Era uma manhã atipicamente fria em Iwagakure, onde os ventos frios faziam com que todos os cidadãos fossem obrigados a se esconderem atrás de casacos volumosos e posturas retraídas. Para onde quer que se olhasse, todos compartilhavam a mesma sensação friorenta, pelo menos aqueles que tinham que sair do conforto de suas casas e ganhar mais um dia de trabalho. Mas esse não era o caso de Ethan; ele permanecia alheio àquela situação debaixo das suas cobertas cinzas, de bruços na cama. Embora nunca conseguisse desfrutar uma boa noite, devido aos sentidos aflorados, gostava da ideia de ficar deitado pela maior quantidade de tempo que conseguisse, perdido em pensamentos recorrentes e preso em um loop de perguntas que jamais conseguiria responder.

O que o Hattori não sabia é que já não estava sozinho naquela casa. Deslizando por uma das janelas da cozinha, com passos inaudíveis, cautelosos, Raizo procurava por ele. Com cada respiração meticulosamente calculada para não o alertar, aproximou-se do quarto. Então, antes de anunciar finalmente a sua chegada, deu um sorriso discreto, transparecendo um lado seu que poucos chegaram a conhecer. Apesar dos sermões e das palavras ríspidas, no fundo, havia aprendido a gostar daquele garoto que sempre encontrava formas de fugir das suas obrigações — assim como um pai. Porém, no instante seguinte, obscureceu o semblante e acordou o menor com uma pancada na cabeça. O golpe com a bainha, ecoando um estalo oco pelo casebre, seria o suficiente para acordá-lo e para que ele entendesse o recado. Mesmo sendo pego de surpresa por aquela figura, Ethan sabia exatamente de quem se tratava, só conhecia uma pessoa nesse mundo todo tão desagradável para fazer algo do tipo.

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— Francamente, não sei por que não fico surpreso com isso, seu vadio. Deixa eu adivinhar: quando for se apresentar amanhã no quartel-general, vai alegar que estava indisposto. — No fim do sermão, o velho iria até a cozinha e pegaria uma cadeira para se sentar, colocando-a perto da porta do quarto, de frente para a cama.

— Raizo, acho que se esqueceu de dizer o quanto sou idiota — disse Ethan, apoiando as costas na cabeceira, sentando-se. — Mas que bom que você veio me procurar com uma tarefa muuuuito urgente, que certamente precisa de toda a minha atenção. Fico comovido com isso. Não é como se eu tivesse algo para fazer com o meu tempo livre.

— “Tempo livre”? — Raizo cerrava os olhos, incrédulo. — Tudo bem, vamos apenas fingir que você não passaria o dia inteiro na cama, pensando na ideia de levantar e fazer algo de útil. Enfim, que seja. Não é para isso que vim aqui hoje, garoto. — Então, foi acometido por um desânimo repentino, abaixando a cabeça e mantendo o olhar fixo no chão empoeirado. — Ethan… O que você diria se eu pudesse te oferecer uma chance de fugir de todas essas merdas que sempre o perseguiram? Olha, antes que venha com algum comentário espirituoso, saiba que só estou fazendo isso porque fiquei sabendo de alguns boatos sobre você. Pelo que ouvi, você deixou algumas pessoas importantes furiosas. E claro, uma hora ou outra eles virão atrás de você, é só uma questão de tempo.

— Me recuso! Deixe que venham, consigo acabar com cada um deles. — Ethan virou o rosto e fez uma careta, ofendido com a oferta.

— Ethan!!! Isso não é uma brincadeira. — O velho continuou com a cabeça baixa, no entanto, começava a pressionar as palmas das mãos com as unhas, criando coragem para voltar a falar. — Os assassinos que virão atrás de você, sem sombra de dúvidas, são mais fortes, mais rápidos e mais espertos que você. Não vê que fugir é a única opção? Droga, por que nunca me escuta? Por quê?

— Vamos imaginar que você está certo, e aí? Passarei a minha vida inteira fugindo? Claro, sem contar que isso não é humanamente impossível, considerando que uma ou outra eles vão me encontrar. Então me dá um tempo.

— Por favor — Raizo deixou todo o orgulho de lado e pereceu, encostando a testa no chão em uma súplica —, só aceite o que estou propondo. Há um jeito, mas preciso que você me prometa que sempre continuará fugindo, não importa se vai ter que ir para o outro lado do mundo; apenas faça! Eu te imploro. Simplesmente não aguento mais continuar perdendo todas as pessoas com quem me importo; uma após a outra, isso nunca para.

Assim que a súplica chegou ao fim, já tendo dito tudo o que podia para convencê-lo, Raizo levantou, retirou um pergaminho do kimono azul com entalhes dourados e arremessou o papiro no colo do Hattori. Após isso, só podia esperar que o garoto fizesse a escolha certa. Sendo esse o caso, não insistiu com a ideia e saiu dali pela mesma janela entreaberta da cozinha.

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Ethan continuaria naquela mesma posição por mais alguns minutos, pensativo. Mesmo tentando compreender os motivos daquele homem que considerava como o seu professor, não entendia o porquê de ele ter ido tão longe. Quando pensava no que acabara de acontecer, as memórias com aquele velho rabugento e orgulhoso não saíam da sua cabeça, em uma tentativa desesperada de entender a proporção de um ato como aquele, onde o mesmo deixava os seus princípios de lado pelo bem de outro. De todas as perspectivas e ângulos que encarava aquilo, Ethan sempre chegava à mesma conclusão: Raizo estava desesperado. Temia pela decisão do menor e fez tudo o que estava ao seu alcance para fazer com que o aprendiz tomasse a escolha correta. E conhecendo Raizo como o conhecia, sabia o quão difícil devia ter sido para ele.

Não demoraria muito até a culpa começar a assombrar Ethan; ele se arrependia por cada palavra dita naquele quarto mal iluminado. Mas, àquela altura, não havia nada o que pudesse fazer para mudar isso, isso era algo impossível para um mero mortal como ele. Contudo, se quisesse se redimir pelo ocorrido, o correto seria aceitar o pedido dele e aprender a “fugir”, seja lá o que isso significasse.

Logo que estendeu o pergaminho sobre a cama, deixando-o estirado e revelando a sua extensão, seria introduzido ao termo mais recorrente dos escritos, o Espaço-tempo. A princípio, sem nenhuma explicação prévia, via-se completamente perdido, sem entender ao certo o que isso queria dizer. Até tentou deduzir o seu significado utilizando a imaginação, encarando de forma literal a junção desses termos, mas não obteve nenhum resultado na tentativa.

No primeiro dia, ainda tentava compreender o que as informações contidas no pergaminho queriam dizer, e, principalmente, como isso se conectava às palavras do seu mestre. E assim seguiu por incontáveis horas, perdido em um turbilhão de informações jogadas ao ar, com jargões que desafiavam a sua compreensão e com termos abstratos demais para serem reais. Porém, existiam também momentos do dia em que realizava algumas pausas para comer e para ir ao banheiro. No restante do tempo, entretanto, toda a sua atenção estaria voltada para o desconhecido.

[…]

Os dias passaram e, igualmente, as semanas correram, mas, em contrapartida, uma coisa continua igual: Ethan seguia perdido na própria ignorância, preso em questões obscuras e inexplicáveis. Desde que começara a se aventurar naquela leitura silenciosa e tortuosa, há cinco semanas, sabia muito bem que seria difícil se habituar àqueles conceitos e explicações — era o esperado —, no entanto, jamais imaginou que seria consumido de tal forma pela tarefa. Perdia noites de sono pensando sobre o assunto, não conseguia comer direito, fazia dias que não tomava sol e não se exercitava. Ainda por cima, começava a enxergar explicações em lugares em que elas não existiam e, lentamente, sentia que não podia confiar na própria mente. Naquela altura, a dedicação que desprendia para o assunto já tinha se transformado em uma obsessão, onde todo o seu mundo girava ao redor daquilo.

Assim que o Hattori terminou de devorar o pergaminho, consumindo tudo o que ele tinha para oferecer, partiria para o próximo passo: encontrar outras referências. Embora tivesse o suficiente para ter uma base sólida sobre o assunto, ainda assim sentia que havia tido um contato superficial com conceitos que fariam toda a diferença no futuro. Se quisesse mesmo suprir as expectativas do mestre, precisava ir além. Portanto, logo que se viu estagnado, não demorou muito para recorrer a outros títulos, tendo um contato com visões diferentes e nomenclaturas divergentes, mas que tinham um único objetivo: o famigerado Espaço-Tempo. Para a realização dos estudos, religiosamente, ia todos os dias até a biblioteca da vila, sempre em busca de exemplares que serviam aos seus interesses.

[…]

Ethan, pela primeira vez na vida, realmente havia se esforçado, disposto a fazer o que fosse preciso para cumprir o seu objetivo. Como resultado, após semanas turbulentas, entendia o que Raizo queria dizer com “fugir”, afinal de contas, havia conquistado esse direito.

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