O ambiente onírico trazia memórias do passado, de danças e bebedeiras, de sorrisos suntuosos e amizades infindáveis. Os corpos que sinuavam sob a luz opaca do luar cessaram comigo sendo irrompido de minhas memórias fantasiosas.

O toque abrupto na porta de madeira trouxe-me em um pulo do que seriam mais ou menos dez horas de sono puro ininterrupto, fruto de uma mistura pouco peculiar de remédios e ervas que aprendi lendo retalhos de pergaminhos na biblioteca da vila. Ainda meio sonolento e macambúzio, deslizei a fechadura da porta e a abri. De fronte à mim, um jovem bem escanhoado, cabelos negros e curtos e olhos vívidos. Ele mais parecia a minha contra-parte; olhos cansados, cabelo claro e definitivamente sem o ânimo necessário ao momento.  

Recebi um aviso dizendo para comparecer à uma reunião às 20 horas, no quartel general do vilarejo da folha. Tinha mais ou menos doze horas para me arrumar e me dirigir ao local. Meus pensamentos inundaram-se de perguntas e uma leve ansiedade fluiu pelo âmago de meu ser. Vesti dois pares de camisas, uma de linho branco desgastada, por baixo. Por cima, uma flanela desabotoada, escura. Juntei os utensílios ninjas e a flauta, vistoriei-os uma ou duas vezes, guardei-os e prendi a bolsa na cintura. No findar das preparações, parti para o local designado quase meia hora de antecedência. Por mais que tivesse horas de preparo, acabei me atrapalhando mais do que imaginava.

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O ambiente onírico trazia memórias do passado, de danças e bebedeiras, de sorrisos suntuosos e amizades infindáveis. Os corpos que sinuavam sob a luz opaca do luar cessaram comigo sendo irrompido de minhas memórias fantasiosas.

Meu corpo translocou como um lento vaivém de um moinho, sutil mas preciso. Sabia onde ir, mas não o que me esperava. Quando cheguei, lancei um olhar perscrutador ao ambiente. Paredes e chão de madeira, indivíduos da alta patente jamais vistos, olhares fiscalizadores, penetrantes, cabelos grisalhos e até a falta deles. Um deles tinha barba e cabelo ruivos como a chama sob a lareira. Quando outras doze pessoas entraram, este homem começou a falar. Fitei cada um dos outros jovens com um olhar sereno, sem saber muito o que buscar neles.

Havia um certo toque de fúria em sua voz. A medida que falava, sua barba não escanhoada transparecia seu rosto frio e de semblante rígido. O corpo espadaúdo se mexeu com certa confiança, o peito estufado e os braços cruzados. Já havia feito aquilo várias vezes, e nunca pareceu lhe faltar a diversão, imaginei.

A ordem era simples e sucinta. Escolher um número e partir. O número sete transbordou na minha mente, sorrateiro. Fitei brevemente o envelope com o sete estampado e o pus em mãos. A ordem seguinte era para sair por uma porta aos fundos e ler o conteúdo da missão secreta. E foi o que fiz. Mantive o olhar firme, empertiguei o corpo e saí pela porta outrora apontada pelo barba-ruiva. O ar pareceu menos denso lá fora, e pude respirar com certa facilidade.

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Li e reli o conteúdo do envelope duas ou três vezes se me recordo bem. A missão se dava um pouco complicada, não pelo seu objetivo final, mas sim pela falta de informações iniciais que me desse ao menos um ponto de partida para principiar todo o processo de investigação. Por sorte, minha mente começou a mexer algumas engrenagens e funcionou de maneira a conduzir a investigação à um rumo, algo que não encontrara antes, se fosse parar para pensar.

Vislumbrei as horas em um painel luminoso da vila. A hora batia exatamente oito e meia. A noite se instalara fria e sorrateira, mas eu tinha um pouco de tempo antes de encerrar a vigília. A primeira ideia seria encontrar as testemunhas. Nada melhor do que uma conversa cara a cara com quem presenciou o crime. Poderia tentar uma leitura corporal em ambas as possíveis vítimas para me certificar de que foram mesmo vítimas de algo, para começo de conversa. Satisfeita à  minha curiosidade, seguiria rumo à uma taberna. Sabia que Umino Kazuki era um jovem ébrio, comumente visto em tabernas onde o forte odor de álcool está impregnado no ar.

Mas como eu obteria essas informações? Havia o nome das vítimas? Perscrutei mais uma vez o conteúdo do envelope, relendo-o fixamente para ver se deixei passar o nome das mulheres. Se não fosse possível encontrá-los ali, haveria mais três maneiras de consegui-los: Perguntar ao próprio Umino Kazuki (teria de encontrá-lo primeiro). Perguntar para o homem que me passou a missão. Perguntar à taberneiros.

Essas eram as opções e me encontrei perdido em devaneios sob a translúcida neblina da noite. Antes que batesse meia noite, eu poderia descobrir alguma coisa, se fosse perspicaz e enxerido o suficiente. De todo mais, seguiria rumo à casa. Não faria bem algum investigar em péssimas condições de ânimo e fadiga. Parti para a taberna mais próxima em busca de informações.

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O ar recendia à álcool, misturas e gororobas mal preparadas, suor e perfume feminino. Os olhos rolaram pelo estabelecimento: chão de madeira reluzente e bem polido, para os garçons com ar tarimbado que se moviam para lá e para cá tendo de atender inúmeros clientes ao mesmo tempo. Um terço da clientela eram de jovens mulheres com vestidos suntuosos e rostos maquiados com esmero. As outras partes eram de velhos solteirões ébrios e trovadores tentando conseguir a atenção das mulheres. Vi o taberneiro franzir o cenho e uma gota de suor escorrer. Exalava cansaço. O dia parecia corriqueiro, e talvez sempre fosse daquele jeito. Aprumei os sentidos, estaquei e respirei fundo. Não sabia como proceder. Quem eu abordaria primeiro? As mulheres que tinham outros planos? Os velhos bêbados que não conseguiriam nem distinguir se eu era um homem ou uma mulher? Ou os homens que provavelmente me linchariam por interromper suas tentativas desenfreadas de conseguir pagar uma bebida para qualquer mulher dali?

A mente enfim encontrou uma informação axial. Sequer dei um passo taberna adentro e fechei a porta da frente. Por sorte, ninguém me notara. Afinal, velhos que mal enxergavam dois palmos a frente de si, mulheres pretensiosas e homens que olhos só viam peitos não seriam capazes e nem queriam me notar. Por um breve momento, desapareci da existência.

Fechada a porta, saí ligeiro da frente da taberna, quase vazia. Esgueirei-me numa ruela detrás da rua, onde a escuridão lambia as entradas e tornava seu interior quase invisível. Teci alguns selos de mão e conjurei uma técnica acadêmica, pondo minha silhueta a parecer com o de uma mulher: cintura fina, curva. Longos cabelos encaracolados com esmero, maquiagem à gosto e um vestido escarlate-vinho bem chamativo, daqueles que um homem seria fisgado à dezenas de metros de distância. O cheiro também agradava, uma das peripécias da técnica.

Aproveitei que a rua principal estava silenciosa. Pus-me de pé e demorei poucos minutos para me acostumar com o salto alto. Pegando a prática, irrompi a porta do estabelecimento silenciosamente. Lá dentro, não tomei tempo para respirar ou pensar, como fizera antes. Precisariam me notar rápido. Andei com a desenvoltura de uma mulher acentuada, os olhos firmes mesmo sem fitar nada em específico, o corpo empertigado com o andar certeiro de uma mulher que sabe o que quer. Fui até o balcão, sentei-me em uma banqueta e pus ambas as mãos no tampo da mesa.

—— O mais leve que tiver. Para começar a noite. —— Ordenei com delicadeza mas também um certo fervor na voz transfigurada. Deixei com que a voz se acentuasse o suficiente para ser ouvida pelos homens ao redor. Alguém indubitavelmente fisgaria.

Não beberia de verdade, claro. Não nessa noite. Não correria o risco de ser dopado caso os rumores fossem verídicos. Quando alguém se aproximasse, manteria a calma necessária para fitá-lo profundamente nos olhos, utilizando todo o charme de uma mulher. Daria-lhe a atenção exigida e extorquiria as informações que precisava. Era só uma questão de tempo.



