A vida passou com agilidade sob seus olhos. Não havia muito desde a sua formatura na academia ninja; podia se lembrar do exato instante em que o professor lhe entregara o seu protetor do vilarejo. Um pedaço de metal retangular contendo a inscrição e marca do Trovão, tornando o garoto um shinobi representante dele. E, depois daquilo, descobriu sobre seu passado, enfrentou uma dupla e missões simples. A ordem dos eventos havia se embaralhado na mente, pois era tudo muito confuso agora. E não havia nada naquele mundo que pudesse balizá-lo melhor em seu caminho do que o treinamento. A prática que levava ao aperfeiçoamento. A tentativa eterna de se tornar um guerreiro incomparável, versado em campos infinitos e capaz de enfrentar qualquer pessoa como um igual.

No turbilhão de acontecimentos existia um casal que conseguia, sem dificuldades, endireitá-lo: seus pais. Era isso que fazia Munetoshi, o grande samurai, naquela noite calorosa: treinava o seu protegido. Estavam os dois no dojo que existia interno à residência onde viviam. Um longo salão, construído com a mesma madeira do restante da casa, porém com uma área ampla e apenas algumas poucas colunas a impedir o livre movimento. Ali, uma técnica protegia de quaisquer danos possíveis decorridos da prática das artes ninjas, quaisquer que fossem.
— Agora que conhece seu passado, Munenori, não há nada que aprisione o seu espírito, meu rapaz. Sua mãe e eu concordamos em ensiná-lo a se tornar o maior dos shinobis a partir de agora. Vamos nos dedicar exclusivamente a esse dever. Não perderemos ninguém que nos seja importante novamente, e cumpriremos a promessa que fizemos à Ashin-san. — contou-lhe, enquanto fazia a demonstração de golpes. — Vamos, tente me imitar à sua maneira. Pratique o seu punho gentil, mostre-me o poder do byakugan... — orientou.

O garoto sacudiu a cabeça, apagando os pensamentos. Encarou o homem e se posicionou à frente dele com os braços erguidos, preparado. O de meia-idade, sorrindo, o provocou convidando-o com a mão. Sem pestanejar, atacou. Os olhos, de rubro, se viram totalmente brancos. Um tom alvo bem próximo do translúcido. Com a sua acuidade visual, conseguia enxergar perfeitamente o sistema de chakra interno de seu senhor. Os pés engatilharam uma breve corrida, enquanto os braços visaram atingir, com a ponta dos dedos, todos os pontos de tenketsus do, então, oponente. Ele sabia que, tentar se defender com o próprio corpo seria suicídio, aprendera de uma maneira dolorosa com o velho amigo. Por isso, optou pela esquiva. Evadiu-se de todos os golpes, sem uma única exceção, transmitindo a sensação ao garoto de que era tão leve quanto uma pluma, flutuando, embora em queda-livre. Uma flexibilidade verdadeiramente invencível. Um domínio e consciência corporal além daquilo que se considera humano. O rapaz não conseguia parar de pensar no que teria acontecido no passado de Munetoshi para fazer com que ele fosse tão forte.

Olhando-o de perto, ele apresentava consistência e fluidez. Era como a água. Poderia destruir uma pedra, se pressionado. Ainda sim, era capaz de se adaptar à qualquer superfície que fosse inserido. Seu estado mudava em conformidade com as intempéries. Do outro lado, era Munenori uma porta. Duro, quadrado e inerte. Depois de uma centena de golpes, o único a ofegar era a porta.
— O pensamento o trai, garoto. Veja, o que sempre te ensinei? — interrompeu o garoto acertando-o com o indicador na testa. — Deve, antes de tudo, ter sempre em mente, dia e noite, desde a manhã de ano novo, quando pega os palitos para comer e tomar café, até a noite do último dia do ano, quando paga suas faturas, o fato de que um dia irá morrer. Essa é a sua principal tarefa. — afirmou recordando de um antigo ditado do bushido, a filosofia sob a qual crescera — Se irá um dia morrer, tudo o que tem de se preocupar é em fazê-lo com dignidade. Tendo feito o máximo, ultrapassado todos os limites, vencendo todos os desafios e se tornando um com a espada. A vida de alguém é limitada; a honra e o respeito duram pra sempre... — ditou, por fim.
As palavras correram o ar e atingiram o coração do rapaz feito um punhal adentrando a carne e o osso. "Por que eu temo tanto? Porque penso tanto no futuro e me privo de me superar aqui e agora? Eu vivo dizendo uma série de palavras bonitas, contudo nenhuma delas consegue refletir o que realmente sou. Sou pequeno e tenho a decência de reconhecer minha pequeneza ante tudo. Porém, não devo me ater a isso. Devo superar o eu de ontem, me concentrar em amanhã ser melhor que eu de hoje. Não há limite. Eu sou e serei o senhor de meu próprio destino. Caminharei sob o caminho do guerreiro, adorando e contemplando, aperfeiçoando-me sem fim." matutou por alguns minutos, enquanto num momento de pausa em que se hidratavam.

A força, pelo que acreditavam pai e filho, não residia tão somente nos músculos e no quanto se conseguia destruir com as mãos, mas residia sim na capacidade de conseguir se confrontar e se tornar um com a espada, agregando à si o céu e a terra, sem se envenenar com aquilo capaz de desviá-lo.
— Por se concentrar na folha, não enxergo a árvore e por não enxergar a árvore, jamais serei capaz de contemplar a floresta. Vejo que seu espírito estava em cacos, mas agora parece com um rosto menos abatido, vamos, uma vez mais, tente me derrotar e não se entregue. Transcendência faz parte de nossas vidas, enquanto espadachim. Não existe nenhuma montanha tão alta que não possamos escalá-la. — aconselhou, por fim, voltando à postura de combate com as mãos erguidas e tronco curvado.
— Sim, senhor. — atendeu, firmando-se com uma postura igualmente cerrada.

Munenori; 200/200 200/200 01/04

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