— Izuku... o que pensa que está fazendo? — Os olhos do azulado se arregalaram quando a voz potente de seu pai chegou por trás de seus ouvidos. O corpo do garoto ficou estático por alguns segundos, enquanto observava em seu espelho a figura loira parada atrás de si. Em meio a um olhar decepcionado de choro, o jovem garoto tecia selos de mão, na intenção de conseguir algum progresso nos treinamentos de ninjutsu da academia, abalado o suficiente para estremecer os dedos a cada nova tentativa, falhando miseravelmente sem nem um sinal de que estava progredindo. — Eu... eu não consigo papai. Estão zombando de mim... me chamando de aberração, de fraco... eu.. eu não sou fraco, sou? — Os fios arrepiados e azulados do garoto foram tocados pelas mãos de seu pai, bagunçando os fios com um sorriso sincero e largo no rosto. Na porta, escondida, a mulher de fios igualmente azuis, observava a conversa dos dois com os olhos marejados. — Fraco, Izuku? Hahaha, você é o mais forte de todos nós, afinal você é o meu filho, não? — O homem se abaixou, igualando sua altura com o filho e ambos se observavam no espelho. Apesar da nítida diferença em sua aparência, Izuku tinha os fortes traços de seu pai na forma de sorrir. — Você vai superar esses desafios, meu filho. Lembre-se de uma coisa, Izuku... nunca se esqueça, o trabalho duro vence o dom natural! Você vai provar para o mundo inteiro que a sua força de vontade te transformará no maior ninja que todos já viram. — O tom de voz sequer estremeceu, mesmo que por dentro a figura paterna estivesse ansiosa. — Esse é o seu jeito ninja. — Com um leve soco nos ombros do filho, o loiro se levantou sorrindo mais uma vez. Izuku se espelhava naquele homem, sorrindo de volta, erguendo seus braços demonstrando sua força. — Eu vou me tornar forte igual o senhor, papai! — A cena se desfazia lentamente, como cacos de vidro que se formavam como um fragmento de memória. A tela se rompia e apenas o escuro restava.

Um flash esverdeado brilhava no fundo da escuridão. Sua luz aumentava gradativamente, se tornava vermelha e se apagava novamente. Um segundo flash surgia, esverdeado, sua luz se tornava levemente azulada com o tempo e toda a escuridão se desfazia perante a força daquela energia. — Venha, Reboro, deixe eu te mostrar o que é determinação de verdade. — A explosão de energia abalou as trevas, a coloração se tornou avermelhada na forma de um imenso dragão. Tudo estremeceu, sequer o vento conseguia se manter equilibrado, e o avanço da forma dracônica rompia mais uma vez as barreiras da memória, estilhaçando aquela cena. A escuridão se formou novamente, contaminando todos os pensamentos que surgiam, dominando com sua forte presença. Olhos carmesim, o ninja mais forte do mundo. — K-Keisuke? O que está fazendo aqui? — Questionou. A verdade era que Izuku não conseguia controlar seus pensamentos. Em um estado profundo de meditação, seu corpo havia sido levado pela calmaria, nadando em um mar de memorias boas, outras ruins.

Por muito tempo viveu sua vida guiado pela busca da paz, guiado pela motivação de unir as nações em prol de um mundo melhor, onde não precisasse mais levantar seu punho contra as forças do mal. Mas dentro de seu ser, adormecido, ainda existia a escuridão que um dia foi o cão guia de seus passos. Se agora lutava pela paz através da união, antes lutava pela paz através da dominação. Não sabia, mas aquilo ainda vivia dentro de seu ser e a busca pelo equilíbrio perfeito entre os dois sentimentos era o que tornaria Izuku um guerreiro perfeito. Meditava diariamente em busca do equilíbrio, em busca da sua verdadeira motivação. A quebra de suas barreiras ninjas questionava toda uma geração da genética do Clã Lee, questionava até mesmo sua posição real dentro da família. Nunca havia conhecido um membro que havia conseguido superar as barreiras. E se... apenas e se, não fosse um membro real daquele Clã? Apesar das semelhanças com seu pai, Izuku carregava muitos traços de sua mãe. A posição de lótus que mantinha a algumas horas fazia seu espirito se acalmar aos poucos, vasculhando em sua consciência a verdadeira forma de sua alma.

A fuga de Kirigakure demonstrou para o azulado como sua força poderia ser questionada. Como sua existência poderia ser pequena diante da imensidão do mundo. A aura verde em seu interior exalava de seus poros, estremecia o chão e abalava a calmaria dos ventos ao seu redor. Sua testa franzia, sua respiração aumentava, a expressão em seu rosto mudava de calma para raiva, e de raiva para calma, em um ciclo que parecia não terminar. — Nobu? Co-como? — Em seus pensamentos, a presença de seu mestre, Nobu, era tão real que questionou sua trajetória até aquele momento. — Tolo! Uma vez tolo, sempre será tolo, não é mesmo Izuku? — Nobu sempre portava uma velha bengala de madeira, me ‘’acertando’’ no topo da cabeça. — Você foi mesmo um presente para a família Lee. Mas deve saber a verdade, não?  — O velho se aproximou e se sentou, na mesma posição que seu aluno. A presença daquele homem fez o coração do Nukenin se acalmar mais uma vez. — É raro ver um membro do Clã Lee que consiga superar as barreiras... ou quase impossível. Isso já deixa bem claro o que eu quero te dizer, não deixa, Izuku? — A voz do homem era velha, sofrida, mas aos poucos começava a se transformar em uma voz jovem, porem mantendo a rusticidade. A forma de Nobu se tornou maior, loira, novamente seu pai estava ali. — O sangue que corre em suas veias meu filho... pode não ser o mesmo que o meu, nem o mesmo que a sua mãe. Mas o espirito que habita seu corpo e a sua determinação com certeza são uma marca de que é o meu filho... e a bondade tão bonita é a marca de sua mãe. — A voz da figura paterna se desfez e como um vidro aquela memoria se quebrou. A aura de Izuku desapareceu junto, como se a forma do Hachimon que adormecia em seu corpo estivesse sumindo aos poucos. Aquilo aliviava o corpo do Nukenin, mas ao mesmo tempo parecia arrancar um pedaço do que ele entendia fazer parte de si. Ao abrir seus olhos, o transe estava intacto, mas a última pessoa a quem imaginou recorrer estava presente ali.

Os fios azulados de sua mãe estavam tomados por uma cor avermelhada, tão pura que o calor de seu tom aquecia o frio da pele de Izuku. — M-mãe? — A verdade era que a relação materna de Izuku nunca foi tão forte quanto a paterna, mas algo naquele momento parecia gritar por ela. — Meu pequeno Izuku... como você cresceu. — A ruiva se levantou, abraçando o garoto com o calor de seus braços. Com o primeiro toque suas mãos, o corpo do Nukenin tremeu, seus olhos se arregalaram e toda a escuridão de sua mente se destruiu, com um imenso brilho dourado preenchendo cada canto de sua visão. Seu corpo frio se tornou quente, como se algo fervesse em seu interior. O perfume daquela mulher o lembrou um campo florido, seu toque o calor de um deserto escaldante. — Mãe... o que está acontecendo? — Ainda incrédulo, parecia perdido no mundo. — Pequeno, nos desculpe por esconder por tanto tempo. Pode não ter nosso sangue, mas tem o nosso amor. — Com um sorriso, a figura materna deixou um beijo na testa do garoto. — Eu... eu me tornei um criminoso, mãe. Deixei a Aldeia da Névoa. — Abaixou a cabeça, com a dor de seus atos o consumindo. — Eu busquei a paz, mas olha o que eu fiz comigo mesmo. — Levantou os olhos para vê-la, e estava completamente marejado. — Meu filho não é nenhum criminoso... pode ser um homem confuso, mas criminoso não. Talvez a Névoa não fosse seu destino, bebê. Como podemos saber o que os Ventos reservaram para a nossa vida? Hm? Siga-o e você encontrará a força que procura para a paz, para a sua própria paz, meu filho. Meu pequeno Izuku Uzu... — A meditação do azulado se interrompeu. Seus olhos se abriram na escuridão da noite. Abaixo de suas pernas, as rachaduras no solo demonstravam a instabilidade em seu chakra, mas por mais que tentasse... parecia impossível sentir novamente a força dos portões. — O que... o que aconteceu? — Olhou para a própria mão, algo estava diferente. Sua força, sua identidade. — Uzu... Uzu o que? Mae... por favor... — Fechou os olhos buscando retornar, mas já era tarde demais. — Merda! — Socou o chão com raiva. — Os Ventos... o que você quis me dizer com isso? — Se levantou olhando para o horizonte. Estava meditando em um penhasco e tudo o que via era o mar. A busca solitária pela paz do mundo se desviava levemente. — Primeiro preciso encontrar a minha própria paz. Eru, Keisuke, Yuji, vocês fazem parte dela... mas eu ainda estou perdido. Eu preciso... deixar o Vento me guiar... o vento... — Uma forte brisa atingiu o corpo do Uzumaki, sua respiração se tornou leve. Abriu ambas as mãos, olhando as linhas da palma. Alguns grãos de areia escorriam de suas mãos para o chão. Os ventos sopravam os grãos para o mar. Algo se desprendia de Izuku, mas ao mesmo tempo algo novo o preenchia, mas não sabia o que.