A noite cai e as estrelas aparecem no céu noturno. Uma delas está em movimento. É um cometa. Uma cintilante faísca rubejante que corta transversalmente a esfera celeste. — Olhe, mãe! – gritou a criança no colo de sua genitora, apontando com o indicador para o traço vermelho que cruzava a abóbada. A mãe, por sua vez, moveu o olhar, mas perdeu-se no profundo negrume do universo. — O que, meu filho? O que você viu? – perguntou a mãe, intrigada com a questão. — Não sei, mamãe, mas era bonito. – respondeu em um misto de ignorância e inocência, voltando a abraçar seus ombros em afeto. Ao fundo do cenário, uma figura ouvia o diálogo e concentrava-se nos próprios pensamentos. Sim, era bonito. Concordava com a criança.

A pessoa se afastou em um vulto e enlaçou o corpo na profunda e penetrante escuridão. O cachecol, muito bem tricotado, vertia para as costas e balançava em favor dos ventos, ao mesmo tempo que protegia a jugular do sujeito e fazia-o desfrutar do aconchego momentâneo. Das narinas, um bafo quente irrompia das aspirações, propagando-se na atmosfera e tornando ao rosto. As madeixas abandonadas do penteado balançavam com o percurso - um ermo soturno, quieto, fantasmagórico. Grama alta, árvores com folhas farfalhantes, um lago levemente regelado e nuvens aos céus, vindo em ondas e aos poucos apagando as constelações. A paisagem já era deveras conhecida por aquela pessoa incógnita, a qual apenas traçava seu caminho em direção ao habitual.

Os passos calmos transpuseram a relva viscosa sem hesitar, amassando as hastes que pouco a pouco eram movidas pelas frescas ventanias. Sendo inverno, a brisa fria acertava o rosto do sujeito e eriçava o solitário fio amarelo acima da cabeça - um ato contínuo, uma resposta involuntária do organismo à friagem impiedosa. Apesar disso, não se importava; continuava o percurso até estacionar ao pé de uma grande árvore - um grande e antigo carvalho. Recheando os solados com energia, moveu-se em direção ao gigante, grudando em sua compleição e subindo. Acelerou, e depois correu. Chegou ao topo depois de poucos segundos, mirando o único globo ocular no zênite ornado pela lua pomposa. Mais uma vez, contemplou o cruzar da estrela cadente, ao mesmo tempo que se lembrava da mãe e filho que encontrou outrora.

Durou segundos - apenas alguns segundos de apreciação. A pessoa sentou-se acima de um galho corpulento e cruzou as pernas as meditação. A vista se apagou com o fechar dos olhos, e as mãos se mexeram em uma dança ritmada. E o coração pulsou. Salteou por um milésimo de segundo e então, transcendendo os conceitos da existência, deixou por um momento sua dimensão de conforto e ascendeu à um lapso dimensional diferente, onde nem mesmo o tempo ousava chegar. Livre das amarras temporais, o dono do coração do rei continuou parado, sentindo o silêncio ensurdecedor e a obscuridade melancólica do vazio entre as dimensões percorrer o seu corpo. Levou alguns minutos, mas logo voltou até a dimensão habitual, ainda sentado por cima do galho.

Arfando e claustrofóbico, o monarca resolveu descansar. Dez minutos, apenas dez minutos de descanso. Decorridos, tentou mais uma vez, voltando à nequice dimensional, um lapso, um erro entre as dimensões; e retornou em segundos, novamente arfando. A sequência seguiu-se pela noite - controlando, testando, se acostumando. Certa vez, deixou que eletricidade percorresse no corpo, irrompendo na pele tal como uma reluzente indumentária dourada. Neste momento, os selos manuais foram abandonados, e o corpo do rei ascendeu sem demora ao vazio dimensional. — Ora pois. – disse, com um pesar no peito. Após ter se acostumado com o coração do rei e aprendido uma nova variação para uso, a pessoa regressou ao mundo real, sentando no colo de uma réplica, um bunshin. Após o estalar de dedos, o desfez em um acúmulo de nuvens brancas e saltou do topo da árvore, caindo no gramado que abafou o impacto. Então, em passos calmos, sumiu na escuridão, certamente regressando à sua morada.

Arthuria: 1950 (hp); 1220/2675 (ck) & 00/400 (ckn).

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