O céu noturno de Shimogakure estava tranquilo, pontuado por poucas estrelas que conseguiam atravessar o manto nebuloso que cobria a vila aquela noite. Norihime caminhava sem pressa pelas ruas quase desertas, com um sorvete na mão, sentindo o frescor gelado derreter suavemente na língua a cada mordida. Era uma noite agradável, e o silêncio parecia abraçar a vila com uma calma que contrastava com o turbilhão de pensamentos em sua mente. Ela havia passado o dia ocupada com as responsabilidades de Genin recém-formada, mas, desde a manhã, uma mensagem específica a acompanhava, deixando-a distraída. Seu avô havia pedido que ela o encontrasse à meia-noite. O horário, incomum e inesperado, a fazia questionar o motivo do chamado. Não era típico ele chamá-la para algo tão tarde, e a curiosidade se misturava com uma leve ansiedade. Não havia detalhes na mensagem, apenas a instrução clara de que ela deveria comparecer. A garota olhava para o céu enquanto caminhava, tentando imaginar o que a aguardava naquela visita. Seria algum tipo de conselho? Um treinamento novo? As dúvidas flutuavam em sua cabeça como as nuvens preguiçosas sobre a vila.

Ela não era alguém de se preocupar facilmente, mas, de alguma forma, a falta de informações fazia com que uma certa inquietação surgisse. Não era exatamente medo, mas uma sensação incômoda de estar prestes a descobrir algo inesperado. Era seu avô, afinal. Ele não a chamaria sem motivo. Suas lembranças de infância com ele sempre foram carinhosas e cheias de histórias fascinantes, o que tornava o mistério ainda maior. O vento frio roçou sua pele, e a jovem abraçou o corpo com um arrepio leve, mas não deixou de dar outra mordida no sorvete antes de seguir adiante. Ao terminar o último pedaço da casquinha, Norihime olhou para o relógio. Faltava pouco tempo para a meia-noite. Limpando as mãos rapidamente, ajeitou os cabelos e começou a caminhar em direção à casa do avô.

Norihime chegou à casa de seu avô e, ao ver as luzes apagadas, parou diante da porta de madeira. Bateu levemente, mas o silêncio foi a única resposta. Ela chamou novamente, agora com a voz um pouco mais alta, mas ainda assim, nada. Franziu o cenho por um instante, mas logo percebeu um pequeno bilhete preso na porta, quase invisível na penumbra da noite. Pegando-o entre os dedos, leu rapidamente: “Vá até os fundos.” Sem hesitar, a garota seguiu o caminho em direção ao quintal, seu coração batendo um pouco mais rápido, mas o rosto irradiando empolgação. Ao chegar aos fundos, deparou-se com um pequeno campo de treino circular, onde a areia estava cuidadosamente espalhada pelo chão, marcando o limite do espaço. Ela olhou ao redor com curiosidade, os olhos brilhando com a expectativa.
— Vovô! Estou aqui! O que vamos fazer? O que é isso? Vamos treinar? O que vou aprender? — Norihime disparou com sua voz alegre e infantil, as perguntas saindo de uma vez só, enquanto pulava animada, os cabelos rosados balançando com cada movimento.

O homem que estava em pé no centro do campo de treino, a observava com um leve sorriso antes de responder.
— Agora que você se formou na academia, chegou a hora de aprender mais sobre as técnicas do nosso clã, Norihime.
Antes que ele pudesse continuar, ela flexionou os pequenos braços com entusiasmo, mostrando os músculos enquanto sorria de orelha a orelha.
— Olha só, vovô! Eu tô super forte agora! Vai ser fácil aprender qualquer coisa!
O velho homem suspirou, mas não pôde evitar um sorriso diante da empolgação da neta.
— Eu sei disso, Norihime. Mas me diga... você já aceitou suas próprias limitações?
Ao ouvir aquilo, o brilho de seu sorriso diminuiu levemente, e ela fez um beiço, cruzando os braços antes de balançar a cabeça, concordando lentamente.
— Aceitar é o primeiro passo para evoluir. Se você realmente aceitou suas limitações, então estará pronta para o que vem a seguir. Mas isso... será decidido neste treino.
Norihime piscou, inclinando a cabeça para o lado com uma curiosidade inocente.
— Ah, então é um treino especial? O que eu vou ter que fazer?
Seu avô olhou para ela com seriedade, a voz carregando uma gravidade que ela raramente ouvia dele.
— O Hachimon Tonkō.

Norihime piscou, com uma expressão de total confusão estampada no rosto. A jovem não tinha a menor ideia do que o avô estava falando. Sua mente girava em círculos tentando entender, mas nada fazia sentido. O velho homem, vendo a expressão dela, respirou fundo e começou a explicar.
— Os Oito Portões de Chakra são barreiras naturais dentro do corpo, limitando o fluxo de energia para nos proteger. Esses limites nos impedem de usar todo o nosso potencial, mas também evitam que o corpo se desgaste completamente. Porém, com um treinamento adequado, é possível aprender a abrir esses portões e superar os limites físicos, liberando mais poder do que normalmente conseguiríamos. O problema é que, ao fazer isso, o corpo sofre danos severos, já que vai além da capacidade que ele pode suportar.
A garota piscava mais e mais, o rosto cada vez mais perdido, como se sua mente estivesse tentando se agarrar a cada palavra, mas sem sucesso. O avô parou por um segundo e perguntou:
— Você entendeu?
A expressão de Norihime dizia tudo. Os olhos meio vazios e o sorriso bobo revelavam que nada daquilo tinha entrado em sua cabeça. O avô suspirou e tentou uma explicação mais direta.
— Basicamente, você vai aprender a ultrapassar os limites do seu corpo, mas vai se machucar no processo. Entendeu agora?
A garota fez uma pausa, processando a frase mais simples, antes de finalmente dar um sorriso largo e animado.
— Ahhh! Entendi! Vamos lá, vovô, eu quero tentar! — Não, ela não entendeu. Não completamente.
O avô sorriu, satisfeito com a empolgação da neta, e se afastou um pouco.
— Preste atenção. — Ele então assumiu uma postura séria, e Norihime sentiu a atmosfera ao redor dele mudar. — Primeiro Portão: o Portão da Abertura, abra!
De repente, a energia ao redor do corpo do avô parecia se intensificar. Norihime ficou de boca aberta, impressionada com a mudança. A aura em volta dele era palpável, e os olhos da rosada brilharam de admiração.
Ela tentou imitar o avô, mas não fazia ideia de como liberar aquela energia. Fez uma pose semelhante, fechou os olhos e tentou se concentrar. Alguns segundos se passaram, mas nada aconteceu. Norihime abriu um dos olhos, espiando para ver se algo tinha mudado, mas tudo parecia igual. Seu rosto assumiu uma expressão de total confusão, como se fosse um cachorrinho que não entendia o que estava acontecendo.
O avô olhou para ela, claramente vendo que a garota estava perdida novamente. Ele suspirou profundamente, mas com um toque de paciência em sua voz.
— Está bem, eu vou ajudar você.

O avô de Norihime se aproximou, observando a neta tentar, mais uma vez sem sucesso, abrir o primeiro portão. Com um suspiro, colocou a mão no ombro dela, suavemente, e disse:
— Seu corpo precisa estar preparado. Não é apenas uma questão de força ou determinação, mas de controle absoluto sobre o seu próprio corpo. Eu vou ajudá-la, mas isso vai exigir semanas de treino intenso.
Norihime, deu um sorriso largo e disse com entusiasmo:
— Eu aguento! Posso fazer o que for preciso, vovô! Só me diga o que fazer, que eu vou conseguir, eu prometo!
O treinamento começou no dia seguinte, e o avô não pegou leve com ela. A garota carregava pedras enormes em cestos amarrados às costas, subindo colinas íngremes, com o suor escorrendo pelo rosto. Ele a fazia meditar sob cachoeiras geladas, o peso da água caindo sobre sua cabeça quase a derrubando, enquanto ela tentava manter a postura. Sob o sol escaldante, a chuva torrencial e até sob a neve, Norihime nunca se queixava, embora seus músculos doessem e a exaustão fosse constante. O avô observava de perto, atento a cada pequeno progresso.
A cada tentativa de abrir o primeiro portão, porém, ela falhava. Sentia a energia se acumular, mas não conseguia ultrapassar a barreira que seu corpo impunha. O tempo passava, e semanas se arrastavam. Ela tentava com um sorriso, empolgada, mas por dentro começava a se questionar. Será que realmente conseguiria?

Certa vez, ao final de um longo dia de treinamento, Norihime caiu no chão, os braços e pernas pesados como chumbo. Seu peito subia e descia rapidamente enquanto ela tentava recuperar o fôlego. Estava coberta de lama, os cabelos rosados grudados ao rosto. O avô, vendo o estado dela, se aproximou e perguntou com um tom sério:
— Você quer desistir?
Ela ficou em silêncio por um momento, respirando fundo. Seu corpo estava no limite, as pernas tremiam de tanto esforço. Mas então, lentamente, ela balançou a cabeça, negando. A voz saiu entrecortada, mas cheia de determinação, enquanto ela levantava os olhos cansados, mas ainda brilhando.
— N-não... Eu vou conseguir. Só... Só me dê mais um tempo, vovô... Eu posso fazer isso. Eu sei que posso!
Apesar de seu olhar severo, o velho homem não pôde evitar um pequeno sorriso de orgulho. Ela estava exausta, mas aquela chama nos olhos, a mesma que ele vira tantas vezes no passado nos próprios orbes, ainda ardia com força. Havia ali um futuro.

O treinamento com o avô se intensificava a cada semana, mas com o tempo, a jovem começava a suportar as dificuldades com mais facilidade. A rotina era extenuante: subir morros carregando cestas pesadas, meditar sob cachoeiras gélidas, e enfrentar o sol escaldante e a neve fria. Cada dia era um desafio novo, mas a determinação dela nunca vacilava. Naquela manhã, ela chegou para treinar e não encontrou o avô em lugar algum. Pensando que ele poderia ter saído para alguma tarefa ou talvez ido ao mercado, a jovem decidiu começar o treino sozinha. As pedras pesavam nas suas costas enquanto ela subia o morro na floresta atrás da propriedade, determinada a manter o ritmo. De repente, um rosnado profundo cortou o silêncio. Ela parou abruptamente e se virou, seu coração acelerando ao se deparar com um enorme urso castanho, com cerca de três metros de altura. A jovem ficou paralisada por um instante, o medo estampado em seu rosto. O urso rugiu, levantando-se em pé e mostrando suas garras afiadas. O medo era palpável, mas a jovem tentou reagir. Ela desviou do golpe do urso no último segundo e começou a correr, mas a vegetação densa e o peso das pedras a retardavam.

O urso continuou a persegui-la, rugindo furiosamente. Ela corria, desesperada, até encontrar uma enorme rocha bloqueando seu caminho. Sem saber o que fazer, a jovem se lembrou do treinamento. Com o coração batendo forte, ela reuniu toda a energia que conseguiu e repetiu as palavras que o avô usava. Uma sensação incrível de poder tomou conta dela em um instante. Seus músculos se fortaleceram e sua mente clareou. Sentiu um impulso como nunca antes, como se uma força invisível estivesse impulsionando seu corpo. Com um movimento rápido, ela usou a mão esquerda para agarrar a pata do urso e, com a direita, preparou um ataque com o "Dekopin". O golpe simples, mas potente, fez o urso ser arremessado vários metros para trás. O animal, atordoado e provavelmente assustado, fugiu pela floresta, desaparecendo de vista. A jovem, ainda atônita com o que acabara de fazer, olhou para suas próprias mãos e para o terreno ao redor. Sem acreditar no que tinha conseguido, ela correu de volta para a casa, seu coração ainda acelerado pela adrenalina. Quando chegou, encontrou o avô na entrada da casa, que a observava com um sorriso orgulhoso.

— Vovô! Você não vai acreditar no que aconteceu! Eu vi um urso enorme, e eu consegui usar aquela coisa que você me ensinou! Foi incrível!
Ela começou a contar rapidamente o que aconteceu, suas palavras atropelando umas às outras em uma tentativa frenética de descrever o que havia vivido. Sua voz estava cheia de entusiasmo e excitação.
Enquanto ela falava, uma surpresa: a mãe apareceu. Semelhante a ela em aparência, mas com um olhar severo e irritado. A mulher olhou para o avô com desaprovação e, com um tom ríspido, disse:
— Eu não acredito no que estou vendo. Deixei bem claro que NÃO queria que ensinasse isso a Norihime.
A jovem ficou confusa, olhando alternadamente para a mãe e para o avô, sem entender a tensão entre eles.
— É um direito dela.
Mas a mãe rebateu:
— É direito dela? É o direito dela se explodir? É isso que você está me dizendo?
A garota tentou intervir, mas a mãe a cortou abruptamente:
— Vamos, Norihime, estamos indo.
A jovem, ainda tentando processar a situação, sentiu um cansaço extremo começando a se instalar. O efeito do portão começava a passar, e a fadiga acumulada ao longo do treinamento e da batalha fez seu corpo fraquejar. Ela não conseguiu se manter em pé e desabou na neve. Começou a ouvir os gritos e a discussão, mas as palavras eram fragmentadas e incompreensíveis, como um ruído distante. As últimas palavras que conseguiu captar foram “explodir”, “perigoso”, e “última vez”.
Então, tudo ficou escuro. Quando ela despertou, estava em sua cama, na casa, com a porta do quarto trancada.