Seyse, num determinado de sua carreira kunoichi, especificadamente em sua missão na biblioteca, embora incerta de suas memórias, refletiu acerca de precisar suprir suas debilidades cognitivas. Suas memórias desapareciam e retornavam, como se estivessem em uma intermitente brincadeira de esconde-esconde. Tal forma de amnésia, parte da irônica maldição dos Uchiha, indivíduos cuja infâmia persistia em formar mentes tão geniais quanto perturbadas. A Uchiha de Iwagakure é diferente de seus antepassados nesse aspecto. Inapta em armas, mentalmente e com objetivos tão vagos quanto suas reais capacidades, não representava o nome e a glória de “poderoso” clã. E pouco deu importância para esses aspectos, sequer conhecia muitos detalhes de sua linhagem. Para Seyse Uchiha, seu sobrenome era apenas uma palavra que soa bem em seus lábios, mas não significa nada.

Adentrou a biblioteca trajando um bory tule em rendas de malha, coberto por seu vestido qipao de estilo cheongsam de um profundo tom azul-escuro, com o detalhe de um decote localizado na lateral esquerda, expondo a parte rendada em seu seio, permitindo a visão até uma pequena parcela do abdômen, especificadamente o hipocôndrio direito. Ambas peças eram anexadas em conjunto com o auxílio de um obi largo e preto, combinando com as seu par de meias longas que subiam acima dos joelhos, e a própria sandália. Na parte superior de ambos braços, logo abaixo do ombro, possuía uma bandagem, embora apenas a do braço esquerdo fosse visível. Em seu braço direito seria possível ver mais uma bandagem, ligeiramente próximo de sua mão. Optou por utilizar uma luva em apenas uma das mãos, de modo que combinasse com o seu vestido e completasse o traje. A bandana shinobi de Iwagakure permaneceu em sua testa, como de usual para maioria dos ninjas.

Apesar de reconhecer os impactos prováveis de suas vestes atuais, permaneceu impassível, como se não fosse interessante para si alguns olhares. Tampouco seriam muitos, pois o vislumbre dos arredores identificou poucos indivíduos no recinto. A presença mais notável e simbólica era do bibliotecário, idoso, como de praxe. Selecionou alguns livros e avançou em passos largos até a mesa mais próxima, sentando-se cuidadosamente antes de iniciar a sua leitura.

Após dezenas de páginas de pergaminhos e livros diferentes, cansou-se de tal forma que o movimento abrupto quando fechou o livro fora tão sonoro que atraiu olhares para si. Se fossem pergaminhos, muito provavelmente teriam sido rasgados em vários pedaços, apesar de não ser tão forte fisicamente. Estudar era tão desinteressante quanto ser uma kunoichi para si, assim como todas as outras coisas que havia feito, estava sendo motivada por impulsos e pretensões que sequer pertenciam a sua persona. Por mais que desejasse fama, dinheiro e glória, o caminho era exaustivo em demasiado dentro de sua concepção, principalmente no tocante ao desenvolvimento intelectual. Sua própria memória debilitada dificilmente permitia que o conhecimento fosse fixado com facilidade, pois por vezes memórias falsas e esquecimento momentâneo assolavam os conteúdos assimilados.

Reconhecendo as próprias limitações, engoliu um pouco de seu orgulho e, numa rara cena de imponência e fragilidade, decidiu pedir ajuda ao bibliotecário. O ambiente, consideravelmente vazio, não iria requerer as funções do idoso por uma quantidade considerável de tempo. Seria a sua oportunidade, caso conseguisse realmente convencer o homem.

— Preciso de ajuda. Quero deixar de ser burra — seu tom de voz era direto, sólido e rápido, proferindo as palavras sem pestanejar.

O homem nada disse, apenas aproximou-se de um caixote de madeira e espalhou pelo balcão as peças de algo similar a algum jogo de tabuleiro. 40 peças de madeira, diferindo em dois pares de 20, cada um com colorações diferentes. Um lado era branco, e o outro escuro, como se fosse uma forma de simbolizar a luta do bem contra o mal. Shogi era o nome dado para tal atividade recreativa, e a proposta do bibliotecário era de que jogassem.

Em primeira instância desconhecia as regras, explicadas cuidadosamente pelo homem. Demorou até que pudesse aprender o conceito, mas após assimilar todas as possibilidades, sentiu pouca dificuldade em jogar, embora praticar o jogo fosse diferente de obter êxito nele. Incontáveis vezes fora massacrada por seu oponente, que não escondia o desdém e o divertimento em massacrar sua mente.

Por instantes questionou se estava praticando a mente da forma adequada, quando percebeu um detalhe crucial. Inteligência não era apenas a capacidade de reter conhecimento, também se tratava de pôr em prática. Inúmeros fundamentos de paciência, cautela, estratégia e conhecimento eram postos durante uma partida de Shogi. Assim como numa batalha real de shinobis, estratégias eram utilizadas para alcançar os seus objetivos, utilizando como alicerce paciência, cautela e conhecimentos, sendo estes adquiridos outrora ou durante o confronto. Seyse percebeu que não precisava adquirir um livro de Shogi para compreender o estilo de jogo do idoso, bastava prestar atenção na forma como ele manuseava as suas peças.

A partir disso, a Uchiha da Pedra teve uma melhora significativa. Percebendo certos padrões na estratégia do bibliotecário, pôde enfrentar de igual para igual nos momentos iniciais do embate, até ser derrotada quando o mesmo fez uma readequação em suas táticas. Após uma vitória não tão esmagadora que outrora, o ancião decidiu que não queria correr o risco de sofrer uma derrota e preferiu não aceitar uma revanche. Seyse suplicou para mais uma oportunidade de provar a si mesma e ao homem suas capacidades, insistentemente repetindo as ofertas, até que decidiu apelar para um último recurso:

— Se eu perder, virei limpar a biblioteca e ajudar você com a biblioteca por uma semana — suspirou.

O sorriso que recebeu em troca do velho oportunista foi o suficiente para perceber o interesse do mesmo em sua oferta. Havia trabalhado na limpeza da biblioteca outrora, mas apenas por algumas horas. Passar uma semana responsável pelos cuidados do local era muito mais impactante do que apenas esfregar um pano de chão em troca de alguns trocados. Trabalhar gratuitamente não era a sua intenção, sendo assim, Seyse deu tudo de si na partida que se seguiu. Utilizou todo o conhecimento adquirido após dezenas de partidas contra o ancião nas horas que se seguiram para proporcionar a mais extensa, equilibrada e feroz batalha do embate entre os dois.

Mesmo com tanto empenho e após finalmente perceber que o idoso utilizava sempre as mesmas estratégias, focadas em jogos rápidos que caso não funcionasse, gerava jogos posicionais e complexos em demasiados que fugiam um pouco de seu domínio, Seyse não obteve êxito. Mesmo após levar o seu oponente para fora de sua zona de conforto, pensar em demasiado também não era a sua, fracassando no processo. Falhou, mas não falhou miseravelmente. Por instantes pareceu que venceria, até perder o controle da partida nos momentos decisivos, talvez por nervosismo ou inexperiência.

— Bem, trato é trato, irei cumprir com o combinado — era uma mulher de palavra, não iria fugir com o seu comprometimento.

Apesar de não ter conseguido vencer o idoso nenhuma vez ou ler tantos livros completos quanto planejava, Seyse sentiu que sairia da biblioteca melhor do que antes. O aprendizado permaneceria em sua mente, pois não apenas exercitou ela em seu conceito mais teórico a partir de livros ou pergaminhos, mas desfrutou de todo teor prático de um confronto de mentes real.



HP: 825/825 | CH: 1075/1075 | ST: 00/07

”Traje”:

”Considerações”: