— De novo! — Repetia, incansável, o gennin que caía outra vez sobre o chão de cimento queimado, levantando uma pequena nuvem de poeira ao seu redor. A cada nova tentativa, ele rosnava — um som gutural incomum para um homem, mas que ele reproduzia com frequência, incorporando a expressão animalesca em consequência do tempo que passava em meio no canil, treinando as feras que davam o reconhecimento a sua tradicional família. Durante aquela semana, ele estava passando tanto tempo no dojo anexo a caserna que aquelas eram também as primeiras palavras que ele dizia ao acordar. De novo, repetia, sonolento, todas as noites, mesmo durante o sono. O árduo treinamento autoimposto estava sendo mais desafiador do que o gennin poderia imaginar, e ele ainda não tinha sido capaz de superar nem mesmo o primeiro estágio do circuito que a instalação incorporada ao pequeno condomínio onde sua família vivia dispunha. O dojo, um ambiente pouco iluminado senão pela luz do dia que encontrava passagem para o interior do salão por uma claraboia, contava com uma sorte de equipamentos e dispositivos para o treinamento das habilidades físicas — área de aptidão natural para os Inuzuka — daqueles que procuravam o lugar, que permanecia  a disposição de todos que desejassem aprimorar todos os seus atributos físicos. A primeira instância em que Fugaku estava preso, sem evolução, contava uma sequência de estruturas de madeira serpenteada que giravam incessantemente, ainda com grandes sacos de areia que pairavam pelo ar, e, como pêndulos, movimentava-se de maneira imprevisível com suas duas faces — uma lisa e outra coberta por pontiagudos espinhos metálicos.


Treinando desde a primeira luz da manhã, Fugaku já estava a beira da exaustão aquela altura. O sol do meio-dia se fazia notar por entre as nuvens densas que cobriam o céu da vila enevoada, e o gennin continuava levantando a cada novo golpe que recebia das sacas que pendulavam ao seu redor. Cercado por várias delas, ele golpeava os alvos que se movimentavam em pleno ar, suspensos por correntes de elos grossos o suficiente para sustentar o aquele peso. A cada novo golpe, um novo movimento se voltava contra ele à medida que a força pendular, uma máxima do mundo concreto, conduzia novamente a estrutura contra ele. O desafio em estava, ao mesmo tempo em que se equilibrava sobre a madeira serpenteante, acionar sua capacidade reflexa para que desviasse do golpe que viria, aparando o golpe, quando atingido pela face lisa, ou desviar completamente, quando pudesse ser atingido pela face coberta pelas estruturas metálicas. A cada ação, uma reação era gerada. Entretanto, até ele não tinha sido capaz de avançar mais do que até a metade das estruturas dispostas, e, seus músculos quase já não tinham mais condições fisiológicas para manter as contrações que o levassem a avançar rapidamente e com força, antecipando os golpes que vinham do alto. E, sendo aquele o sexto dia desde que começara a treinar, sua resistência estava drasticamente reduzida. Alternando entre socos, chutes, aparos e golpes com o cotovelo e tornozelo, ele sentia as extremidades de seus membros contusas, e a pele já rasgada, sangrava, ferido pelos ferrões que o atingiam.

Ele já devia ter percorrido do espaço e recuado ao ponto inicial inúmeras vezes — inexperiente, sua capacidade de antever a movimentação ao seu redor era limitada e, ali, seu olfato apurado não o ajudava em nada, tornando a tarefa ainda mais árdua a frustração de saber que seu maior trunfo era inútil em tantas outras situações. Entretanto, o cansaço físico não iria impedi-lo de seguir o treinamento, e a sensação de que seus ossos iriam se estilhaçar a qualquer momento o desafiavam a ir além do seu limite, mas o que ele não poderia superar era a exaustão física em que seu corpo se encontrava. Fadigado, ao não ser capaz mais uma vez de alinhar sua movimentação com a previsão dos pêndulos que o circundavam, o gennin foi jogado mais uma vez ao chão. Esgotado, até a última de suas fibras musculares pareciam ter sido rompidas, e desejou que seu companheiro estivesse ali para ajudá-lo. E foi nesse momento, ao relembrar de Yun, que ele decidiu se levantar mais uma vez. Eu não posso ser vencido por esse malditos sacos de areia, pensou. Reunindo cada estrutura de força que restava em seu frágil corpo enfraquecido pelo esforço constante durante aquela semana árdua em que levou o próprio corpo ao limite, Fugaku impulsionou o próprio corpo, voltando a ficar de pé, mas, dessa vez, na característica posição de quatro apoios. Como um animal feroz, mesmo exausto e com o incontáveis cortes em seus braços, pernas e rosto, ele avançou, saltando sobre a madeira que girava desafiando constantemente sua capacidade vestibular. Mas como uma verdadeira fera, ele devia se guiar pelos instintos e ignorar a constante falta de estabilidade na estrutura sob seus pés e até mesmo a dor muscular e os cortes em sua pele. Então, quando veio o primeiro pendulo que se chocou contra ele, apesar do impacto, Fugaku foi capaz de se agarrar a madeira cravando as garras que tinha no lugar de unhas e se impulsionando a frente, alcançando o próximo e desviando dos espinhos com uma lufada de ar frio sendo lançada contra o seu pescoço, tamanha a proximidade que escapara de um novo golpe.

