Desde que havia alcançado a posição de Gennin, eu comecei a perceber que talvez não tivesse o que era preciso para sobreviver dentro do mundo shinobi. Ainda mais depois da pequena e curta experiência que tive com Ichiro: eu era fraco, lento e já estava bem atrás dos demais ninjas com o mesmo cargo, não só pela inabilidade em Genjutsus ou Ninjutsus, mas também por não possuir uma carta na manga ou qualquer coisa que fizesse com que as pessoas ficassem de queixo caído quando olhassem para mim. As coisas não deveriam ser mais fáceis? Eu só precisava treinar Taijutsu, enquanto todos os outros treinavam três tipos diferentes de habilidade ninja e, ainda assim, eu era fraco. Obviamente aquilo me deixava triste, mas é como os verdadeiros preguiçosos, como eu, diriam: 'Se a vida te derrubar, aproveite que está no chão e durma.' E foi o que eu fiz: dormi... e dormi mais... e mais... talvez estivessem se passando dias, enquanto eu estava ali, "apenas" dormindo.

No entanto, dormir não significava apenas descansar, não para mim. Aquilo era uma maneira de sonhar, de processar memórias e, mais importante, uma forma de autoconhecimento. E no meio dessa longa temporada de sono eu acabei descobrindo algo sobre mim, alguma coisa que ficou escondida por anos, suprimida pela minha preguiça, ou talvez por certa alegria diária vivida dentro do orfanato, durante a infância. Naquele momento vieram algumas lembranças da época, um vislumbre do passado: eu, Ichiro e os demais correndo pelo jardim, os sorrisos estampados no rosto de cada um resumiam tudo o que sentíamos naquela época.

Em questão de segundos, tudo o que eu sonhava sumiu, um pano escuro tapou tudo, foi como se eu estivesse vagando infinitamente sobre o espaço: não conseguia falar nada, nem ouvir, muito menos ver. Rapidamente, aquele cenário também mudou: dessa vez um pouco escuro, mas me possibilitava ver os arredores. Sob meus pés, uma boa quantidade de um líquido vermelho, de cheiro forte de ferro, que supus ser sangue, cobria o chão de tudo aquilo que minha visão podia alcançar. No teto, estruturas parecidas com ossos e bem no centro de tudo, uma pilha de corpos e, no alto dela, uma grande poltrona feita de ossos. Uma figura se destacava ali, sentada sob todos aqueles cadáveres; eu ainda não podia distinguir aquela pessoa, mas suas vestes eram, em sua maioria, brancas. - Onde estou? Quem é você? - Proferi em um tom suficiente para que minha voz ecoasse por todo o recinto.

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Após minha pergunta ecoar por todo o lugar, um período de silêncio pairou no ar, como se houvesse uma tensão e uma pressão esmagadora tentando me subjugar naquele mesmo instante. Subitamente, a figura sentada se ergueu e começou a descer a pilha de cadáveres lentamente, pisando, sem qualquer tipo de respeito, sobre a cabeça daqueles corpos vazios. Ao atingir o mesmo nível que eu, ainda impossível distinguir o rosto do ser, notei que éramos praticamente da mesma altura, àquela distância não dava para afirmar, mas se houvesse alguma diferença, seria uma questão mínima de centímetros.

Passo a passo, a criatura foi se aproximando e a escuridão, que antes tapava seu rosto, começava a se esvair e revelar a verdadeira forma. - Com-Como assim? - Eu não conseguia acreditar naquilo, como era possível? Aquele ser era, na verdade, eu mesmo, mas sua aura era completamente diferente da minha, pra falar a verdade, era praticamente meu oposto. No seu rosto, destacavam-se marcas pretas, bem como nos braços e pernas.


