Luma era uma mulher de 26 anos, e, contra todas as expectativas, estava casada. Seu casamento gerou comoção dentro de seu clã, pois ela era uma Hyuga da família principal, reconhecida como legítima herdeira do sangue que corria em suas veias, e, mesmo assim, o marido que escolheu para si era outro Hyuga; porém não de sua Casa, como era o esperado, e sim da Casa secundária. Com o advento da Folha Sangrenta os membros da Bunke passaram a ter direitos cada vez mais reduzidos dentro do clã, que buscava a excelência acima de tudo.

Aori chegou tarde em casa naquela noite, pois estivera em missão para o Banmedaime. Luma o recebeu com um sorriso – mas não os sorrisos gentis, porém desprovidos de sentimento, que habitaram em seu rosto por toda a infância; este era sincero, de uma pureza quase cristalina –, e ambos se beijaram.  Aori Hyuga carregava no rosto um pesar que eclipsava todo o brilho que antes lhe pertencia, o que fez Luma querer saber o motivo.

— Temo que terei que fazer algo que não desejo de todo o coração — ele disse, logo em seguida manoblando a conversa para o que mais lhe interessava: — Como está Sayuri?

— Está dormindo — ela sorriu, como sempre fazia ao se referir a filha. — Bebês dormem muito. Tenho certeza que eu não dormia tanto quando era um bebê.

— E quando você deixou de ser? — Ele provocou, devolvendo aos lábios seu sorriso.

Luma o olhou de soslaio, pensando em várias possíveis respostas, algumas mais inapropriadas do que outras, mas optou por uma risada alegre e divertida.

— Vamos comer. Então pode aproveitar e me contar sobre o que precisa fazer que lhe incomoda tanto.

Sentaram-se à mesa, cada um se servindo de uma porção de alimento. Ninguém, no entanto, fez qualquer movimento na intenção de comer.

— Algum problema? — Luma o encarava, ainda sorrindo.

— Batafurai a ensinou a usar todo tipo de veneno — ele a surpreendeu ao invocar o nome da sensei, que havia morrido há muitos anos. — Por que demorou tanto para tentar me matar?

Enquanto o silêncio pairava após a pergunta, lentamente o sorriso da mulher ia desaparecendo. No fim, seu rosto regrediu ao que fora dez anos atrás: uma máscara sem emoção alguma.

— Então você sabe.

— Seu registro de missões é impecável, mas é falso, não é? Uma maneira de encobrir onde realmente estava quando precisava sair. — Então declarou, como se aquilo retalhasse sua garganta: — Você é da Anbu.

— E você é Shugoshin — não era uma pergunta. Era isso que a mensagem informava, juntamente com as ordens para matá-lo em silêncio.

Ambos se encararam. Ninguém confirmou nada, não precisaram. Podiam ler a verdade nos olhos um do outro.

— É como naquela noite em que me contou que estava grávida.

— Você sorriu, e disse que já sabia.

— Acho que nesses últimos dias, foi essa lembrança que me manteve em pé.

— É uma boa recordação.

— Eu vou sentir falta de como éramos.

— Eu também.

A luta que se seguiu foi terrível, ainda que silenciosa – ninguém queria acordar o bebê. Luma era tida como a melhor dentro de sua divisão, mas Aori era formidável. Ambos mestres na técnica do Punho Suave, e sem poderem usar seus jutsus mais destrutivos, era impossível para um observador dizer quem sairia com vida dali.

Porém havia algo de peculiar naquela luta. Ainda que tentassem tirar a vida um do outro, seus golpes sempre perdiam a velocidade conforme se aproximavam. Nunca era um acerto direto, nunca miravam onde sabiam que a guarda seria quebrada. Não eram inimigos se enfrentando em um campo de batalha, eram um casal, que ainda hoje haviam acordado um ao lado do outro, e que tinham uma filha dormindo no andar de cima.

Mas ambos estavam também com as almas atreladas as suas causas. Luma era uma fiel agente da aldeia, cumpridora de todas as regras, ensinada desde criança a obedecer a hierarquia e as ordens do Hokage. Aori, um herói revolucionário, que carregava no peito as brasas da rebelião, comprometido com todos aqueles que acreditavam em sua causa.

Eles se amavam, sim. As lágrimas que desciam pelos rostos de ambos eram prova desse amor, uma evidência tangível de como aquilo era doloroso. E quem daria o golpe final? Quem partiria para todo sempre o próprio coração?

Aquilo não podia durar para sempre. Precisava terminar. A angústia crescia a cada golpe, e em breve alguém iria desistir e se deixar ser acertado. Não fosse a pequena Sayuri, talvez ambos tivessem cometido seppuko.

Quando se tornou insuportável, puxaram suas kunais e desferiram o último golpe, finalmente mirando onde sabiam que acertaria, deixando que a velocidade decida quem perderia. Gotas de sangue pingaram sobre o assoalho, e, cambaleando, caíram enfim.

Seus olhos se encontraram, e ambos esticaram as mãos, entrelaçando os dedos. Na imensidão sem-fim que era o brilho dos olhos um do outro, puderam enxergar uma vida diferente, um destino onde poderiam ter envelhecido juntos, e onde sua filha não cresceria sozinha sem o amor dos pais. Era um vislumbre de um paraíso que, presos ao inferno dessa terra, jamais poderiam alcançar. E então, com um último suspiro, a vida os deixou, e partiram juntos – enfim livres para se amar na pós-vida.