Sendo guiado puramente pelo impulso, a tendência inata com a qual todo Inuzuka nascia, os enormes pesos suspensos que pendiam em todas as direções simultaneamente pareciam, então, moverem-se cada vez mais lentamente. Seu instinto anormal, aprimorado pela genética que herdava de sua linhagem e refinada a cada geração durante a longa história de sua família, fez com que ele pudesse antever os pêndulos mesmo sem a experiência necessária para essa previsão através de seus sentidos e pensamento racional, por alguma razão que qualquer um que não carregasse o mesmo sangue que ele nas veias jamais poderia compreender. Logo, em hábeis movimentos, alternando entre pernas e braços, ele avançava pouco a pouco, seguro de que não seria atingido novamente e não sofreria nem sequer mais um arranhão antes de atravessar aquele primeiro setor do dojo. — Sim, agora eu entendo de onde vem a minha força — Disse, com a palma de sua mão direita sobre a dobra do antebraço, enquanto sentia o sangue pulsar pelas veias que saltavam, enquanto contemplava o próximo estágio de seu treinamento antes de desabar no chão, cansado, ao atravessar todos os obstáculos sobre a superfície instável — Mas não posso mais continuar hoje. — Pouco a pouco, às suas costas, as sacas perdiam força e velocidade, sem qualquer impulso que as mantivesse em movimento. Da mesma forma, as estruturas de madeira desaceleravam, e ele logo reuniu apenas a força necessária para se levantar-se e deslizar as portas do salão, retornando a sua casa, certo de que seu corpo fora colocado ao máximo de seus limites, que, por sua vez, tinham encontrado um novo horizonte.

Considerações:

Em mais um dia que começava nublado, com um tímido sol ensaiando para despontar no horizonte por entre nuvens carregadas de chuva, Fugaku se obrigava a acordar cedo. Um hábito fácil de ser adquirido quando o dever de cuidar dos animais do canil chamava desde a tenra idade. Não tão fácil quanto dormir em colchão de confortável quentinho e lençóis de algodão macio, embora o desconforto de acordar ainda durante a madrugada também lhe fosse aprazível. As cortinas abertas permitiam que a luz morna do amanhecer repousasse no chão do seu dormitório, o mesmo que dividia com mais seis irmãos mais velhos desde que se lembrava. Toda as noites vários deles não dormiam ali, por razão de, todos já graduados pela academia, estarem em missão, e a vida como militar, penosa como era, muitas vezes o dever impedia que eles desfrutassem até mesmo do descanso sobre uma cama aconchegante.
Rastejando-se para fora da cama, ele caminhava, quase totalmente nu, até a janela, tocando no vidro transparente com a ponta do dedo, revelando uma mão calejada e com o dorso dos dedos e o punho esfolados, além de ter a pele da mão ainda mais espessada, cheias de calos, pelos treinamentos que vinham sendo realizados dia após dia. A luz que começava a alcançar cada rua, beco e viela do vilarejo iluminava também a sua figura parada diante da vidraça, revelando sua forma corpulenta e musculosa. Apesar disso, nesse instante ele colocou a mão sobre a barriga, temendo encontrar alguma flacidez. Em suas últimas missões, ele tinha sido motivo de troça por eventuais companheiros, graças a baixíssima agilidade com que se movia. A velocidade, seu atributo mais penoso, estava ainda mais abaixo do padrão pelo uso dos pesos de treinamento colocados em seus tornozelos alguns dias antes, e, apesar disso, ele não se sentia alarmado, afinal, seu objetivo era forjar em si um corpo capaz de alcançar o limite de todas as capacidades físicas e capaz de elevar seus atributos a um nível que os outros, fracos, não seriam capazes. Insetos... Não perdem por esperar, sorrindo ao pensar nisso e se afastar da janela, ele encara brevemente seu quarto impecavelmente arrumado, que revelava a rigidez e a disciplina com que ele e os irmãos foram condicionados para que houvesse um lugar para tudo e tudo estivesse em seu lugar, sempre.
