ㅤㅤA lufada gélida despertou-o do sono desregulado, desorientado e abatido. Que horas são? Não fazia ideia. Eram dezoito horas, o que significava que havia dormido por doze horas, algo que para qualquer pessoa comum seria alarmante, mas ele já estava acostumado. Arrumou-se, sem esmo e capricho, apenas para que tivesse condições de sair de casa.

ㅤㅤO lado de fora era tão frio quanto o seu lado de dentro, mas lá fora brilhava ao menos. A época do festival Natalino enchia as cidades e vilarejos de todo o mundo, com luzes e esperança. Em Kirigakure, não era diferente. As ruelas e avenidas principais, todas eram tomadas por lamparinas de muitas cores e um espirito renovador que acalentava e envolvia as pessoas.

ㅤㅤSeu amigo, Teri, no dia anterior, tinha-o convidado para cearem juntos. A família dele, era uma daquelas típicas famílias que faziam questão de ter todos os membros presentes em datas e comemorações como essas. Eru, claro, enjeitou o convite, alegando uma missão de última hora. Uma inverdade. Não havia trabalho algum para ele aquele dia, era apenas sua inabilidade social e solitude, fazendo-o declinar de situações que poderiam ajuda-lo com seus entraves emocionais.


ㅤㅤPerambulou pelo o vilarejo e descobriu, poucos minutos depois, que não aguentaria. Era demais para ele. Toda aquele júbilo demasiado das pessoas estavam afetando-o de uma forma que não estava disposto a lidar. Um lugar silencioso e calmo, é o que eu preciso. Recorreu a sua estratégia mais utilizada, a fuga. O escape. O que eu não vejo não pode me afetar. Estava enganado.

ㅤㅤLevou seus pés para o interior do Vilarejo, o mais longínquo que pôde chegar. Seu sobretudo aplacou os ventos gélidos durante o trajeto, mas àquela altura já não era insuficiente, de modo que estava a se debater enquanto andava. Agora, longe o bastante da urbe, enxergou-a daquela altura e a viu do tamanho de um quadro de parede. Melhor, bem melhor... A balburdia não conseguia mais chegar até ele. Nenhum som ali, exceto o das rajadas álgidas que colidiam com seu corpo.

ㅤㅤNo bosque à sua frente, somente árvores e neve. Muita neve. Assustou-se a ver uma criança, correndo com toras de madeira nas mãos por entre os caules escurecidos. Ela, diferente dele, não se debatia e parecia confortável com aquele clima tortuoso. Ao vê-lo, assustou-se, batendo em retirada de volta à mata, deixando até mesmo alguns pedaços de lenha pelo caminho. Essa não. Sentiu-se culpado. Se aproximou dos pedaços caídos e os apanhou, colocando-os debaixo dos braços e rumando na direção que o miúdo tinha seguido.


ㅤㅤDez minutos, e veria uma fumaça escapando de uma choupana. Lá estava. Pequena, mas bem construída, a modesta cabana era ofuscada pelas árvores folhosas que a rondavam. Seu interior era iluminado, e aparentemente havia mais de uma pessoa lá, dado o falatório que o menino conseguiu ouvir.

ㅤㅤDetrás de um caule, Eru, observou, curioso, mesmo se debatendo devido a temperatura negativa. Observou. Observou... Até que seu organismo deu sinais de fraqueza, com a ponta do nariz avermelhando-se e um resfriado vindo logo em seguida. Não era tão resistente ao frio quanto gostaria, teve de aceitar. Em contraste à sua situação, as pessoas dentro da casinha de madeira pareciam aquecidos e falantes. Voltar para o vilarejo era a melhor das opções, mas não se sentiria bem lá.

ㅤㅤRelutou, antes que decidisse, e quando decidiu, fez sem pensar. Só fez.

ㅤㅤOs moradores ouviriam batidas afoitas na porta de imediato, quebrando a paz corriqueira da família. O homem que atendeu, pôde ver um mancebo, assustado e congelando do lado de fora, com neve acumulada nos cabelos, o nariz e os olhos vermelhos como um tomate, e a boca ressecada e quebradiça.


ㅤㅤ– B-boa noite... – Proferiu, como um garotinho perdido. Algo na frase, na entonação ou no jeito dele tocou o líder da família. Sequer precisou continuar, o homem só o colocou para dentro. Não se recordava de um ato tão hospitaleiro desde a visita à Akemi, na mansão dos Murakamis.

ㅤㅤNo externo, estava sujeito ao frio e a solidão, dentro da cabana, entretanto, era luzente e aprazível, mesmo pouco luxuosa. Entrou e reparou o ambiente, que mesmo sem opulência, era confortável e amistoso.

ㅤㅤ Foi recebido com olhos assustados. Primeiro da esposa, que não entendeu absolutamente nada. Depois das crianças; duas mocinhas e um rapazinho, muito parecido com o que tinha visto buscando lenha anteriormente. Ah, olha ele ai. Prontamente mostrou os pedaços de madeira que o pequeno havia deixado escapar.

ㅤㅤ – E-ele, ele os deixou cair. Lá fora. – Não se sabia, se o vermelho no rosto era de frio ou de timidez.

ㅤㅤDado o susto inicial, o convidaram para se sentar e comer. Era esperado que eles fizessem muitas perguntas, ele, porém, não era a melhor pessoa do mundo em responde-las, era demasiadamente reservado.