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O lento tique-taque do relógio criava um suspense soturno e quieto. O silêncio que impregnou nos momentos antes de eu ser abordado me deixaram um pouco tenso, mas consegui manter a calma, respirando regularmente e evitando trocar olhares com o taberneiro que me atendera.

Enfim a bebida chegou. Pus a mão no copo gélido e o trouxe até os lábios. Beberiquei um pouco. Um pouco só não me deixaria ébrio.

O silêncio persistiu por mais algum tempo, mas foi quebrado pela aproximação repentina de um homem desenvolto e despretensioso. Se apresentou como Umino Kazuki. Era um rapaz jovem, entre vinte e vinte e dois anos, cabelos curtos e penteados, rosto sem vincos e um olhar que seduziria a maioria das mulheres no salão. Uma isca tentadora, se eu fosse uma mulher de verdade. Ficar sentado não me traria tantos problemas quanto sair andando. Por sorte, a voz transfigurada seria o suficiente para ofuscar minha aparência e intenções.

—— Perdida? Não. Apenas solitária, esta noite. Talvez isso logo mude... com sua presença. —— mudei a postura. Empertiguei o corpo na cadeira, afaguei o copo gelado com as duas mãos e me virei à Umino. Fitei-o nos olhos, mas não demonstrei nenhuma mudança brusca na expressão facial. Evitei ao máximo estragar o disfarce e um olhar sincero não seria problema algum.

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Umino Kazuki soltou um sorriso suntuoso e convincente quando se debruçou para falar baixinho, mais próximo de mim. Acompanhei-o e não retive o olhar uma única vez. Sua voz tênue de tenor contrastou com a minha de soprano quando respondi sua pergunta sobre o meu nome.

—— Não me surpreende que não me conheças, estou aqui a viagem. Me chamo Devi. —— procurei em qualquer lugar da caixota e dei esta resposta ao indivíduo que me abordara. Quando se está sob a pele de outra pessoa, mentir se torna muito fácil e convencional.

—— Mas, e tu, Umino Kazuki? Fale-me sobre tu. É sempre assim com as mulheres? Ou sou a primeira? Duvido muito. —— de qualquer forma, eu tinha que seguir o papel. Mais do que isso, ir direto ao ponto. Soltei uma leve risada para complementar o disfarce e esbocei um sorriso tentador. Voltei a fitar o copo por um momento, pus o perto dos lábios e beberiquei uma segunda vez.

O tempo parecia passar devagar, mas eu preferi não contá-lo em prol de não me afogar em pensamentos fúteis. O rompi com uma pergunta direta e séria.

—— A propósito.. Você não seria o tal homem que estão procurando, seria? Aquele que dizem ter drogado a bebida de várias outras mulheres.

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A conversa ia se desenvolvendo naturalmente. O burburinho no fundo ia se tornando cada vez menos audível, assim como o barulho de copos batendo no tampo das mesas. Kazuki engasgou, sorriu e riu. Sua resposta poderia ser sincera ou não, mas era esperada, visto que eu o investigada. Talvez eu o fisgasse cedo demais? Talvez ele realmente fosse inocente? Precisaria ir mais a fundo para descobrir. Deixei me levar pela situação e aceitei sua oferta de bebida. Escolhi uma coisa que realmente gostava. Independente de ele for ou não o culpado, agora eu estava com vontade de beber. Não o suficiente para me deixar ébrio, claro. De todas as formas, eu estava transformado, e caso as coisas ocorressem fora do planejado, eu não acho que ele poderia me fazer qualquer mal a julgar por sua reputação. Se eu fosse drogado, só provaria sua culpa.

——  Entendo... É, realmente você tem um ponto. Não as culpo. Perder um homem como tu seria mesmo desconveniente. —— complementei ao seu comentário, com um risinho solto.
——  Vodka, por favor.

A bebida chegaria em breve, e quando chegasse, tudo acabaria. Me apeteceu tomar o tempo de espera para fita-lo, observá-lo mais uma vez. Em seguida, lancei o olhar ao ambiente turbulento.

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—— Aos inocentes. —— brindei junto ao homem sentado ao meu lado, tilintando os dois copos.

Virei o rosto, sempre com um sorrisinho maroto estampado, e o vi. Seus lábios se moveram de forma inusitada, e conforme exalou novas palavras em busca de tentar me oferecer outro tipo de diversão além da Vodka que propus.

—— Mas é claro. —— respondi-o com com um sorriso alegre e suntuoso. Empertiguei-me na cadeira e pus-me de pé.
—— Mas antes, irei ao toalete, se me permite.

Saí da banqueta e me dirigi ao banheiro mais próximo, com calma e sem olhar para trás. Atravessei o salão povoado, encharcado de bebida derramada e o cheiro de aguardente recendido no ar.

Para meu próximo passo, precisava estar sozinho, sem que pudessem me ver. Entrei no banheiro pela porta frontal e me escondi em uma cabine, no canto do banheiro. Por incrível que pareça, o banheiro estava mais límpido do que o centro inteiro do salão. Respirei fundo e deixei com que passassem alguns minutos, eventualmente simbolizando a demora feminina nos seus afazeres femininos. Teci alguns selos e executei uma técnica. Antes, tive a certeza de que não haveria mais ninguém lá dentro.

A porta da cabine abriu e de dentro saiu um sósia de meu ser, copiando minha aparência do momento - a mulher Devi. De lá, ela lavou as mãos e seguiu rumo  ao salão novamente. Sentou-se ao lado de Kazuki e sorriu para ele. Encarou-o com olhos perscrutadores, como se desejasse mais do que tudo saber o que ele teria para ela.

Seria a cartada final. Se ele fosse mesmo o culpado, meu clone seria alvejado e eu saberia. Se não fosse, seguiria o teatro normalmente.

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A sensação de que algo estava errado logo deu as caras nas paredes de minha mente. O clone que forcei a ir para próximo de Kazuki, servindo de isca, perdia sua compostura e tornava-se instável devido a algo que Kazuki colocou em sua bebida. Felizmente, essas coisas não afetam o verdadeiro eu. Saí aos solavancos do banheiro, escancarando a porta e quase desequilibrando-me no corredor. Desfiz o Henge em meu corpo apenas assim que saí. Fui até o salão.

De volta ao salão meus objetivos seriam: interceptar Kazuki, pegar o copo derramado com a prova da bebida alterada, chamar a atenção do taberneiro para que servisse de testemunha. Meus olhos correram rápido pelo estabelecimento, perscrutando os rostos dos presentes. Além dos claramente bêbados, das moças esmeradas e do taberneiro atrás do balcão, não seria difícil identificar o clone que eu mesmo esbocei. Kazuki poderia ser rápido, mas ninguém é tão rápido carregando um corpo no colo. Se ele ainda estivesse lá dentro, impediria-o de sair pelas portas traseiras ou frontais alcançando-o com minha velocidade. Se não estivesse, dispararia com celeridade para a viela em sua procura.  Quando nos encontrássemos, sacaria minha flauta e tocaria uma melodia para interceptá-lo, não feri-lo. Se precisasse de testemunhas, alguém havia de notar uma pessoa carregando outra. Por último, os resquícios de droga na bebida poderiam provar algo se levados ao laboratório. Mantive o copo.

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Sob o luar prateado, Kazuki encontrou seu fim. O corpo que carregava se desmanchou em terra lamacenta, maculando suas vestes e interceptando-o no chão do salão. A técnica sonora que esbocei sequer teve seus efeitos comungados. Ele já estava débil e preso, graças à lama. Os clientes da taverna Poleiro do Corvo haviam sido notificados de seus crimes pelo taberneiro. Não contendo sua raiva, deliberadamente carregaram o corpo do homem até a praça, onde eventualmente lincharam-no. O ar ficou rarefeito, pesado e com cheiro de sangue e aguardente. Naquele dia a lua opaca ofuscava um semblante sanguento.

[...]

Entreguei as provas ao responsável no Quartel General de Konoha. Dei-lhe o copo, as informações obtidas e nomeei as testemunhas que encontrei na taberna. Não demorou para que elas viessem depor, assim como as primeiras vítimas. O caso foi reaberto e enfim fechado. Quando estava de saída, fui abordado pelo homem responsável pela investigação e pelo exame Chunin. Me parabenizou pela investigação e também por ter êxito em me transformar em um Chunnin. Passou algum tempo e Kazuki morreu devido as complicações ganhas no linchamento.

Fui para casa.

Artur: Hp: 450. Ck: 345.

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