Lentamente ele caminhou para o pequeno banheiro reservado anexo ao dormitório, levando a mão direita a cintura diante do vaso suspender ligeiramente o calção e eliminar a urina repleta dos resíduos do metabolismo que foram produzidos durante o sono, e, em seguida, arrumou-se rapidamente com vestes as roupas surradas, sendo uma calça folgada simples e camiseta sem mangas. Enquanto lavava as mãos, observou seu reflexo no espelho de vidro sobre a pia e penteou os cabelos para atrás da orelha.
Na semana anterior, ocupado por uma sequência de missões que o levaram a diversas partes do vilarejo e até mesmo aos seus arredores mais próximos, ele tinha negligenciado os treinamentos e sequer tinha tido tempo para uma refeição havia dias, o que era muito problemático considerando que o seu esforço estava sendo para se tornar ainda mais forte fisicamente. Para tanto, tanto quanto possível, ele precisaria de uma alimentação regrada e completa em nutrientes que fizessem seu corpo metabolizar novas fibras musculares para substituir aquelas que seu treinamento, que ultrapassava em muito os níveis fisiológicos, rompia a cada nova sessão. Para suprir a necessidade imediata de energia que ele precisaria nas horas que viriam, optou por um balde de café — muito escuro e sem nenhum açúcar —, além de torradas de pão de massa branca e doce de leite, em uma refeição básica repleta de carboidratos simples que não seriam estocados como reserva de energia, mas sim imediatamente quebrados em moléculas menores afim de evitar que a reserva armazenadas em seus músculos fosse usada, assim diminuindo a potência da sua força e chegando mais rapidamente a fadiga.


Minutos depois, ele já podia ser visto no dojo de treinamento anexo ao pequeno condomínio de sua família, praticando incansáveis golpes contra as estruturas de madeira que serviam como alvo aos que procuravam o local para treinar as habilidades de luta corporal, o tai. Cercado por várias delas, ele golpeava os alvos cuja altura era ligeiramente maior que a sua, rodeado por uma quantidade enorme deles, sendo golpeado algumas dezenas de vezes  pelas reações que cada um de seus acertos causava — o braços giratórios de cada alvo rodavam em torno do próprio eixo, repletos de espigões de aço, retornando a posição original e rodando ainda mais, tornando o treinamento mais árduo e desgastante. A cada novo golpe, um novo movimento se voltava contra ele, e sua capacidade reflexa era acionada para que desviasse do golpe que viria. A cada ação, uma reação — inevitavelmente. A cada novo golpe, o Inuzuka avançava por entre a infinidade de bonecos de treino, dentro do espaço limitado daquele campo de treinamento, ele já deveria ter percorrido do espaço e retornado ao ponto inicial inúmeras vezes — era natural, pois, a cada golpe, ele era obrigado a se movimentar para escapar do braço de madeira que girava contra ele em resposta a seu golpe. Algumas vezes ele aparava a pancada, vinha com um impacto proporcional a força que ele aplicava em cada investida. Alternando entre socos, chutes, aparos e golpes com o cotovelo e tornozelo, ele sentia as extremidades de seus membros contusas, e a pele já rasgada, sangrava, mas eram as mãos que mostravam o quão arduamente ele estava se dedicando aquilo, já quase sem força. Mas depois de algum tempo, aquela mesma força era traduzida também em resistência. Pouco a pouco, já não importava mais o golpe que vinha a seguir, ele simplesmente continuava, batendo mais e mais forte, mais e mais feroz a cada investida. O impacto que feria sua e pele o empurrava, forçando-o a recuar, já não tinha o mesmo impacto — apenas o fazia seguir. Seu objetivo ali era ser capaz de produzir tanta força e resistência que possível, deixando de lado a técnica envolvida no uso do taijutsu, mas exercitando o básico: chutes, socos, esquiva, cotoveladas e investidas com todos os membros e partes de seu corpo. Entretanto, não fossem as contusões e cortes, ele pareceria estar em alguma brincadeira, uma vez que já não sentia mais como se fosse um desafio. Sua força realmente estava um nível acima - quem sabe dois. Querendo se livrar daquilo e puramente por capricho, ele golpeou com um pontapé com tamanha força que destroçou um dos bonecos em dezenas de farpas de madeira e ferro. Depois, com um potente soco, outro. Com sua sua pífia velocidade, rodopiou pelo salão quebrando todos aqueles manequins de treino, até que sobrasse apenas um. Rindo, ele tomou uma distância de dez metros e então correu, como se fosse agarrar o instrumento, mas ao invés disso investiu com uma cabeçada, quebrando daquela maneira inusitada o último deles e provando a si mesmo que sua força já era digna de ser temida. Em breve, ele demonstraria ela a todos que riram dele.

Como sempre, as manhãs começavam nubladas no vilarejo, e mesmo com a chegada iminente do verão, o astro rei se colocava discretamente por entre as pesadas nuvens cinzentas, alcançando o seu potencial máximo no decorrer do dia. Durante a manhã, entretanto, o sereno noturno ainda fazia com que o ar estivesse úmido e frio, cobrindo quase que totalmente o campo de visão de qualquer um que decidisse ter uma caminhada matinal. O hábito do Inuzuka de acordar cedo continuava, sendo que ele acreditava que o progresso de suas habilidades como ele desejava só viria através da disciplina e do trabalho árduo, e por isso ele se obrigava a, dia após dia, manter um rigoroso ritual em todos os seus afazeres, e assim continuava acordando antes mesmo que o sol começasse seu ensaio habitual, despontando, tímido, no horizonte. Seu corpo já não sentia mais o prazer do conforto e do aconchego de sua cama macia ou do toque suave da luz da alvorada, e o que ele buscava em sua ânsia era nada mais do que superar os limites que tinha encontrado. A exemplo de gênios do tai, ele não poderia se acomodar e permanecer estacionado em uma condição ordinária, e era exatamente assim que o gennin se sentia. Sua força tinha atingido uma proporção assustadoramente grande, sendo capaz de golpes com danos colossais. Seu corpo tinha, consequentemente, um bulk impressionante, e sua técnica em artes marciais não era ruim. Entretanto, sua agilidade era patética e digna do desdém que ele vinha recebendo em suas últimas missões. Ademais, ele sabia que suas limitações em outras áreas eram preocupantes, mas ele estava preocupado antes em se tornar uma forja viva e assim alcançar a perfeição, em ter em si uma arma poderosa, seu próprio corpo. Desse modo era um binômio onde de um lado tinha uma grande limitação a superar e do outro, uma grande necessidade de ir além, o facilmente o levou a se mover em direção a uma forma de desenvolver sua agilidade.
Antes que a maioria das pessoas estivessem em suas rotas diárias de trabalho, estudos e outros afazeres dos mais variados tipos, inundando o centro do vilarejo, Fugaku se dirigiu a uma região remota da vila, onde algumas árvores em flor, naquele findar de primavera, podiam ser encontradas. Ali, diversas espécies estavam presentes desde que ele se lembrava. O lugar, como um parque que servia como destino para o passeio de famílias inteiras ou casais enamorados aos finais de semana, encontrava-se vazio e completamente silencioso naquele horário. A atmosfera era agradável, o suave odor adocicado das flores que brotavam pelo campo de grama baixa, úmida de orvalho, misturava-se ao perfume das frutas que, suculentas, faziam os galhos das árvores penderem levemente em direção a terra. Sua ideia, um tanto quanto inusitada, era ser capaz de pegar todas as frutas e folhas que caíssem em direção ao solo antes que elas o tocassem, sem deixar que nenhuma delas atingisse o chão. Era uma ideia audaciosa, principalmente ao considerar que, com aqueles pesos em seus tornozelos, ele sequer conseguia se locomover através da vila com tanta agilidade e ou manusear armas com destreza, mas, nem que ele precisasse arrasar com todos as flores e frutas do entorno do vilarejo e ainda além procurando outras árvores, iria terminar aquilo atingindo seu objetivo.
Sem pestanejar, assim que Fugaku se viu diante do pessegueiro, ele deu um golpe com o cotovelo, estremecendo desde a fundação do vegetal até as últimas das dezenas de ramificações repletas de delicadas pétalas e folhas alternas e serreadas, além de algumas flores roxas e rosas inteiras e drupas, caíram todas ao mesmo tempo. Em reação, ele, num sobressalto, saltou para apanhá-las em pleno ar. O salto fora veloz, e o impulso, suficiente para levá-lo a posição de recolher os frutos que pendiam em direção a terra, ao mesmo tempo em que o impacto do golpe que ele dera sobre o tronco fez com que um leve farfalhar pudesse ser ouvido enquanto o relento das folhas era sacudido, permanecendo suspenso naquela micro atmosfera que se criava no entorno do pessegueiro. Além disso, o perfume primaveril era ainda mais aguçado com aquele simples golpe, invadindo as conchas nasais do gennin que tinha o olfato hiperdesenvolvido. Com tudo isso, configurava-se uma combinação de estímulos que se traduzia em uma confusão de sentidos, e ele nem mesmo se movia com agilidade o suficiente para ser capaz de pegar todas as lentas flores que flutuavam, serenas e macias pelo ar. Ao aterrissar, tinha em suas mãos, repletas de calos endurecidos e de pele espessada entre todas as falanges e ainda pela região tenar, as delicadas e macias flores descansam, retiradas de seu lugar natural em meio aos galhos. Com raiva, ele jogou-as em direção ao chão, mas, com o mesmo peso de uma pluma, elas caíam devagar, oscilantes. Hesitante, ele repetiu a tentativa, de novo e de novo. Na terceira vez, percebeu que já tinha conseguido pegar mais do que meia dúzia em uma só mão, e poucas ficaram pelo ar. Mas o chão revelava o quanto ele já tinha se aproveitado do que aquela árvore podia oferecer, e os galhos, enudecidos, pareciam pertencer a alguma árvore em pleno outono.
Partindo de árvore em árvore, o gennin criava um verdadeiro campo florido em meio aquele pequeno bosque, conferindo ao chão um aspecto róseo e macio, onde as flores e frutos, alguns esmagados com a queda que ele não tinha sido capaz de evitar, descansavam. Rodando e partindo sempre em direção a árvore seguinte, ele continuava a tentar e tentar, incansável, a apanhar todas aquelas ramificações que projetavam através dos galhos, mas durante a maior parte do dia, ele só fez agredir a natureza em vão, sem conseguir cumprir seu objetivo durante um longo período. Entretanto, um pouco mais a cada nova tentativa, ele era capaz de reagir ao movimento e as oscilações em pleno ar, sentindo as informações que seu cérebro processava ao receber os estímulos em seus receptores olfativos privilegiados mas não permitindo que estes os distraíssem.
Era tarde, e o sol se despedia criando um céu disperso de nuvens e um tom alaranjado magnífico aos olhos de quem o admirasse despretensiosamente. Entretanto, para Fugaku, significava um insucesso estrondoso que ele mesmo não esperava. Se antes ele estava com o mesmo fôlego de um repouso sereno, agora o suor já escorria pela testa, atingindo a pelugem que recobria sua face. Apesar de não haver um esforço físico relacionado a força, a movimentação graciosa que devia levá-lo aos movimentos precisos e certeiros para alcançar cada pétala não tinham sido alcançados, ainda quando chegava o entardecer, e ele já estava a quase meio quilômetro de distância do ponto de que partira, revelando um caminho que não traduzia o empenho que ele estava tendo para atingir seu objetivo. Mas, seu insucesso era apenas o combustível que queimava para que ele continuasse em seu desejo de se tornar um mestre nas mais variadas artes marciais, e para isso ele sabia de que deveria ser tão ágil quanto forte. É agora, ou eu vou desistir, pensou, já quase esgotado. Sacando uma kunai de sua bolsa atada à coxa direita, ele deu murro que sacudiu toda a estrutura da árvore em que estava, fazendo com que recomeçasse a chuva de pétalas e pêssegos maduras, quase explodindo em sulco. Saltando, ele recolheu cada um dos componentes das flores e, com a kunai, dividiu cada um dos frutos em duas metades, expondo a única semente que continham. Droga, não vou conseguir, lamentou. Antes que elas chegassem a cair, cavou um pequeno buraco, fundos apenas o suficiente para que cada metade pudesse ser colocada dentro de cada um deles, onde ele previu que elas iriam estatelar, de modo que pudessem ser cobertas de terra novamente e quem sabe, muitas primaveras a partir dali, darem origem a novos pessegueiros. E assim, foi feito. Ainda não tinha sido perfeito a ponto de recolher todas as pétalas da árvore, mas ter uma movimentação rápida para recolher cada uma das que caíram e fatiar os pêssegos em pleno ar já era uma demonstração exímia da agilidade. Exausto, sentou-se recostado sobre o tronco, saboreando um suculento pêssego que quase explodia a cada mordida.