio a um breu infindável, sufocante.

Às onze da noite, quando a lua estava prestes a alcançar a sua totalidade, uma ventania inesperada surgiu. Ethan, que já sofria com diversos indícios de hipotermia, agora se via em um impasse. Se resolvesse continuar, não sobreviveria até o amanhecer. Entretanto, se fraquejasse e resolvesse dar meia volta, o mesmo poderia acontecer, não sobreviveria para poder contemplar mais um nascer do sol. Àquela altura, já tinha passado pela fase onde sentia dores nos dedos das mãos e dos pés, no nariz e nas orelhas. Agora, se o seu cérebro ainda não tivesse sido comprometido a ponto de imaginar coisas, os braços e as pernas estavam dormentes, e, neste momento, não tinha forças nem para tremer de frio. Ethan estava exausto e confuso, quase à beira da morte, mas mesmo assim ele continuava utilizando o que restou das suas forças para continuar caminhando. Não podia confirmar se ainda estava consciente, quiçá vivo, no entanto, quando viu um Iéti vindo em sua direção, apenas agiu, levando barreiras e impedindo o seu avanço.

O seu coração ainda batia? Ainda conseguia respirar? Por que seus ouvidos não conseguiam captar estes detalhes? Ele não sabia. Definitivamente, Ethan não poderia mais dizer que aquele espectro em meio à neve era ele. Aquele que continuava marcando o chão com as suas pegadas, embora tivesse uma fisionomia e um corpo, já não podia mais ser classificado como um indivíduo. O garoto que um dia já se chamou Ethan agora não passava de uma vontade encarnada, onde o seu único propósito era chegar no topo do Monte Targon. Portanto, a figura que começou a atirar lanças de gelo no protetor da montanha e que cobriu o seu corpo todo com uma armadura de gelo não era Ethan.

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Em uma tempestade de neve que já acontecia por um dia inteiro, uma silhueta era projetada no meio da nevasca, forçando a sua passagem, lutando para superar a ventania e a falta de visibilidade. Além disso, era possível notar também que esta figura deixava um rastro de sangue por onde passava. Com uma perfuração próxima à escapula, filetes de sangue percorriam todo o seu braço até alcançarem o chão. E pelo caminho, revelando mais uma marca deixada pela batalha que ocorrerá a quase 24 horas atrás, cristais de gelos caiam do seu corpo em farelos, enquanto cambaleava, tentando não ir de encontro ao chão. Naquele ponto, estava a alguns minutos do topo, bastando uma última inclinação até chegar à terra prometida.

Assim que Ethan alcançou o seu objetivo, de súbito, o feixe de luz dourado que caía dos céus, em um efeito cascata, foi ao seu encontro. Extasiado e pendendo para os lados, sentia as últimas forças se esvaindo do corpo. Tentou encarar a luz de fronte. A princípio, uma sensação aconchegante envolveu o seu corpo, como um abraço caloroso vindo da pessoa amada. Deu mais um passo. Os joelhos ameaçaram falhar. Tentou avançar na direção da luz, respirava pesadamente no processo, mas não tinha mais um motivo que o impulsionasse. Então, quando finalmente Ethan estava preste a ceder, indo de encontro ao chão, a luz misteriosa exerceu uma força sobre o seu corpo, fazendo com que ele começasse a levitar.

Tão rápido quanto tudo aconteceu, o calor que envolvia o seu corpo desapareceu. Da mesma forma, a luz, que antes tinha tons de amarelo bem definidos, agora ficava azul. Por fim, com a consciência suspensa, Ethan viu a figura de uma Deusa. Com os olhos fechados e uma expressão serena no rosto, a mulher de cabelos azuis carregava sobre os ombros uma ânfora dourada, que era capaz de refletir com perfeição os detalhes emblemáticos do ambiente. Então a sua aureola e os seus braceletes, igualmente dourados, começaram a brilhar, e com isso ânfora disparou uma rajada gélida no Hattori. A partir desse momento, nada mais fazia sentido.

Assim que acordou, sentindo o chão pressionando as suas costas, Ethan deu um pulo. Assustado, tirou a faixa dos olhos e encarou o mundo à sua volta. Procurava, desesperado, a mulher com a ânfora. Mas não a encontrou. Não importava o quanto tentasse, não conseguia achar o tom pálido da sua pele em canto algum. Tudo o que os seus olhos conseguiam ver era uma destruição sem precedentes. Uma fina camada de gelo cobria o chão à sua volta. Olhando mais atentamente, notava também a presença de um amontoado de cristais de gelo no chão, como aqueles que surgiam após os seus Jutsus voltarem ao pó. Igualmente destruídos, os pedregulhos em volta apresentavam diversas crateras. Isto se repetia para todo o lado que olhava, mas a única coisa que os seus olhos ainda não eram capazes de enxergar era uma resposta que justificasse toda a destruição que cobria uma área imensa. E caso não fosse a única pessoa ali, talvez não fosse capaz de aceitar que fora o culpado por tudo.

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