Era cerca de meio-dia em Kirigakure no Sato, considerando as médias da vila, o clima estava mais quente e seco do que o normal. Fumiko estava em seu quarto, estudando uma planta nova que encontrara em seu quintal. Vestia apenas seu pijama, um velho vestido branco estampado com gatinhos pretos, quando se assustou ao ouvir gritos vindo da sala. Era seu tio.

— Mas que inferno! Olha a hora! — exclamou.

Fumiko imediatamente saiu de seu quarto para ver o que estava acontecendo. Quando chegou na sala, viu seu tio, um homem de 40 anos já completamente careca e vestindo apenas sua bermuda azul estampado com lindas rosas, segurando uma prancheta com o endereço de várias casas e a numeração de suas respectivas entregas.

— Acabei dormindo de mais hoje e não fiz uma entrega de chá sequer! Tenho certeza que os clientes ficarão bravos, essa gente não pode perder um chá da tarde! Oh Deus... Só de imaginar que terei de escutar horas e horas de reclamações da Dona Luiza... Talvez esta seja a hora de entrar em outro ramo de comércio. — reluta o homem, enquanto sutis lágrimas escorrem de seus olhos.

— O senhor precisa de alguma ajuda? — Fumiko perguntou por educação, apesar de conseguir ver nitidamente que seu tio estava em pleno desespero.

Em um curtíssimo espaço de tempo, quase que instantaneamente, o tio de Fumiko se vira e se ajoelha em frente a jovem.

— Fumiko! Você é a minha única esperança! Me ajude, por favor! — suplicou o homem, com um tom de voz firme, enquanto segurava a mão da menina.

Fumiko não queria fazer essa tarefa, iria ter de pagar por um erro que não foi ela que cometeu. Mas, em contrapartida, seu tio a cuidou desde sua infância, fornecendo água, comida e um teto para se proteger da chuva e do sol. Seria no mínimo ingratidão da mesma negar tal pedido.

— Tudo bem, apenas me explique o quê tenho que fazer. — disse a garota, insatisfeita com a responsabilidade imposta sobre si, enquanto soltava sua mão da mão de seu tio.

Um sorriso imediatamente surgiu na face do homem, então, levantou-se, entregou a prancheta para a garota e repassou algumas informações necessárias para as entregas, tais como, melhores rotas, possíveis complicações, etc. Então, Fumiko pegou a mochila de seu tio, uma caixa grande, mas não muito pesada, adaptada por Fumiko, em que possuía um certo isolamento térmico para que o clima, independente de ser quente ou frio, não interferisse muito na qualidade das folhas. A mochila estava carregada de pequenas caixas, cada uma possuindo uma certa quantidade de sachês e nomeada com o nome de cada cliente.

Fumiko já estava quase atravessando a porta quando ouviu a voz de seu tio vindo do fundo da sala.

— Você vai fazer as entregas com esse vestido? — indagou o homem.

Fumiko olhou para baixo e viu os lindos gatinhos pretos que faziam parte de seu vestido que, apesar de ser extremamente fofinho, não era próprio para ser utilizado na rua. Correu imediatamente para o quintal em busca de uma roupa adequada, mas, a maioria estava ensopada. Como sentiu que seria um dia quente, Fumiko acordou cedo e lavou todas as roupas, com o intuito de aproveitar o sol para fazê-las enxugar mais rápido. Mas, naquele momento, a maioria ainda estava encharcada, com exceção de um moletom e uma calça longa. Fumiko então, entrou em um forte dilema: passar vergonha na rua ou sofrer com o calor do sol?

Não pensou duas vezes ao pegar o moletom e sua calça longa, preferia passar calor a passar vergonha e ser malvista na rua. Após vestir-se, Fumiko pegou novamente a bolsa de seu tio, que meramente pesava 1 kg e partiu rapidamente em rumo as entregas.

Correu o mais rápido possível de casa em casa, seus pés corriam de forma rítmica, fazendo uma inquieta e violenta melodia. Ao chegar em algumas casas, sequer falava com os clientes, apenas entregava a caixa e logo partia para a próxima. Já eram 14h, o sol estava em sua forma mais cruel. Fumiko finalmente começou sentir as consequências de sua decisão, suas roupas já estavam começando a pesar de tanto suor, o cansaço físico finalmente lhe alcançou. Mas, ela não podia parar, repousou por poucos minutos para recuperar seu fôlego, beber um pouco de água e checar quantas caixas ainda faltavam. Ao ver que apenas havia entregado metade, quase desmaiou, talvez não só pela surpresa e desespero, mas também pela chegada dos primeiros sinais de hipertermia em seu corpo.

Nada iria impedir Fumiko de completar sua tarefa naquele momento, após repousar, decidiu que iria se apressar ainda mais, apesar do calor que a assolava, quanto menos tempo ela passasse naquele sol, melhor. Então, voltou a correr e começou a pular diversos muros para encurtar seu caminho. Enquanto ela saltava sobre um muro de uma casa com o intuito de criar atalhos, teve o azar de se encontrar com um cão raivoso que, de alguma maneira, também conseguiu pular o muro da casa e perseguiu Fumiko por inúmeras ruas, fazendo-a ter de correr rápido o suficiente para ter de despistá-lo.  

Às 15h, as pernas de Fumiko já tremiam de tanto correr e seus pulmões já estavam exaustos, pegou a sua mochila para verificar quantas caixas ainda faltavam, ao ver, quase gritou de alegria, apenas uma mísera caixa faltava ser entregue. Nela, estava escrito o nome de Dona Luiza. Fumiko logo partiu para a entrega da última caixa, prometeu a si mesma que nunca mais iria fazer essas entregas, na próxima vez, seu tio que iria arcar com as consequências. Ao chegar no endereço anotado, encontrou uma senhora, que aparentava ter cerca de 80 anos.

— Finalmente! Foram cortar as folhas ainda?! Mas que demora! Agora o meu chá da tarde irá se atrasar em uma hora! — reclamou a idosa, com um tom de raiva em sua voz.

Fumiko meramente respondeu, apenas acenou com a cabeça. Sabia que se fosse escutar todas as reclamações da idosa, amanhã estaria no tribunal devido a uma acusação, bem fundamentada, de um homicídio qualificado. Então, entregou a última caixa em silêncio e partiu para casa.

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