O pequeno acordou cedo para mais uma de suas corridas matinais, algo que queria que fizesse parte de sua rotina. Dessa vez intercalou com um treinamento para conseguir alcançar a velocidade que tanto almejava. Limpou seu pensamento e correu pela vila intercalando momentos de aceleração e desaceleração. Observou a própria respiração, o fôlego e tentou atingir um estágio de equilíbrio entre repouso e movimento. Depois, voltou a movimentos mais bruscos, com pisadas firmes contra o solo de Iwa, para depois perceber que as pisadas suaves eram muito mais efetivas e que, utilizando delas, atingiria uma velocidade maior.

— Então pisadas leves parecem ser um incremento a minha própria velocidade, faz sentido — disse — tenho, no entanto, saber o quão suave essas pisadas devem ser antes que elas mesmas atrapalhem. — Voltou a correr, a mente completamente focada na corrida. No processo sua cabeça voltava a latejar, aquele tom acinzentado que parecia tanto caracterizar seus dias — mesmo naqueles dias mais claros — voltou a bombardear a sua mente.

Correu, correu e correu, mas o que doía não era sua perna, o que incomodava não era seu pulmão, mas sua alma e seu desânimo por toda aquela futilidade. A essência do ser humano, pensava, não podia ser apenas se tornar mais forte, com novos poderes, existiria algo mais no seu mundo ou sua existência se resumiria a missões e treinamentos? Amaterasu não tinha noção. Sentou num banco de uma praça de Iwa e refletiu — Eu sou dono das minhas ações, eu tenho livre arbítrio? Meu pai teve escolha? Minha mãe poderia estar viva? Tudo que acontece comigo é decisão minha ou de alguém? De um escritor com poderes de tornar minha vida de um mar de futilidade e desespero para uma vida completa e feliz? Seriam meus pensamentos fruto das minhas próprias conclusões? — repousou as duas mãos sobre a cabeça as fechando, dando a si próprio um aspecto de perturbado, a forma de um espectro, na visão dele, pútrido e decadente. Essas terríveis divagações só foram interrompidas pela figura de uma bela mulher, que tão logo surgiu, partiu.

— Vejamos... — leu o pergaminho com alguma dificuldade, sua visão estava embaçada e sua cabeça ainda doía pelo mar de pensamentos anterior. — Mas ainda assim a vida vale a pena, pelo menos um pouco! — Não soube explicar porque disse aquilo, mas obviamente tinha algo a ver com a mulher que apareceu, seu sorriso, o fato dela ter sido tão carinhosa... Fazia tempo que não sentia um aconchego tão grande no coração e lembrava muito bem, era grato, a única coisa que nunca o decepcionou, que nunca o deixou sozinho, foi sua vila, por isso morreria por ela se fosse preciso.

— Se sacrificar pela vila deve ser a maior honra de um ninja. — pensou, levantando e correndo em direção ao local indicado do desaparecimento do pergaminho. — Qualquer um que atentar contra a vila atenta também contra as melhores coisas que a humanidade produziu — disse por fim, com olhar determinado.

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A vida é um mero suspiro, uma gota decadente num mar de desordem. Ainda assim quando alguém te ama, quando diz gostar de você, que lhe sorri, faz tudo valer a pena. Estar sozinho é diferente de ser solitário, a solidão é uma doença que corroe pouco a pouco o indivíduo que dificilmente consegue gritar por socorro.

— Eu sinto minha pele sair do meu corpo. — disse, concluindo uma série de pensamentos fragmentados, um mar de insanidade e depressão. — Eu já estou morto, mamãe e papai, eu queria estar com vocês. — Fechou os olhos. O desespero da decisão que teria que tomar. Uma vela de luz tênue iluminava uma caverna, uma sombra de uma pessoa estava projetada na parede, Amaterasu se aproximou com cuidado, a cada passo sua cabeça doía mais. A cada pisada sentia que estava preste a explodir num mar de fúria, morreria por sua vila ou esse era apenas um apelo desesperado de alguém que queria morrer?

Ouviu as palavras do homem, sabia muito bem do que aquilo se tratava mas não entendeu, pôs a mão sobre a cabeça e lágrimas brotaram de seu rosto. Seu corpo começou a assumir um tom acinzentado e sua esclera se tornou negra. Com a pupila dilatada, a íris de cor amarela completou a aparência monstruosa do jovem. — Isso não é trabalho pra um menino, não... — Riu, uma risada intermitente, baixa, olhar cabisbaixo, lágrimas caindo, riu, riu e riu, era a segunda vez que sentia aquilo, que deveria matar alguém, ferir uma outra pessoa. — É trabalho para um monstro.

O menino, agora transformado em fera, voou em direção ao alvo com uma explosão produzida pela liberação de chakra. O punho estava fechado, no fundo, não queria matar o homem, e por isso decidiu por um soco, na tentativa de deixar o adversário inconsciente. Enquanto voava, não pode evitar fitar os olhos de seu "algoz", só que no final, o que viu na pupila daquela figura, não era ninguém menos que ele mesmo. Aquela figura patética, desesperada, uma criança zumbi que deveria estar morta.

— Mamãe dizia que deveríamos ser gentis, meu papai era gentil. Eu também sou gentil, olhe pra mim mamãe, veja a minha gentileza. — ainda no ar, sorriu, como se se distraísse naquele mundo insano, particular caótico — caótico.

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A ira começa com a loucura e acaba com o arrependimento. Quando tinha seis anos de idade Amaterasu ouviu esse ditado de seu pai, um ninja de habilidade média, amoroso e sempre orgulhoso de seu trabalho pela vila. Amaterasu não entendia tamanho orgulho, não só de seu pai como de outros shinobi também. Talvez o trabalho fosse honroso demais! Talvez envolvesse salvar vidas? Era a sua tese favorita e, por isso, cultivava dentro de seu coração aquele desejo, o desejo de viver pela vila e salvar a todos. Esse era o pensamento de Amaterasu enquanto uma asa acinzentada, surgida de seu alvo, o fazia recuar uns dez metros de distância.

— Esse é meu poder... Meu poder máximo e ainda assim esse homem, para proteger seu filho, se defendeu! — Tinha certeza que sua cabeça explodiria, estava prestes a desistir daquilo, queria se entregar a morte de uma vez, afinal — a vida não vale a pena se for vivida para matar — concluiu, olhando nos olhos daquele outro mostro. Seu pensamento suicida, confuso, aquela insanidade que o fazia sentir a necessidade apenas do massacre, foi realimentada pela frase proferida pelo homem. Afinal, se a insanidade de seu pai o aprisionou naquela loucura própria, ele usaria essa mesma insanidade para libertar aquele homem do sofrimento.

— Devo acabar com isso agora. — disse monótono, cabeça baixa. Um silêncio estarrecedor fez ecoar em sua mente. Uma fonte de poder que nunca antes havia experimentado parecia transbordar de seu corpo, enchendo todo o seu corpo de chakra e poder. Sua aparência estava mais determinada, mas seu corpo monstruoso não mudou, a carcaça de fera ainda estava lá, e por estar lá, sua insanidade também estava. Também estava o cansaço, a respiração pesada e o esforço de ter que realizar mais uma ação tinha a aparência de um sofrimento a mais.

— Adeus... — disse voando mais uma vez com a explosão de chakra em direção ao alvo, seu punho se iluminava pelo chakra que emanava de fendas no seu braço direito. Daria o soco mais poderoso que pudesse dar nas asas daquela criatura, provavelmente essa era sua última ação, não poderia usar mais seu poder total sem perder toda sua energia, daria o golpe de misericórdia ali, mas mesmo que a situação fosse crítica, que estivesse pronto a sucumbir, no interior daquela carcaça monstruosa, sua alma sorria pois, se não conseguisse libertar o homem, libertária a si mesmo.

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O homem estava morto. Amaterasu, já recuperado, arrumou o corpo do homem e observou seu rosto por alguns segundos, então deixou o campo de batalha se arrastando por causa do cansaço físico e mental. Sua respiração se manteve ofegante durante todo o trajeto. Sua mente estava vazia, não se daria ao trabalho de pensar. Apenas andou até sua vila ouvindo ora o barulho dos pássaros, ora o farfalhar das árvores. Sentiu ao fundo o rio correr. Era como se de alguma forma se comunicasse, naturalmente, com todas as criaturas vivas.

— Eu sou um assassino. — disse ao ver o portão da vila, seus olhos se encheram de lágrimas que transbordaram por um último segundo. Alguns podem dizer que o ninja estava sendo infantil, que deveria ser uma máquina e ser silencioso mas, ora, Amaterasu ainda era uma criança, não conseguia esconder isso. Na vila foi recebido pela garota de outrora. Sorriu ao sentir as mãos dela pelo seu cabelo. A delicadeza de um toque carinhoso era tão assustador quanto um soco, porém diferente do soco ele não machuca, não destrói, o carinho cura e constrói.

— Então é por isso que eu luto, por mim e pelos meus? — disse baixinho ainda na frente da moça. Recebeu a recompensa e saiu dali em direção a qualquer lugar que seu destino o decidisse levar.

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