ㅤㅤEla invadiu os sonhos dele mais uma vez, sem pedir permissão. Nunca pedia.

ㅤㅤDiferente das várias vezes que vira-a, nessa ela sorria, e estava tão linda... Os adereços do cabelo dela tilintavam como sininhos, e o vestido cintilava resplandecente ao contato com a luz do sol do verão. Ele olhou para essa cena conscientemente, sabia que não era real, mas não ousou impedir seu curso. Queria ver até onde ia.

ㅤㅤEla o olhou do fundo do salão, e o sorriso se foi, sobrando somente apreensão. Não. Continue sorrindo, por favor...

ㅤㅤSua presença no aniversário da menina era uma incógnita até para ele, não era um rapaz sociável, e sempre que podia evitar locais cheios o fazia sem pensar duas vezes.

ㅤㅤReviver este momento específico, agora, depois de tudo o que acontecera, fez-o triste, e logo raivoso. Eu jamais devia ter vindo! Uma afirmação difícil, que ele só expôs porque ela não podia ouvir seus pensamentos.

ㅤㅤQuando as mãos dela tocaram as dele à bravata anterior foi esquecida, nunca existira. Mãos frias... Como uma princesa de neve, Akemi era gélida no sonho, mesmo com gestos tão calorosos. A ponta da cauda do vestido dela descosturava-se em névoa.

ㅤㅤ– V-você veio! – Era radiante ao vê-lo, ainda que muito tímida. Tão perfeita...
ㅤㅤ– É. E-eu, estou numa missão. – Um pretexto, na verdade.
ㅤㅤ– Eu tinha quase certeza que você não viria, e entenderia perfeitamente se isso acontecesse. Imaginei que você estivesse ocupado com seus afazeres ninjas, sei como é difícil a vida de um shinobi. – Estava enganada, ele preferiria enfrentar mil inimigos num fronte ao ter que encarar um baile de aniversário. Sem pensar duas vezes.

ㅤㅤEla o levou para conhecer o castelo. Cruzaram corredores e corredores infindáveis, cômodos e mais cômodos, tudo isso para chegarem até o único lugar que importava...

ㅤㅤ– Esse é o meu quarto. É aqui que eu durmo. – Ela entrou, e ele permaneceu na porta. Tolo, o que está fazendo ai parado? – Você não vem...? – A voz dela era ainda mais convidativa no sonho. Não lembrava dela ter sido tão... deixou a palavra morrer.
ㅤㅤ– Eu já o estou vendo daqui, muito bonito. – Tolo, tolo, tolo! Um tolo, Kaguya Eru, por que não entrou com ela? Por que? Por que? Era fácil saber o que tinha que ter feito, agora vendo tudo de longe, no momento contudo, ele nem pensara nessa possibilidade.
ㅤㅤ– Ah... – Ela murchou como uma flor no outono. – Tudo bem. Vamos, vou te levar ao jardim, lá tem algo que eu quero te mostrar.

ㅤㅤO jardim nunca chegaria entretanto, e a paisagem do sonho alteraria-se drasticamente depois que deixassem os aposentos da menina, tornando-se escura e densa. Nada é verdadeiramente escuro quando ela está por perto. E de fato, na escuridão à sua volta, Akemi era o único ponto de luz que conseguia ver, seus cabelos brilhavam com a cor da lua cheia. Ela o conduzia para algum lugar.

ㅤㅤ– Vem, Eru. Eu quero muito te mostrar esse lugar. – A voz era baixa, como se estivesse contando um segredo.
ㅤㅤ– Aonde estamos indo, Akemi? – Ele também atenuou o som de sua voz. Mesmo desconfiado ainda a seguia.
ㅤㅤ– Você vai ver... – Só as madeixas delas eram visíveis daquele ângulo. Ela parecia um ser divino.

ㅤㅤNão havia notado o lugar onde estavam, e quando o fez, era um corredor, com uma porta de aço em seu fim. Mesmo com o breu total, a aldraba de aço era visível, e ele não precisou abri-la para saber o que o aguardava do outro lado. O navio... Ela seguia o caminho até a porta de forma inquestionável, queria que ele a abrisse.

ㅤㅤEsticou a mão para puxar a alavanca giratória, abrindo-a. E num piscar de olhos...

ㅤㅤLá estava, deitado, ela sobre ele, ofegante e preocupada. Agrada-lo era tudo o que mais queria.
ㅤㅤA espada ainda estava perfurada na flor da primavera, desabrochada agora. Eles nunca haviam feito aquilo antes.
ㅤㅤAproximou os lábios do dele. Se ele pudesse, viveria nesse momento para sempre.


ㅤㅤPausou antes de concluir, e aquele segundo foi sentido por todo o universo.

ㅤㅤA lâmina da espada foi pressionada até o fim, e as estrelas do céu os rodearam assim que aconteceu, lânguidas como vaga-lumes. Ela disse que me amava bem nesse momento. Se lembrou.

ㅤㅤ– Eu amo você... – Tal como previra. No sonho, a frase saíra com um pesar. Ela está triste.... pensou, mas logo em seguida soube. Não... você é que está.

ㅤㅤAkemi repetiria a declaração mais algumas vezes, mas ele não a permitiu dessa vez, selando os lábios dela com mais beijos, cada vez mais demorados, cada vez mais intensos... A flor apertava a espada com justeza, tal como um punho apertaria seu cabo.

ㅤㅤEle fechava os olhos algumas vezes, tentando se esquecer que era um sonho, fingido que tudo aquilo era real. De fato, sentia como se fosse. O que eu precisaria fazer para ter esse momento de novo? Dominar o mundo? Destruí-lo? Eu faria, mais de uma vez se fosse preciso. E infelizmente nada disso adiantaria, porque o passado não pode ser desfeito, e mesmo quando consertado... As coisas não voltam como eram antes.

ㅤㅤOs beijos, antes intensos, diminuíam, agora eram suas mãos que apertavam-na, tentando agarra-la, para que ela não escapasse de seus braços. O aperto forte descosturou as linhas etéreas do sonho, desfazendo a princesa num nevoeiro azul celeste, frio como o inverno do País da Água.

ㅤㅤSe não chorasse estava morto.

ㅤㅤAs lágrimas caíram em seu colo ao mesmo tempo que a água do oceano trincou as janelas da cabine, invadindo-a, e então o fim.

Notas e Explicações: