- Aconteceu de repente. O astro vermelho no céu, tão brilhante quanto a imensidão das miúdas estrelas, desvaneceu junto ao véu escuro da noite. As nuvens negras, o clima frio, e até mesmo a atmosfera caótica que cobriam Sunagakure simplesmente se extinguiram num átimo. Meus olhos enfrentaram o horizonte difuso e viram aquele fenômeno tão estranho. Em pouco, as trevas deram espaço para a luz, e depois, para o sol, imperioso no poente como costumava ser. Lembranças de um passado não tão distante vieram à tona, quando o calor do deserto era íntimo comigo, tal qual unha e carne. Aquele aconchego dos raios de sol reviveu as minhas memórias e os sentimentos pelo meu lar, e me senti acolhido e alegre pelo fim daquela duradoura noite sangrenta. — Finalmente acabou. —
Disse, pausando o movimento de minha mão que até então martelava um lingote de aço. Novos dias estavam chegando – eu repetia para mim mesmo. Relaxava, e sentia a tensão em meu ombro simplesmente sumir como se nunca estivesse comigo. Novos dias... – continuava a repetir, suspirando profundamente. No entanto, antes que eu retornasse para o meu ofício, um estridente grito ressoou por todo o mercado do vilarejo. Meus olhos desviaram sua atenção até a fonte do barulho, e pude ver uma dezena de pessoas reunidas ao redor de mais um monte delas. — O quê... está acontecendo? —
Gaguejava, indo em direção à multidão que crescia pouco a pouco.
Quando cheguei, surgira um novo cenário aterrorizante. Não era somente uma ou duas pessoas, mas sim um monte delas que se encontravam estiradas no chão. Seus olhos estavam revirados e se faziam em esferas albinas; a pele estava pálida como se nunca tivessem vivenciado o ardor do sol; e até mesmo as suas faces estavam flácidas, ocas, como se todos aqueles pobres indivíduos tivessem sido sugados de dentro para fora. Ninguém ao meu redor parecia entender o que havia acontecido, inclusive eu mesmo, mas um homem pareceu compreender a situação e tomou a frente, declamando em nome dos falecidos. — Estão vendo! Eles morreram por causa da fé! Eles eram seguidores daquele deus,
Jashin! Suas almas foram retiradas de seus corpos, e agora não passam de pedaços de carne! Foram
arrebatados! —
Havia revolta nas palavras do sujeito, e elas pareciam incendiar uma raiva na multidão. Eu permaneci calado, imerso naquele ar de desgraça, relembrando os momentos que eu havia passado em Sáron, a cidadela de jashinistas. A grande maioria deles eram pessoas normais, que viviam suas vidas pacificamente e que seguiam um ideal em nome de sua crença. Teriam sido enganados pelo seu deus? Eu não sabia dizer, e preferia não pensar nisso, afinal. Em contrapartida, preferia orar pela alma de Himiro e Ronoro, dois jashinistas que eu havia conhecido na minha incursão para a cidadela, e agora, provavelmente encontraram o mesmo fim que os demais naquela pilha de corpos.
Os dias se passaram, e o regresso da beleza desértica não pareceu apaziguar os ânimos dos cidadãos de Sunagakure. Ao passo que o sol surgia no horizonte, uma grande fogueira ardia em direção ao céu. A pira foi formada com os corpos dos jashinistas falecidos e se encontrava acesa a dias, tamanho era o número de pessoas que morreram espontaneamente no vilarejo. Já havia me acostumado ao cheiro da carne queimada, ao som das brasas crispando, ao choro dos familiares dos finados, e além de tudo, às exclamações daquele mesmo homem de antes, que supostamente se tornara um grande agregador ao grupo repressor do jashinismo. Por vezes, conseguia ouvir sua voz ressoar no passo, clamando injúrias em nome de todas aquelas pessoas mortas. — Nossas derrotas e infelicidades são a consequência de quê, senão desses
jashinistas? Portanto, digo-lhes que, antes de pensarmos em luto, pensemos em limpar nossas ruas dessas abominações! Tiremos essa úlcera com o fogo que não se apaga! Purifiquemos a cidade com um
batismo de fogo! —
Ele bradava, ignorando os familiares dos mortos que caíam em prantos. Já a mim, tudo o que restava era eu continuar com meu trabalho. Mais e mais batidas do martelo na bigorna, confeccionando armas, reforjando utensílios. Era tudo o que havia me sido reservado desde o fim da lua vermelha.
Junto a monotonia, meses se passaram em um estalo, em um piscar de olhos. No ínterim, Sunagakure mostrou gradativas mudanças em sua condição econômica. A vila, que desde sempre não mostrava deter grandes fundos monetários, passou a ter uma dificuldade ainda maior em vista dos impactos dos conflitos que assolaram o mundo. A miséria alcançou a Areia, acompanhada da fome, da sede e, ainda, de incontáveis mortes. As ruas que já se encontravam vazias por conta dos jashinistas arrebatados, agora só eram vistas como a morada de pedintes e ladrões. Ao passo disso, tudo se tornou escasso, até mesmo o aço, o ferro e, em consequência, as invenções tecnológicas. Aquilo que antes era visto como um sinal de progresso, de evolução, aos poucos era deixado de lado em decurso de sua obsolescência, incapaz de receber algum tipo de manutenção ou melhoria. Certa vez, encontrei os mestres de forja Gin e Kaiba em algum lugar no centro do vilarejo, e conseguimos trocar algumas palavras sobre a situação que acometia Sunagakure. — Não é somente a Areia que está assim, jovem Emiya. Eu voltei há pouco de uma viagem, e outros vilarejos se encontram em uma situação parecida. —
Dizia Gin, coçando sua barba. — É verdade. —
Confirmava Kaiba, abanando um pedaço de papel em sua mão. — Depois leia esse jornal aqui, chegou ontem na banca da esquina. —
Ele terminou, me entregando o periódico. Eu aceitei, mas deixei a leitura de lado. Eu queria fazer algo pelo vilarejo, ajudar a acabar com esse reino de pobreza que crescia vertiginosamente. Não aguentava mais ver as pessoas sofrerem; era isso que invadia os meus pensamentos.
Quando a situação apertou com o passar dos meses, e o quartel general ordenou que eu me apresentasse. Me enviaram para encontrar reservas de água que se espalhavam pelo longínquo deserto do Vento, oásis que há muito foram esquecidos pelas rotas comerciais no continente. Se assim eu fizesse, novos mercadores poderiam alcançar a Areia, facilitando o processo de compra e venda no mercado. Portanto, meus passos logo puderam me guiar para além das falésias na entrada de Sunagakure, não demorando para que eu atravessasse as incessantes montanhas de areia enquanto banhado pela luz do sol. O vilarejo às minhas costas aos poucos se distanciava e me deixava sozinho naquele ermo; na verdade, não sozinho, pois eu carregava o alento e a vontade de sobrevivência dos cidadãos da Areia. Apesar de ser uma missão simples, os olhos escarlates que havia descoberto meses atrás mantinham-se atentos aos arredores. O campo desértico era perigoso: bandidos podiam se esconder atrás das dunas; animais perigosos poderiam se camuflar na areia alaranjada; e até mesmo armadilhas podiam ser encontradas no chão arenoso. Mesmo assim, eu deveria fazer aquilo em nome de todos os cidadãos de Sunagakure. Por sorte, não dei de cara com nenhum perigo. A calmaria permaneceu de forma quente, aconchegante, e assim, continuava a caminhar em busca de um oásis perdido. Foi então, de repente, que meus olhos captaram algo no além: em uma área isolada, uma grande planície repleta de verde, com uma vegetação tão abundante que destoava de todo o deserto.— Parece que encontrei o primeiro. É enorme... —
Balbuciava para mim mesmo enquanto direcionava meus passos até o oásis. Tudo parecia correr bem, até eu ver outra coisa. De pé, parado na frente de uma grande palmeira, havia um homem. Ele estava solitário, e de longe, mesmo com os meus olhos insólitos, eu não conseguia ver o seu rosto. Aproximei-me ainda mais, e ele não moveu um músculo sequer. — Alto lá! —
Gritava para a silhueta no horizonte, chamando-lhe a atenção. Quando finalmente me encontrei a poucos metros do oásis, eu pude ver quem era. — V...você?! —