- Surpreso? - A voz era a mesma, mas não eram meus lábios que mexiam, mas sim os dele. - Você já percebeu... Eu sou você... Ou melhor, o que você vai se tornar um dia, em algum momento da sua vida... - Aquilo era mesmo possível? Vislumbrar o meu próprio eu do futuro? - Aqui é o seu Palácio Mental, um lugar específico dentro de você, lugar este que você acumula tudo aquilo que lhe incomoda. Abandonado nas ruas e acolhido por um orfanado. Eu sou o ódio e o desespero pelo qual você passou e cultivou por esses anos, desde o início da sua vida. Eu fui suprimido todo esse tempo, mas como você pode notar, eu sou infinitamente mais forte do que você. Eu gosto de lutar, assim como você gosta, mas eu gosto da sensação de matar, de ver a vida se exaurir pelas minhas mãos, até a última gota... AHHH, essa sensação, não existe nenhuma outra melhor! - Eu sabia o motivo de estar ali e talvez até o motivo de ter me tornado aquilo: uma busca incessante por poder, mas eu tinha que perguntar. - Por quê eu estou aqui? - A criatura sorriu e fez uma pausa dramática. - E existe outro motivo além da busca por poder? Você tem uma coisa guardada dentro de si, muito poderosa e que se chama Hachimon Tonkou. Alguns ninjas também possuem essa habilidade, mas você tem o talento natural para dominá-la. Contudo, é como eu disse, eu sou você, eu sou seu verdadeiro Poder Oculto. Eu apareço quando você precisa, quando você se torna tão forte que nem mesmo você consegue controlar, aí é onde eu entro. Quando você utilizar essa habilidade, ou melhor, quando conseguir dominar ela, você se tornará cada vez mais parecido comigo. Vê essas tatuagens pretas? Quanto mais portões do Hachimon você abrir, mais parecido você ficará comigo. Elas começam discretas, do primeiro ao terceiro, ficarão nos braços e pernas, do quarto ao sexto, outras irão aparecer no rosto, e no sétimo e oitavo, por todo o corpo, sobretudo no tórax. - Eu me tornei imóvel, talvez estivesse entrando em estado de choque, ou impressionado demais tentando processar toda aquela informação.

- O que você deve saber de agora em diante é que quanto mais portões abrir, mais sanguinário e agressivo você irá se tornar. Todo o poder que precisa está aqui, basta dominá-lo. Venha até mim... - O ser falava, enquanto parou e abriu os braços. - Lute comigo para conseguir destravar esse bloqueio e liberar seu acesso aos portões... Você foi avisado das consequências, daqui pra frente a responsabilidade é sua... Vislumbre o que você irá se tornar!!! - Aumentando o tom de voz, ele esperou alguma reação minha, que ainda permanecia imóvel perante àquilo.

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Aquela situação me colocava em uma posição desconfortável demais. Aquele foi o preço que eu paguei por tentar me tornar mais forte? No futuro eu me tornaria um ser humano desprezível, sanguinário e, pior, deixaria de ser preguiçoso? Se aquele era meu alter ego, talvez eu devesse aceitá-lo, ignorar o problema poderia tornar aquela bola de neve ainda maior do que já estava. - Eu vou te aceitar e, daqui pra frente, nós vamos coexistir. Mas quem dita o que eu vou ou não me tornar sou eu! Minha vontade é ficar mais forte, sim, só que um dia eu quero parar de lutar e ficar atoa e, talvez, por alguns momentos, poder desfrutar de alguma honra ou glória conquistada de forma digna com meus amigos, meu irmão Ichiro. -

O Outro mudou seu semblante, de apenas um riso, para uma gargalhada sarcástica. - Pense o que quiser Oloril... Você, ou melhor, nós vamos nos tornar isso! No fim, você caminhará sobre um mar de sangue e sentará sob uma pilha de cadáveres, sobre um trono de ossos, assim como você me viu quando chegou. - Aquilo me irritou. Não importava se fosse verdade ou não, mas o fato de não ter controle sobre minhas próprias decisões ou saber que, não importasse o que eu fosse fazer dali pra frente, meu destino não seria o mesmo; isso sim me causava angústia. - Você diz ser forte, mas ainda não provou o seu valor... - No momento que proferi essas palavras, lancei-me em direção ao Outro, dando início ao combate.


Comecei desferindo socos e me movendo em minha velocidade máxima, mas o Outro me fazia parecer lento demais. Ele era extremamente veloz, eu tinha sequer passado perto de acertá-lo em pouco mais de algumas dezenas de segundos, exceto por duas vezes, em que ele bloqueou, apenas para alimentar o próprio ego, dois socos meus frontais. - Você entenderá a diferença de força agora, liberarei o poder do Primeiro Portão! - Proferiu enquanto desviava dos meus socos. A pressão do ar aumentou ligeiramente, as veias das mãos e pescoço salientaram-se mais do que o normal. Assim, com um movimento súbito, ele se moveu ofensivamente e, por uma fração de segundos, eu deixei de enxergá-lo, assimilando pequenas manchas ou sombras passando, como se ele estivesse absurdamente mais rápido do que eu. Quando finalmente ele parou, desferiu-me um soco tão forte na boca do estômago que foi o suficiente para fazer-me cuspir uma boa quantia de sangue no chão, senti uma enorme ânsia de vômito, mas não o fiz. Fiquei sem ar por 2 ou 3 segundos, enquanto ele me olhava de cima, com ar superior, como se jogasse na minha cara o que um simples soco despretensioso poderia me causar.

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A batalha continuou, de forma imparcial, sem que eu conseguisse tocar ou ver o Outro. - Você deseja esse poder? Aceite a raiva que você guarda, traga ela à tona... Concentre-se em seu chakra, na sua energia vital, sinta-a fluir e libere-a de uma vez. O primeiro portão e o último são os mais difíceis, depois você pega o jeito. - Ele falava como se fosse algo realmente simples. E provavelmente seria, se eu não estivesse apanhando feito um pobre coitado. Cada soco, cada chute, era como se me machucasse por dentro, lá no coração, como alguém que guarda algo por tanto tempo que fica impossível controlar depois. O sangue escorria, sobretudo, da minha boca e nariz, aos montes, mas era como se aquilo não fizesse diferença; eram apenas poucas gotas comparadas ao mar de sangue sobre o qual estávamos lutando. Aquilo era mesmo real? Talvez.

Entre um intervalo de soco e outro, procurei gravar na memória a sequência de golpes que ele usava, sua repetição. Direto de esquerda. Cruzado de direita. Soco no estômago com a esquerda. Chute baixo com a perna direita. E assim sucessivamente. Aguardei ansiosamente pelo chute e levantei a guarda para o soco direto com a mão esquerda, protegendo-me com os dois braços em forma de X. Consegui, mas não houve tempo para contra-atacar, já que um soco de pura energia, diferente dos demais, acertava-me mais uma vez no estômago. Previsível, mas impossível, em questão de velocidade, para defender ou desviar.


Aquele golpe tinha me pegado de jeito e também me lançado para longe, o suficiente para recuperar algum fôlego e conseguir pensar em algo. - Merda, merda, merda, merda... Aceite tudo isso que está acontecendo, Oloril. Aceite! - Pensei, desferindo um tapa no próprio rosto. Ele provavelmente sabia daquilo, tendo em vista o sorriso sarcástico estampado em sua face, mas pouco me importava. Assim como ele havia ensinado, concentrei-me e foquei, mas foquei naquilo que realmente importava para mim: tornar-me forte, o suficiente para proteger os meus e, óbvio, o suficiente para poder ser um preguiçoso de carteirinha. O suor passou a escorrer mais freneticamente pelo meu corpo, o sangue parou de escorrer e minhas veias começavam a salientar-se; eu estava conseguindo?

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O esforço físico que aquilo demandava era enorme, tudo aquilo, todo aquele esforço para abrir o primeiro dos portões, eu era realmente um ninja medíocre. - HAHAHAH Você o fez... Consegue se mexer pelo menos? - Finalizava com um sorriso prazeroso, como se gostasse de toda aquela sucessão de acontecimentos.


Tentei me mover. Estava óbvio para mim que meu corpo estava diferente. Os músculos estavam mais tonificados, enrijecidos. Eu me sentia mais poderoso, mais rápido. Olhei para o pulso de ambas as mãos e, assim como ele havia dito, quatro riscos pretos, dois de cada lado, como as tatuagens que ele comentara, estavam ali. Eu me tornava mais daquilo, mas a sensação era boa, eu poderia lutar contra quem aparecesse na minha frente, até mesmo aquela cópia fajuta. - Espero que você tenha medo de mim agora! - Desloquei-me rapidamente na direção do Outro, preparando para desferir-lhe um poderoso direto de esquerda. - Vá com calma, seu verme! - Foram as últimas palavras que escutei antes de ser nocauteado pela primeira vez. - Você liberou apenas o primeiro, ainda existem outros sete. Treine mais, talvez você não precise de mim, caso contrário, você sabe onde me encontrar. Aliás, não precisa pensar em mim como "O Outro", me chame de Sukuna... Um dia você entenderá o por quê. - Na verdade essas foram as últimas palavras que ouvi dele, antes de me desferir um peteleco na testa.

- AAAAARGGG - Baforei, como se estivesse completamente sem fôlego. Olhei ao redor e notei a repentina mudança de cenário, agora na minha própria casa, bem no meu sofá velho e desgastado. Eu estava completamente suado e com a maior parte do meu corpo dolorido. Aquilo foi um sonho? Era impossível explicar, mas eu podia sentir, dentro de mim, que as coisas tinham mudado. Tudo aquilo que Sukuna explicou, sobre os portões, eu me sentia mais forte do que antes, mais capacitado. O Primeiro Portão tinha sido desbloqueado no meio do meu potencial, mas a que custo?

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