Enma saiu de casa após quase três dias de auto-ostracismo, seu irmão Takeo, sem entender nada, nem mesmo como se sentia tão bem — comparado a maneira que se sentia há alguns dias — não soube lidar com a situação, se mantendo distante da irmã e, em outros momentos, irritantemente tentando afagar as magoas da menina, que, mal sabia ele, havia se transformado numa sacerdotisa de um obscuro e perverso Deus.

— Vou treinar Takeo, talvez não volte para o almoço.

Ao dizer essas palavras sua voz soou monótona, perdida num mar de pensamentos dum passado recente que por mais que tentasse Takeo não era capaz de acessá-las.

— Está levando comida? — Takeo deslocou levemente a cabeça de um lado a outro da menina procurando alguma bolsa ou algo assim que pudesse conter comida, quando viu um obento.

— Sim, preparei ontem, o seu também está guardado dentro da geladeira — virou-se para a porta e deu uma ultima olhada tristonha para trás, suspirou, porém não disse mais nada.

O caminho até o campo de treinamento não poderia ter sido mais tortuosa, era como se as ruas se perdessem, como se tudo estivesse dobrando em si e tentando confundir a ninja. As pessoas, antes espectros de luz andando ao seu lado, agora não passavam de pessoas pecaminosas, oferendas para seu perverso e poderoso Deus Jashin.

— Esqueça pelo menos um pouco Enma... Tem que treinar!

Chegou ao campo de treinamento que se encontrava praticamente vazio, tirando um velho senhor que dormia apoiado numa árvore com um chapéu de palha lhe cobrindo da luz do sol. Aquela ausência de vida racional e humana no ambiente — exceto pela figura já mencionada — causou certa alegria a ninja que, de maneira como nunca antes, procurava o silêncio e a paz para que pudesse superar qualquer coisa que tivesse de perverso em seu comportamento mais recente, em especial ao que se refere ao deus Jashin. Lançou esse pensamento por terra e caminhou até uma das árvores.
— Começarei com taijutsu.

E assim o fez, passou a tarde chutando e socando árvores, treinando novos movimentos mirabolantes e suando como nunca antes havia suado. Como uma camponesa acreditava que aquele suor, fruto do trabalho, eram miasmas que estavam sendo eliminados de seu corpo. À medida que a noite ia subindo, sua mão ficava cada vez mais ferida e seus pés calejados pela grande intensidade dos movimentos físicos que realizava.

— Devo voltar amanhã? — olhou para a lua como se dela esperasse resposta.

Voltou no dia seguinte, dessa vez com o ambiente mais cheio do que no do dia anterior, mas ainda mais vazio do que o costumeiro. Ali utilizou uma corda para pular e trabalhar a habilidade de suas pernas e, dito isso, fez acrobacias a muito custo, caindo em alguns desses movimentos, se desestabilizando e tropeçando em outros e, no final, realizando acrobacias tão certeiras que chegava a assustar.  

E continuou nesse ritmo de treinamento por mais dois dias, descontando toda a ansiedade e medo a um treinamento extenso e continuou de maneira a melhorar suas habilidades em taijutsu ao máximo que poderia. E assim o fez, aliando esses movimentos com sua força e velocidade, treinando, dessa forma, um conjunto de características que a colocava num considerável patamar entre aqueles que se dedicavam a arte do taijutsu. Seu corpo até então suave, absorvendo os ritmos desse treinamento contínuo — e de outros anteriores a esse — começava a exibir contornos mais definidos e uma postura muito mais imponente do que jamais havia sonhado que possuiria. Daquela forma, pensava, poderia vencer até mesmo Takeo antes de se adoentar, sua força e velocidade, bem como o talento com golpes físicos estavam entre seus melhores atributos como ninja e, estender esse treinamento ao máximo de sua capacidade corporal, demonstrava os efeitos da dedicação.

— Amanhã é o dia da parte mais chata... — comentou com sua nova mentora, Azuki.

— Não adianta fugir da responsabilidade querida, um ninja deve sempre busca equilíbrio, é esse equilíbrio que nos mantém.

Azuki Mei sofria de bipolaridade e, quando seu lado mais meigo e humano se exibia, Enma desejava muito que ela e seu irmão fossem casados, ou que ela fosse sua irmã mais velha.

— Mas eu sou péssima em ninjutsu, nunca consegui fazer muita coisa, nem na academia.

— Tudo bem, vou te ajudar nesse seu treinamento, afinal, eu também era péssima em ninjutsu e acredito — sério — do fundo do meu coração, que você não é inapta a essa arte, talvez apenas tenha treinado da maneira errada.

E assim as duas partiram para o campo de treinamento. Na primeira parte, Azuki Mei leu pergaminhos sobre chakra, o uso, seu controle, a importância dos jutsus básicos da academia e outras coisas mais. Aquele conhecimento teórico foi embasado, além da leitura, em dicas e experiência da mulher nessa arte.

— Bom... Na teoria não parece tão complicado.

—Se engana Enma, as coisas mais simples parecem simples porque escondem sua complexidade — olhou a menina de maneira mais séria — mas não se assuste, complexidade não é necessariamente algo difícil, só abrange muito mais coisas.

E assim mostrou a menina o uso de chakra e toda a teoria que ambas leram, minutos atrás, na prática. Por fim entregou os pergaminhos e Enma, despediu-se e partiu. Enma ficou mais um tempo lendo e praticando, estendendo esse treinamento a mais três dias, e sentindo as melhorias advindas dessa combinação da teoria e da práxis.  

— Enma... É a primeira vez que te vejo sorrindo em dias, parece que aquilo que te preocupava sumiu.

A menina apenas sorriu e deitou cansada, nunca dormiu tão bem e tão profundamente como naquela noite.

Considerações: