Sabaku no Azir

Faça-a fluir, Azir. Não a force. — Rouca, a voz de meu tio demonstrava sua experiência. Era começo de tarde, e o sol castigava como esperado do desértico País do Vento; em uma das inúmeras casas da Vila Oculta da Areia, destacava-se uma cena em particular... No distrito residencial, uma modesta residência de dois andares se erguia; mas não era sua estrutura que chamava a atenção, e sim, oque estava acima dela. Literalmente no teto, um homem e um garoto pareciam trocar sutis movimentos de dança entre si enquanto uma constante massa de areia os circulava. Aqueles... eram eu e meu tio.


Era um treinamento simples em teoria, mas extremamente taxativo na prática; compartilhávamos ambos uma mesma massa de areia, e entre movimentos precisos e consistentes, fazíamos a mesma fluir de maneira fluída... tal qual água. O problema estava na dificuldade que o mero ato de assumir o controle trazia; exercêssemos a influência simultaneamente, ela acelerava demais, e deixássemos de fazê-lo, ela cairia no chão. A questão é que já havíamos feito aquela mesma rotina algumas vezes, e pouco a pouco parecíamos chegar em uma espécie de 'fim do túnel', onde os mesmos erros se repetiam sem parecerem ter uma solução óbvia pela frente. Os movimentos, tantos nossos, quantos da areia, eram constantes; e como advertido pelo homem, ela sempre se acelerava ao passar para minhas mãos. — Eu já estou agindo com o máximo de delicadeza que consigo, mais que isso e eu vou acabar deixando-a cair! — Eu resmungava, nitidamente irritado com meu progresso. O homem não se aborrecia com meus comentários, muito pelo contrário, parecia deixar escapar um sorriso ao ouví-los. — Sabe, Azir... Eu já fui exatamente como você. Deve ser coisa da idade... — O homem relatava, antes de subitamente fazer com que a areia subisse de velocidade. Meus olhos arregalavam-se e em um susto, eu conseguia mantê-la dentro da rota estabelecida e devolvê-la, ainda mais rápida do que inicialmente. E ele repetia o ato, continuávamos naquele ciclo até que eu sequer conseguia acompanhar a areia com meus olhos, guiando-a através de puro instinto. Até que, subitamente, sua rota era alterada; mirando meu abdômen.

Eu cambaleava com o impacto, caindo com o joelho direito no chão enquanto minha mão esquerda ia de encontro ao ferimento; onde eu deixava escapar um tímido grunhido de dor. — Agh... Oque foi isso? — Eu levantava meu semblante até o homem, que retrucava meus olhares 'furiosos' com o mesmo semblante calmo de sempre. — Uma lição. — Ele respondia. — Você não vai chegar a lugar algum se não se aplicar verdadeiramente a esse treinamento... Eu só fiz como você desejava, e aumentei o passo. E vê que, no mesmo extremo da 'delicadeza', você falhou com o da 'brutalidade'? — Ele continuava com sua palestra, fazendo aquela mesma massa circular-lhe de direções diferentes com velocidades exorbitantes. — Domine um extremo, e ele será a chave... — O homem abria a palma de sua mão, e subitamente, a massa de areia paralisava a alguns centímetros da mesma; em um formato esférico. Uma desaceleração anormal, uma habilidade anormal. — Para conquistar o outro. Domine ambos, e então, você terá chegado ao ápice do Jiton. — Ele concluia. Meu semblante antes furioso agora mais demonstrava uma confusão, misturada de... bom, obviamente, dor.

Mas você está longe disso... Que tal um xadrez? — E lá se ia seu semblante sério, tornando-se o velho tio bobão que eu conhecia. O homem tomava a frente e encontrava seu caminho de volta para dentro da residência, enquanto eu tomava mais alguns minutos para descansar da 'porrada' que havia levado. Não precisava disso tudo... Pensei. Enfim, quando a dor enfim liberasse meus pensamentos para coisas mais mundanas, tomaria meu caminho seguindo os passos do homem; e, chegando lá, encontraria o cenário surpreendentemente montado. Velho sem-vergonha... Minha expressão de desprezo escapava por um momento, como quem percebia as segundas intenções nefastas de alguém... Aquele, também seria um treinamento unilateral. — Sente-se — Ele chamava, indicando minha cadeira com um gesto da mão direita. Acanhado, eu seguia sua instrução, puxando a mobília enquanto analisava o tabuleiro em minha frente. — Você pode começar. — Ele dizia. O jogo desenrolava-se... bem, da forma como eu esperava. Um massacre unilateral; meu tio parecia ter armadilhas para todo tipo de situação e arranjamento de tabuleiro, rendendo cada uma das minhas jogadas como infrutíferas ou diretamente erradas. Foram necessários três jogos daquela disputa completamente desbalanceada até que, enfim, a 'voz da sabedoria' decidisse que deveria intervir. — Sabe, garoto... — Ele abria a boca, e eu dava um suspiro; um alívio. — É genuinamente surpreendente o quâo você consegue ser inteligente para tantas coisas, e o quão burro consegue ser para estratégias de combate. — E, de quem eu esperava uma lição, recebia um 'soco' na boca em forma de humilhação. — Como assim? É só xadrez... — Eu rebatia, ainda mais frustrado do que antes. — Eu consigo induzir você a jogar da maneira que eu quero, na hora que eu quero, e se eu quero. Coloque os mesmos conceitos em um combate, e você não é páreo para mim nem se eu lutasse de mãos vedadas. — Ele concluía; genuinamente embasbacado. Eu tentava me convencer de aquilo era porque, simplesmente, eu nunca havia realmente me dedicado ao xadrez... Mas aquilo seria uma mentira. Céus, só deus sabe o quanto eu queria tirar o sorrisinho que meu tio dá toda vez que ganha uma partida. Eu respirava fundo, e tentava absorver oque ele me dizia. Isso não é muito diferente do que seu pai te ensinou, burro... Não planeje apenas seu próximo passo, e sim toda sua caminhada. Eu raciocinava, e então, tentava colocar em prática. As próximas partidas eram... bem, melhoras, pra dizer o mínimo; uma delas até mesmo chegando em um empate provocado por meu tio. Eu ainda havia muito a melhorar, mas considerando a falta de novos xingamentos, talvez eu estivesse no caminho certo.