Retrucava, dando um passo para trás. Minhas pernas bambearam, e meus olhos se arregalaram ao ver o semblante do sujeito. Ele deu um passo na minha direção. Tinha um olhar caído, cabelos longos tão negros quanto a sombra que banhava seu corpo. Era alto, forte, e trajava um quimono vermelho-sangue com um hakama negro. As sandálias de madeira que calçava não pareciam dificultar seu andar na areia desértica, tendo em vista que se aproximava de maneira calma e silenciosa. — Parece que você cresceu. Será que continua tão fraco quanto fora? —
A voz, apesar de melódica, era possante e intensa. — Deixe-me ver. —
Sem dar tempo para que eu reagisse, o homem surgiu diante de mim. Sua mão tocou no meu pescoço, apertando-me com força enquanto me levantava. Tentei me desvencilhar de suas garras, mas não consegui. Ele olhou no fundo dos meus olhos em um ar de seriedade, e eu reagi com medo.— Parece que você continua cru... pelos menos conseguiu um pequeno avanço nesses seus olhos. —
O homem me larga no chão, fazendo eu me prostrar de joelhos na areia. Ele se agacha até mim, e seus olhos mais uma vez se encontram com os meus. — Tão fraco... tão frágil... mesmo com a marca que te dei, você não deixou que o ódio aflorasse... Patético. —
Ele se levanta, e retira da bainha a espada em sua cintura. Aquela fatídica espada curva, uma cimitarra inscrita com o ideograma “destino” que havia me cortado e me amaldiçoado com o selo do céu. — Eu poderia acabar com isso aqui mesmo... procurar outros olhos para o ritual de Kiara-
sama. Mas você é especial, você foi um marco para nós. —
O homem continuava a falar, e eu, atônito, tentava absorver o que dizia. “Ritual? Olhos? Especial?” Nada disso fazia sentido para mim. — O que... o que você quer dizer com isso? —
As palavras saíam escarradas de minha garganta; mas eu tinha que entender o que está acontecendo. — Eu apenas falo do seu destino. Mas se quiser saber, pois bem, mas saiba que nada poderá fazer para mudar a sua sina. —
O sujeito fazia uma pausa dramática, e seus cabelos balançavam ao sopro do vento. — Kiara Sessyoin. Lembre-se desse nome. Ela é a razão pela morte de sua família e pelo seu destino. —
Ele dizia e, pela primeira vez, pude ver o homem esboçar um sorriso de alegria.— A morte... de minha família? —
As peças não se encaixavam em meus pensamentos. O que isso queria dizer? Eu não me lembrava de meus verdadeiros meus pais, mesmo após o fim do quadro de amnésia que havia se instaurado em mim; mas sabia que eles haviam sido mortos em um incêndio criado por Kiritsugu. Apesar de responsável pelo incêndio, Kiritsugu Emiya foi, na verdade, contratado para agir em nome de um grupo de pessoas ruins que desejavam a morte dos Uchiha. Em suma, ele foi usado como um peão para cometer uma atrocidade. — Sim, sua família morreu em nome de Kiara-
sama. Ela é a personificação do amor e do prazer, a
dakiniten que se fez em carne e se tornou nossa guia até a
Iluminação. —
Havia satisfação nas palavras do homem; ele parecia se deleitar ao pensar naquela mulher. — Alguns a chamam de
Bodhisattva Demoníaca. Nossos inimigos a chamam de
Māra. Mas nós, seguidores do culto, a chamamos de Mãe. Kiara-
sama! —
Bradava, com os braços abertos como se exaltasse a figura da divindade. — Como disse, a morte de seus pais foi o primeiro passo para o ressurgimento de Kiara-
sama. Foi naquele
batismo de fogo que conseguimos ofertar o sangue puro de dois Uchiha para o ritual. —
Ele fez uma pausa, voltando a me olhar no fundo de meus olhos. — E você, garoto, quando você aperfeiçoar esse caleidoscópio nos seus olhos, eu os tomarei para dar continuidade ao nosso ritual. Portanto, lembre-se de cultivar o ódio no seu interior, está bem? —
Ele dizia, se afastando aos poucos. Seu quimono balançava em favor do vento, e mais uma vez sua espada curva retornou para a bainha.