ㅤㅤ– Quer dizer que você é um ninja, então? – O homem lançou a indagação, ao que ele respondeu apenas com o balançar da cabeça, em afirmação. – Legal... Já conheci muitos ninjas. Vez ou outra eu vou até a Névoa, para comprar algumas coisas e vender outras.
ㅤㅤ– Querido, não fale de boca cheia. – A mulher o repreendeu. – E a sua família, Eru? – Ah essa, ele levou os olhos ao chão, antes que balançasse a cabeça novamente, dessa vez em negação. – Ninguém? – Continuou em negação. – Amigos? – Os olhos foram para cima agora, pensativos. Talvez ele tivesse.
ㅤㅤ– Acredito que um. Só um. Talvez, dois.
ㅤㅤ– É bom ter amigos. – Ela percebeu que o porco já estava no ponto. – Ah, finalmente. – Levantou-se para pega-lo. As crianças ainda o olhavam com desconfiança. Talvez, devido a seu semblante, ora sisudo, ora desconfortável. Mas se ele não quebrasse o gelo, os três pequenos é que não o fariam.
ㅤㅤ– Você é forte. Sempre ajuda seu pai a pegar lenha?
ㅤㅤ– Sim... – Respondeu, acanhado. Não devia ter seis anos. – Você é um ninja, né? – O tom infantil o deixava fofo.
ㅤㅤ– Sim. – Eru, o respondia como se falasse com um adulto.
ㅤㅤ– Quero ser um também. Dá? – Não queira isso... O que eu respondo...?
ㅤㅤ– A ceia está servida queridos! – Foi salvo pelo gongo. A mãe, roubou a atenção de todos e poupou-o de uma resposta importuna.

ㅤㅤO pernil era grande em tamanho e feito com muito carinho e zelo, pôde perceber, Eru. Todos eles uniram as mãos, para que realizassem uma reza. O Kaguya, fechou os olhos e uniu as dele também, mesmo não sendo religioso. Não queria ser descortês.

ㅤㅤ– Hoje é o dia para nós agradecermos. Façam seus pedidos também, para que o ano que vier. – A mulher, orientou. O garoto se pôs a pensar, ainda com os olhos vedados. Só peço que eu não enlouqueça. Que minha sanidade se mantenha intacta, sem ela nada sou. Peço também para que seja honesto em meus caminhos, que eu não me desvie de meus ideais. Que minha saúde seja suficiente, para que eu possa ver as mudanças que quero proporcionar. Agradecer... o que tenho a agradecer...? Refletiu de olhos fechados, acompanhando toda a energia religiosa da família. Agradeço por estar vivo, é. Mesmo com tantas coisas contra mim, ainda estou vivo, e isso é fortíssimo. Agradeço as pouquíssimas pessoas - mas boas - que conheço. As vezes não sou o melhor companheiro e amigo, mas eu tento. Eu juro. Queria poder dizer isso a elas, com todas as palavras que tenho.

ㅤㅤQuando findou, percebeu que havia sido o último a abrir os olhos, e todos já estavam a comer. O menininho, o olhava curioso.

ㅤㅤ– Tinha muito a agradecer hein, Eru? – O pai, disse com um bife de porco na boca.
ㅤㅤ– É... nem fazia ideia do quanto.
ㅤㅤ–Toma ai, pega um pouco. – Como dizer a ele que sou vegetariano..? Eles estão sendo tão legais... Come, vai. – Obrigado. – Aceitou. Faria um esforço para comer. Eles merecem. – Está uma delicia, senhora. – Constatou, antes que de fato pudesse sentir o gosto.
ㅤㅤ– Coma, pode comer a vontade. Você parece estar com fome. Está tão magrinho. – Estou...?
ㅤㅤ– Mulher, não ofenda o garoto assim, ele é um ninja. – Ele apanhou mais um pedaço generoso do pernil e colocou no prato de Eru. – Estava doente recentemente, garoto? – Ele riu internamente. Sério que estou tão magro assim...? Achou engraçado.
ㅤㅤ– Ta legal. Vou comer. – O fez, colocando dois filetes de carne na boca. Tinha se decidido em esquecer que era vegetariano naquele jantar.
ㅤㅤ– Adoro quando é natal, a comida sempre é deliciosa. – Uma das meninas comentou.
ㅤㅤ– Gostou, filha? Seu pai encontrou o porco hoje de manhã.
ㅤㅤ– O senhor, caça sempre?
ㅤㅤ– Sim, todos os dias. Mantenho essa família dessa forma. Vendo a maioria, e os outros eu trago para casa. – Parecia dureza. O caçador notou quando Eru, olhou para baixo, cabisbaixo. – Eu gosto de caçar. Nasci para isso. Me divirto muito. – Tentou confortar o Chunin. – Você, bebe? – Mudou de assunto. Eru, bebia menos do que poderia. – Pega ai. – Ele ofereceu um copo de vinho. Teve de aceitar.
ㅤㅤ– Bom. Bom também. Doce.
ㅤㅤ– É, ele é do bom. Conheço o velho, que faz os melhores daqui da região. Ele é gente boa.

ㅤㅤAquele clima amistoso continuaria a surpreender o jovem, que tinha a intenção de fugir e acabou se encontrando. Ele, que sempre lutava contra o destino, teria que dar seu devido crédito por aquele encontro inesperado. Se pedissem para que eu imaginasse algo, isto nunca passaria pela minha cabeça... Não sei onde estarei amanhã, nem sei se estarei... mas hoje estou aqui, e estou feliz por estar. Divagou, enquanto ouvia as histórias de caça do homem, com o barulho das crianças brincando ao fundo e a esposa se aproximando do marido, com ambas as mãos em seu ombro.

Agradecimentos: