Refazia, em um pequeno pergaminho amarelado, todo o trajeto que o levou até Nikko. Desde a saída nos portões de Kirigakure no Sato, tudo o que conseguiu observar foi um abandono sem igual. A riqueza que se via presente nos prédios de dentro das muralhas do vilarejo, era uma utopia para os pequenos povoados que faziam parte do aglomerado de ilhas do País da Água. Reboro Utaka poderia estar certo por um momento. E se, mesmo através de sua violência, a prosperidade para o povoado de Nikko viesse como uma salvação? O tão orgulhoso ‘’Guerreiro de Aura Azulada’’ traçava a linha de tinta pelo pergaminho, molhando a ponta de sua pena no recipiente ao lado do papel, sentindo os dedos tremerem pela instabilidade de seus pensamentos. Era um fato inquestionável que nem mesmo sua mente fortificada conseguia suportar as visões que corriam por seus pensamentos. Seus dedos envolviam a haste da pena com mais firmeza, retorciam o material fibroso que lentamente rachava em diversos pontos, até o súbito momento onde se partia ao meio, ricocheteando o braço do azulado no tranco, derramando toda a tinta no ‘’mapa’’ desenhado. Socou a mesa, o estrondo foi o suficiente para que todos os pássaros que pousavam sobre o teto de sua casa se assustarem, e aos berros deixassem o local. Os punhos cerrados e a respiração levemente ofegante determinavam que algo de errado ocorria com o guerreiro. A única luz presente no ambiente, aquela que iluminava com perfeição a mesa, vinha de uma pequena janela ao seu lado. Ao desviar o olhar de fúria, o prédio mais importante da Névoa chegava em seus olhos, o Gabinete do Mizukage.

Izuku se ergueu de onde se sentava, levantando uma pequena camada de poeira ao arrastar a cadeira pelo chão do quarto. Terminava de abrir toda a janela e iluminava completamente o ambiente. Roupas reviradas pelo chão, pedaços de papel igualmente manchados como aquele que estava em sua mesa. As marcas de seus punhos fechados enchiam as paredes com ondulações. A paz que tanto almejava estava sendo abalada pelo abandono. E se Kirigakure não fosse a única a deixar seus semelhantes de lado? Todas as outras nações, ainda desconhecidas, poderiam estar fazendo o mesmo. Uma gota de suor escorria pela têmpora do herói, apoiando seu antebraço direito na janela, enquanto observava. O sumiço de Keisuke Uchiha ainda assombrava o azulado, onde estava seu amigo de olhos avermelhados? Perdido neste mundo esquecido? Descobrindo os mistérios de seu poder ocular? Em perigo? O instinto do Lee gritava para que fosse investigar, para que fosse atrás de Yuji e o deixasse ciente do que queria fazer. O que Eru Kaguya iria pensar sobre? Talvez os dois fossem os únicos a quem Izuku cederia.

Durante dias, a mente do jovem Jonin não parou por um segundo. Dormia e acordava pensando em todo o caos que caia sobre o mundo, pensando no futuro que desejava deixar para as novas gerações, o futuro que desejava construir para seus amigos. Um mundo onde Yuji e Keisuke não precisariam se preocupar em se tornarem os mais poderosos, onde a paz reinaria nas Cinco Grandes Nações. Mas era fato, homens fortes criam tempos fáceis, e tempos fáceis geram homens fracos; mas homens fracos criam tempos difíceis, e tempos difíceis geram homens fortes, um ciclo sem fim. O tempo havia criado Izuku, que sonhava com tempos fáceis. Durante algumas noites, saiu pelas ruas do vilarejo, olhando a vida na Névoa com outros olhos. A grande maioria parecia alienada a tudo o que acontecia fora daquele lugar, e de certa forma isso poderia ser considerado um conforto, uma paz, mesmo que fosse um sentimento falso. Por sua motivação, era obrigação do azulado tornar aquele sentimento real, senão do que serviria toda a força que tinha? Todo o poder que havia acumulado. Se não, do que havia servido o sacrifício de seu pai, o sentindo em conhecer Yuji, Keisuke e Eru? O vínculo com a bandana pendurada em sua cintura pesava como correntes que seguravam seu corpo, correntes que teriam seus elos rompidos pela determinação e busca pela paz.

Não que estivesse com sentimentos negativos sobre Kirigakure, sobre as intenções de seu atual líder, muito pelo contrário. Bastou alguns segundos de reflexão para voltar ao sorriso, vislumbrando a conclusão de seus sonhos em pensamentos. Izuku almejava a paz, e como alcançaria se não estivesse em paz consigo e com aqueles ao seu redor? Kirigakure era o berço desse guerreiro, e jamais se esqueceria disso. Honraria a bandana carregando o símbolo da Névoa até o ultimo segundo de seu vínculo, e entendia que se separar daquele lugar era apenas um passo de sua vida ninja, mesmo que isso trouxesse consequências. Encararia de cabeça erguida e peito estufado, pois no fundo sabe que sua índole superaria as histórias que inventariam.

Tarde da noite, Izuku ainda transitava pelas ondas de sentimentos confusos que o atingiam. Se não se conhecesse muito bem, diria que todos os treinamentos feitos para aquietar sua mente não tinham sentindo algum. Que a escuridão em seu peito, adormecida, mantida trancafiada pela confiança que tinha em seus amigos, pelo sacrifício de seu pai, estava prestes a romper as correntes e se libertar. Quem visse o herói em seus dias atuais, jamais imaginaria que um semblante sanguinário e possessivo o domou durante muito tempo em sua vida. Onde seu único e exclusivo objetivo era a conquista mundial de todas as nações, era tornar Kirigakure no Sato o polo do poder ninja no mundo, mesmo que para isso fosse necessário a extinção de outras nações. Eru, Keisuke, Yuji e Nobu foram os responsáveis para que Izuku se tornasse o brilho azulado de paz que é hoje.

Durante seus sonhos, enxergava um longo campo de flores azuis, o sol e o vento espalhavam a névoa para longe e o calor da estrela tocava seu rosto, o aquecendo de forma reconfortante. Mais à frente, o campo era cortado ao meio em uma súbita mudança de paisagem. As cores vibrantes das flores se tornaram um longo amarelado seco. Um deserto. Ali, tudo já havia morrido ou iria morrer. Ossos se espalhavam, fósseis do que um dia já foi um montante de carne e sonhos. As duas representações eram a cabeça de Izuku. De um lado, o florido campo da paz, do outro, o seco deserto de sua raiva, e os fósseis eram seus entes queridos. Por isso, jamais deveria retornar para o deserto de seus pensamentos.

O vento gelado que Kirigakure carregava com sua névoa adentrava a janela aberta de meu quarto, arrastando a baixa temperatura para meu corpo que descansava em sono leve. Meu corpo estremeceu com o ar gelado tocando a pele, meus olhos tremeram tentando resistir ao meu despertar. Meus pés se debateram, buscando encontrar o cobertor da cama, mas sem sucesso, pois ele estava jogado no chão. Obrigado a acordar, minha visão ainda turva não foi capaz de detectar a presença da silhueta na janela, mas sua voz me levou a armar a guarda. A voz familiar que entrava em meus ouvidos me fez fraquejar por alguns segundos, até meus olhos se acostumarem com o despertar e com a escuridão. — Eru? Que horas são? O que está fazendo aqui? Você está bem, cara? — Com a mente cheia de dúvidas, questionei sua presença. Era madrugada e somente um ótimo motivo traria o Kaguya para a janela do meu quarto de forma tão inesperada. Mas eu não podia ignorar e aguardar, se Eru veio até mim eu deveria atender. Me troquei rapidamente, vestindo uma longa jaqueta escura, calças largas que ‘’escondiam’’ os pesos em minhas pernas. Todos os armamentos que carregava também foram postos, assim como as Vita em meu pulso, escondidas pela manga da jaqueta. Fui até a janela. — Deixar este lugar? — Esperei Eru me conceder a passagem para sairmos. Saltei, de forma leve, para o telhado ao lado, pousando sem muito barulho. — O que quer dizer com deixar este lugar? — Imediatamente meus pensamentos recordavam o mapa mundial, o mapa até Nikko, a desconsideração de Kirigakure. Eru não vestia uma bandana, e mesmo sem explicar com palavras, eu entendi o que tudo significava. — Você sabe o que isso vai significar, não sabe? Eu... eu vou com você, mas você está pronto para que seu nome se torne algo ruim aqui? Eu estou... se para ajudar o mundo eu precise me tornar um vilão para alguns, eu estou pronto para carregar este fardo, até mesmo por Kirigakure. — Me virei para a extremidade do telhado, observando todo o vilarejo daquele ponto. Não seria a última vez que meus olhos encontrariam aquela paisagem, mas talvez fosse demorar muitos anos para voltar a vê-la. — Vamos, Eru. — Direcionei minhas pernas até o portão e saltei. Com meus passos rápidos, insuficientes para me cansar, atravessaria os portões do vilarejo. — Adeus. — Não olhei para trás. Levei minhas mãos na bandana presa em minha cintura e a guardei na bolsa de armas. Com um suspiro, significando o pesar em meu peito, caminhei para fora da vila, atento aos meus arredores.