Traje:

Seyse não poderia considerar a si mesma uma kunoichi caso não pudesse desempenhar alguma de suas funções, mesmo sendo apenas uma Genin. Numa vila, todos possuem um papel a desempenhar, mesmo aqueles do mais baixo escalão. Era a hora do lobo, o frio invernal de Iwagakure fazia-lhe sentir calafrios percorrendo sua espinha naquele instante, a face levemente corada após uma nevasca recente. Estava trajando um casaco de peles apropriado para o clima, longo e denso, com um vestido de um tom esverdeado profundo, quase tão escuro quanto a noite. Não trajava sua bandana naquele momento, embora a trouxesse e a tivesse oculta, achou inapropriado ser reconhecida como uma ninja, talvez acabasse afugentando sua presa.
Suas botas deixavam marcas quando passava por ruas cujo resquício de neve era evidente, algumas vezes afundando parcialmente em áreas onde a nevasca havia sido acentuada. A Uchiha havia vislumbrado no quadro de missões problemas desagradáveis referentes a um ladrão guloso, infame por levar alimentos roubados para o extremo norte do País da Terra. Apesar de ser fraca em raciocínio, era suficientemente inteligente para planejar o que faria para concluir a missão. Seyse Uchiha decidiu assegurar a captura do meliante no cerne de seu modo operacional, com o objetivo do flagrante. Embora pudesse roubar durante os períodos diurnos e vespertinos, o anoitecer geralmente era o pico de suas atividades criminosas, seguindo as informações preliminares dadas.

Encontrar o próximo estabelecimento a ser atacado por Akimino Chouga seria difícil, considerando não ser a melhor das investigadoras, mas poderia simplesmente observar a movimentação suspeita de algum indivíduo nas proximidades, enquanto permanecia oculta. Após alguns minutos, pôde notar um estranho apressadamente dirigindo-se até um estabelecimento fechado, conseguindo abri-lo de alguma forma. Pela distância, não conseguiu visualizar a presença de alguma chave em suas mãos ou o uso de algum jutsu. Seyse suspirou e avançou, despretensiosa para não levantar suspeitas, em direção ao local. Estava próxima de solucionar o seu primeiro crime.

Tomou a cautela no momento de entrar, mesmo que soubesse o baixo risco de ameaça representado pelo homem, considerando a classificação da missão, não poderia ter certeza. Não deveria ter certeza. E se fosse mais perigoso que aparentava? Seyse preferia assegurar a própria integridade física. Caminhava em passos leves, para que não pudesse ser escutada facilmente. A luz era quase inexistente, o único lampejo de iluminação existia na cozinha, vindo provavelmente de uma lanterna portada pelo meliante. Não trouxe consigo nenhuma arma ninja, muito menos possuía muito proficiência com tais mesmo que trouxesse. Teria de resolver isso da forma mais simples possível, evitando utilizar Katon para não danificar a propriedade alheia.

Uma boa lição servirá, sim.

Quando adentrou a cozinha, Akimino Chouga preparava-se para recolher os seus espólios, a luz da lanterna penetrou os seus olhos quando percebeu ter sido notada. Não vislumbrou o semblante do homem, mas sua silhueta estava evidente. Visivelmente nervoso, ele fez algum movimento brusco, como se estivesse planejando alguma fuga ou investida. Decidida a evitar o confronto, Seyse Uchiha rompeu o silêncio ao dizer:

— Não se preocupe, eu também estou com muita fome! — riu, acenando para o Ninja Comilão — O que tem de bom para a gente comer?

O meliante aparentou estar surpreso com as afirmações da jovem Uchiha, mas não conseguia diferir se estava receoso em ceder o alimento ou indisposto a compartilhar com alguém, querendo tudo para si. Akimino Chouga preparou uma mesa, acendeu duas velas e começou o que aparentava ser um jantar romântico.

Que maneira conveniente de se aproveitar da situação. Qual será o próximo passo? Uma declaração de amor?

Seyse e Akimino Chouga conversaram longamente. Sentiu-se confortável para pôr sua bandana, afinal, manter ela oculta não serviria de mais nada. Apesar de ter dito estar esfomeada, não tocou inicialmente em nenhuma comida, nem no saquê oferecido no breve “encontro”. Ouviu as suas histórias nada engraçadas sobre os furtos, nem quando o mesmo comentou sobre ter comido tanto ao ponto de vomitar em sete cores diferentes sentiu vontade de rir. Mas esboçou risinhos e simulou estar entretida, não poderia estragar o que estava ficando oportuno. Por fim, nenhum alimento havia sido extraviado na noite em que decidiu pôr fim às empreitadas do Ninja Comilão, mas Chouga bebeu várias garrafas de saquê ao ponto de estar consideravelmente alterado, além de ter consumido diversos pratos, formando uma gigantesca pilha.

Após alguns flertes, piadas sórdidas e propostas inusitadas, Akimino Chouga ergueu-se, cambaleante. Levemente ultrajado por uma recusa romântica, o Ninja Comilão sugeriu que Seyse ao menos auxiliasse a levar os alimentos para o norte consigo. Sem pestanejar, apesar de seu objetivo solene de evitar agressões, dirigiu um tapa a face deste.

— Mais respeito com uma dama. Não me dê ordens e muito menos use um linguajar tão vulgar — Seyse se referia aos comentários inoportunos sobre seu corpo — E muito menos vou ajudar você a roubar mais um restaurante, Sr. Chouga. Sua vida de crimes acaba hoje.

Aproveitando-se do estado do homem, Seyse segurou o homem pelo colarinho e o arrastou até a pia, onde o puxou pela orelha e o forçou a lavar cada um dos pratos que sujou. Inicialmente o mesmo demostrou resistência, mas quando ele tentava se evadir das suas responsabilidades, Seyse dizia:

— Ou você lava por bem, ou faço você lamber cada um dos pratos, um por um, enquanto tosto você até virar um porco frito.

E Akimino Chouga jamais havia lavado tantos pratos em sua vida. Lavou os seus e os de Seyse, que fez questão de fazer a própria refeição. No final, quando o serviço estava terminado, forçou meliante a pagar por cada alimento consumido, prato por prato, sejam os seus, sejam os dela, incluindo a garrafa de saquê. O homem chorou, implorou, disse que ficaria quase pobre se assim o fizesse, mas cedeu.

— Esse o peso da sua escolha. Veja o que está fazendo. Bêbado, roubando dos outros e agindo como um covarde. Seja um Ninja de verdade. Um Ninja de verdade não age como um rato, se esgueirando a noite e comendo dos outros.

Cabisbaixo e refletindo sobre as suas ações, a vergonha pareceu ter tomado o homem, pois de joelhos, após vomitar parte do que havia comido aos pés, provavelmente por acidente, admitiu a culpa e pediu perdão pelos erros que havia cometido. Ainda talvez houvesse esperança para uma reabilitação.

— Errar é humano, está tudo bem. Mas você deve, quando amanhecer, um pedido de desculpas não a mim, mas a todos que você roubou — pediu para que ele se levantasse e deu-lhe um rápido beijo na bochecha — Muito bem, você deu o primeiro passo. Agora limpe essa sujeira toda, que nojo! — Seyse disse, por fim.

Seyse Uchiha, quase sem usar violência e denegrir o patrimônio particular, resolveu o caso do Ninja Comilão. Esperava que após uma franca lição, Akimino Chouga abandonasse a vida do crime. Talvez tenha ganho um novo amigo, ou um inimigo, caso o mesmo decidisse continuar com aquilo. Na próxima vez que ouvisse falar de Akimino Chouga como o Ninja Comilão novamente, talvez Seyse decidisse cumprir com a sua promessa de torra-lo como se fosse um porco.

Considerações: