O mundo era um caos e seu fim estava próximo. A única forma de evitar a total entropia era a ação destrutiva necessária para reestruturar as estruturas da civilização, e a única pessoa capaz de fazer isso era Garou. Ao menos era dessa forma que ele via o mundo e o seu papel nele. Naquele dia resolveu fazer um exercício mental, o que lhe era comum e necessário para a amplificação das capacidades cognitivas. Para obter máximo proveito em suas meditações, precisava de completo silêncio, dirigindo-se, assim, ao campo de treinamento, onde certamente não encontraria ninguém, ao menos não naquele horário.

Era fim de tarde, o céu começava a escurecer e as estrelas ainda tímidas eram cobertas por grossas e largas nuvens cinzentas. Assim que alcançou a área de treino, dirigiu-se até o centro do grande campo e sentou-se em uma posição que julgou confortável. Seus olhos afiados fecharam-se por completo, concedendo-lhe escuridão total. Respirava lentamente, relaxando os músculos e deixando-se divagar em pensamentos a cerca da estrutura social da qual fazia parte. Sua falta de empatia o tornava incapaz de sentir as emoções humanas mais básicas, impedindo-o de assimilar as felicidades e tristezas que pareciam permear todos os seres contidos na sociedade humana. Por isso, era de suma importância que conhecesse a mente humana como nenhum outro, e para isso refletia.

Pensava nos sorrisos, nas falas entusiasmadas, nos sonhos de heroísmos que ouvia todos os dias, e acumulava toda aquela informação em sua mente, ligando-as com outros fatores típicos das normas de sociabilidade, gerando em sua mente um grande arquivo de comportamentos. Ao obter maestria nessa prática, aumentaria a sua inteligência e obteria a capacidade de perceber os pensamentos e as intenções alheias de modo excepcional. Tal habilidade também possuía uma outra serventia: Era imprescindível para a arte da dissimulação.

Se Garou dissesse tudo o que passa em sua cabeça, revelando suas verdadeiras intenções, seria censurado e tornaria-se marginalizado pela sociedade. Por isso, tinha que ser um bom mentiroso, além de compreender o que as pessoas querem ouvir. Dessa forma saberia o que falar e quando falar, para assim obter qualquer coisa que desejasse. Faria uso de sua lábia e astúcia para ludibriar e conseguir a aceitação e os favores daqueles que pudessem o beneficiar, alcançando desta forma os mais altos níveis com maior facilidade.

Finalmente, após vários minutos de meditação e reflexão, Garou deu-se por satisfeito. Levantou-se sem grande urgência, ainda permanecendo parado por mais alguns instantes, observando o céu negro. Algum dia tudo abaixo daquela escuridão lhe pertenceria, e assim poderia moldar o mundo da forma que bem desejasse. Faria tudo o que fosse necessário para alcançar o poder, e nada e nem ninguém poderia ousar se por em seu caminho.

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Mais uma vez se via com a necessidade de amplificar suas capacidades mentais. Repudiava os fracos com todo o seu ser, mas considerava os imbecis que eram incapazes de interpretar a realidade ainda piores. Como poderia alcançar a máxima dominação sem ser o detentor de um altíssimo intelecto? Aquele que se permitisse ser superado em estratégias apenas existia para a servidão, sendo incapaz de obter proeminência em qualquer área que valesse a pena. Como sempre, esperou até o anoitecer para dirigir-se até o centro de treinamento, local ideal e livre de distrações que pudessem prejudicar a sua meditação. Pela manhã os animais se agitavam demais, seus sons variados eram dispersantes e de nada contribuíam para o objetivo reflexivo.

Sentou-se como achou melhor, deixando que seus olhos fechassem-se lentamente, respirando profundamente antes de expirar demoradamente. Em sua mente as ideias surgiam como um turbilhão caótico, que ia sendo ordenado pouco a pouco. Começava a compreender a diferença entre os valores humanos, entre os fracos e os fortes. Ao longo da história muitos indivíduos formidáveis surgiram, deixando seu nome na história ao alterar toda a estrutura social. Estes grandes personagens se diferenciavam dos outros, eram capazes de grandes feitos, mesmo que isso significasse o rompimento de todo e qualquer padrão moral.

O que diferenciava os homens era justamente essa capacidade de agir acima da leia e da ordem. Os homens ordinários não possuíam qualquer aptidão para a grandiosidade, e dessa forma suas transgressões eram absolutamente repudiadas e punidas. No entanto, aqueles que nasceram com o dom e o espírito da lenda viva possuíam o direito natural de dissolver o certo e o errado para criar o seu próprio ideal. Garou percebia agora que era grandioso, que se diferenciava da grande maioria e que seus objetivos eram justificáveis pela sua mera ontologia. Sua existência era tão brilhante que sobrepujava todos os outros seres que não fossem de sua mesma categoria.

As normas sociais surgiam em sua mente, a moral se estendia por todos os seus neurônios, sendo analisada da melhor forma possível. Buscava as motivações que levavam os indivíduos às suas transgressões morais, ferindo as regras básicas da sociedade, buscando compreender as partes mais sombrias da mente humana, as motivações do ódio e do desespero. Havia passado horas perdido em pensamentos, formulando ideias e alcançando axiomas referentes ao seu papel em meio à sociedade. Construira o padrão necessário associado aos seres grandiosos, eliminando os dignos de pena que existiam servilmente.

Tomou consciência da passagem de tempo e resolveu que já não obteria grandes avanços em suas reflexões naquele dia. Abriu os olhos e ergueu-se, saindo do centro do campo logo em seguida. Um sorriso largo e nefasto lhe surgiu no rosto, evidenciando a sua total satisfação com o resultado obtido.

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