Perdido em meus pensamentos, com os joelhos atolados na areia, uma sensação de imponência me consumiu por inteiro. Minha família tinha sido morta por um culto demoníaco que desejava reanimar uma mulher, ou melhor, uma divindade; e eu, muito em breve, provavelmente teria o mesmo destino. “Droga!” Tentava praguejar, mas minha boca não emitia som algum. Vendo o cultista se afastar, tudo o que me restava era ficar calado, esperando que ele sumisse em meio à areia, que desaparecesse de minha visão e que tudo voltasse a ser o que era. Ou não. No íntimo de meus pensamentos, se formaram lascas dos momentos que outrora eu havia vivenciado com Kiritsugu, meu pai adotivo, memórias estilhaçadas que manifestavam a promessa de que, um dia, eu me tornaria um herói da justiça. Um herói que salvaria as pessoas, que se preocuparia com a vida de todos, inclusive de seus próprios inimigos. Agora, essas lembranças não se passavam de fragmentos, escombros que aos poucos eram enterrados no meu âmago, inundados pelo meu desespero de fazer algo frente ao culto da tal Kiara Sessyoin. Ajoelhado na areia, o fogo em meu peito crescia aos poucos, com os olhos vermelhos vidrados no horizonte de areia em observação aos passos do inimigo. O meu pulmão acendia, e minha boca flamejava com ódio. E o chakra fluía sem a necessidade de, sequer, um único selo de mão. De repente, uma grande esfera carmesim tomava o ar com fragor, e depois crescia na direção de meu algoz como uma torrente incandescente. Eu gritava, esbravejava, deixava que a raiva emanasse; e o fogo parecia acompanhar o meu ímpeto. O cultista de quimono, por sua vez, virou na direção da grande esfera flamejante que viajava ao seu encontro. “Na mosca”. Eu pensava.De repente, o homem era coberto pelo fogo. A atmosfera tremulante e as chamas tão vermelhas quanto as nuvens vespertinas no céu denunciavam que aquele era um verdadeiro batismo de fogo. Contudo, quando o fogo se aquietou sob a superfície da areia, pude ver que o homem não fora atingido; pelo contrário, ele havia simplesmente desaparecido. Como ele havia sumido? Eu me perguntava. No mesmo instante, levantei-me da areia e coloquei a mão no peito, sentindo uma intensa febre tomar todo o meu corpo. O meu ódio havia virado combustível para meu golpe, uma chama intensa que eu nunca havia conjurado em toda a minha vida. — Essa raiva... —
Minhas palavras se juntavam aos sons das brasas queimando a areia, e eu me sentia cada vez mais estufado por um sentimento ruim, corrosivo. Seria isso que aquele homem tanto queria? Uma raiva crescente em meu âmago? Então seria isso que ele teria. Essa raiva seria direcionada não somente a ele, mas também a todos que seguiam o culto de Kiara. Cerrando os punhos com força, levo meus passos através das dunas do deserto, mais uma vez percorrendo os montes de areia. Antes que retornasse ao vilarejo, teria que investigar nas redondezas outros oásis na região; e assim eu o faria. No final do dia, meia dúzia de relatórios seriam deixados no quartel general, todos eles elucidando as regiões aproximadas que se encontravam os oásis. E então, os dias, as semanas, os meses e as estações continuariam a se passar rapidamente.
O ódio que havia se apossado de mim se tornou uma maldição. Certo dia, percebi que algumas mechas de meu cabelo estavam perdendo sua cor. A tonalidade vibrante ruiva aos poucos era tomada por um branco pálido, um sintoma de que eu estava sendo acometido por uma intensa carga de stress. Nesse mesmo período, uma espécie de hiperpigmentação surgiu sob minha pele, fazendo-a ficar escurecida. A manifestação havia se iniciado no braço esquerdo e se alastrado por parte do corpo. Depois de um tempo, a mancha escura se firmou na parte superior esquerda do tronco e das costas, bem como atingira o lado esquerdo do seu rosto na forma de uma estranha cicatriz. Atualmente, quando ando pelas ruas de Sunagakure, sou visto com maus olhos pelos transeuntes, muitos deles encarando as marcas em meu corpo. Segundo o diagnóstico médico, a hiperpigmentação também havia se dado pelo stress, e ela não iria cessar seu desenvolvimento enquanto eu não abandonasse esse ar de tensão. Entretanto, eu não iria fazer isso. Enquanto cada integrante daquele culto estivesse vivo, tentando fazer ressurgir aquela divindade, eu estaria pensando em uma maneira de como detê-los. Não deixaria que seus planos se efetivassem, não importa o quanto o meu corpo sofresse com isso. No final, eu batizaria cada um deles com fogo, tal qual eles haviam feito com meus pais.- Adendos:
01. Duas mil setecentas e oitenta e duas palavras;
02. Timeskip para aquisição da qualidade
Mestre Elemental – Katon (3) &
1 missão rank-B;
03. Além da aquisição da qualidade, da missão e da adequação na
timeline, também é um motivo deste filler a mudança de personalidade (e de arquétipo) do meu personagem, pretendendo torná-lo um
Individualista. Ao longo dos dois anos que se passaram, também descrevi
sutis alterações nas características físicas de Shirou. Após a aprovação do filler, deixarei tudo registrado na gestão de fichas e, caso for necessário, comprarei uma mudança de aparência (se for solicitado pela administração);
04. Parte dos acontecimentos do filler tiveram como referência
esse tópico;
05.
Regra de Timeskip, Lua Vermelha,
Arrebatamento,
Fim do Arco &
Alvorecer.