Se sentimentos fossem representados por cores, acho que o tom que melhor se encaixaria a mim seria o preto. Não por ser minha cor favorita, longe disso, sempre gostei mais de azul e de lilás, mas sinceramente, o preto me definiria tão bem. Sabe, eu gostaria de explicar os motivos para que entendesse melhor minha perspectiva, mas antes que eu pudesse fazer com que chegasse a mesma linha de raciocínio eu te deixaria completamente cansado e provavelmente você iria cair babando após cochilar, então eu resolvi fazer algo diferente, talvez contar minha história e como vim parar aqui, diante de você. Bem, sente-se aqui ao meu lado, se quiser mais conforto puxe um apoio para os pés, pois pode ser que demore um pouco, minha história já vai começar...

Bem, primeiro de tudo, me chamo Akemi Yuki, mas me chame de Akemi, não porque somos íntimos, mas porque eu estou mandando, simples assim, meu sobrenome nada me trouxe de bom. Nada mesmo. Quando nasci, fui levada a acreditar que a neve em meu país era um orgulho nacional, vivi em um vilarejo modesto aos pés de uma montanha considerada a mais alta de nosso mundo, nunca fui adepta a detalhes, mas se te sacia a curiosidade todos a chamam de  "A grande Montanha" e claro, como pode ver, nossos antepassados não eram os mais indicados a dar nomes as descobertas, mudando de assunto... Eu odeio frio. E isso é irônico, pois como pode não ter percebido ainda, meu sobrenome é Yuki e tem significado "Neve" em meu país, fora o fato de morar na infância, em baixo da maior montanha de gelo do mundo... Argh! Ei, olha pra mim enquanto falo com você...

Com certeza já deve estar dormindo a esse ponto...

Ah, não está! Ótimo...

Eu sei, eu sei, você quer saber mais sobre mim do que eu pude dizer até agora, é que... Sinceramente eu não consigo lembrar de tudo, mas vamos aos fatos; eu tenho doze anos e confesso que às vezes eu aparento ter tipo uns... Cem anos. Não sei o motivo, mas toda vez que me deparo com situações perigosas eu sou a primeira a dizer "vamos todos morrer, viva!" e eu comecei com isso quando eu resolvi sair de casa para um passeio numa noite qualquer, não me pergunte datas, odeio números... Bem, minha mãe e meu pai, que Deus os tenha em bom lugar, sempre me trataram como uma princesa, embora fossemos humildes e não tivéssemos luxos e uma casa maravilhosa e... Falando em casa maravilhosa, hoje em dia eu não tenho uma casa, mas já te explico o motivo, espera aí... Então, voltando ao assunto, numa manhã fui brincar com meus amigos, sim eu tinha amigos, nem sempre fui esse poço de chatice. Eu estava com oito anos e Sayuri - minha amiga - já tinha dez anos, ela era bem diferente de mim na época, tinha altura superior, força e além de ser uma pessoa bem falante, ao contrário de mim na época, que além de ser baixa, também era uma tapada, mal falava de vergonha de tudo e todos. tinha também o Takeshi, esse sim era um garoto maluco, meu amigo de verdade, capaz de ter sido o único até hoje... Forte, magro, cabelos negros e um sorriso no rosto quase a todo momento perto de nós duas, fora o fato de ser inclusive muito bom ouvinte e dar ótimos conselhos, ele tinha treze anos, o mais velho do trio.

Bem, nós três éramos bem diferentes em todos os sentidos, principalmente pelo fato de eu ser meio que uma intrusa na relação dos dois, por serem mais velhos e precoces, os dois eram bem íntimos, eram um belo casal e eu uma fedelha que queria brincar com neve o tempo todo, nessa época eu não odiava a neve, estranho, não? Por incrível que pareça, Sayuri me aturava por conta de Takeshi e ele me aturava porque nossos pais sempre insistiram para que tivéssemos amizade. Como eu disse eu era tapada e não precisei mais do que uma apresentação para que ele virasse meu amigo, já ele bem, no início me detestou... Ele era garoto, brincadeiras de meninos sempre tendem a ser mais brutas e... Eu era um graveto e confesso que brincadeiras de meninos podem ser perigosas e dolorosas, mas... Com o tempo ele me aceitou bem e passou a me respeitar também, não era mais um fardo ser meu amigo, então quando nós brincávamos nos divertíamos muito, mas quando Sayuri chegou, as coisas ficaram tensas. Na nossa escola tínhamos aula de magia todos os dias e...

Ah, espera, eu não te contei que sou uma maga? Bem, não me compare a uma bruxa, certo? Eu sou uma maga e meu povo todo também é... Na verdade, perdão por não ter dito desde o início, mas eu realmente não lembrava de ter esquecido esse detalhe... Enfim, voltando a minha infância...

Como eu dizia, tínhamos aulas todos os dias na nossa escola de magia e, por algum motivo que eu não sei e nem faço questão de saber, Sayuri não foi pra escola. Eu estava na minha turma, Takeshi na dele e quando terminamos de estudar estávamos sozinhos enquanto ele me acompanhava em casa, como sempre... Porém, antes de ir para dentro de casa ele me pegou pela mão e me puxou contra ele, me roubou um beijo, sim! Um desgraçado!

Por que desgraçado? Oras! Eu tinha oito anos, ok!? Enfim...

Takeshi me beijou e eu gostei. Sim, embora eu tivesse oito anos não quer dizer que eu não tenha gostado, num mundo precoce como o de hoje você me julgar por um selinho chega a ser patético... E eu sei, é confuso explicar, mas ainda mais difícil de explicar para você isso tudo foi ter que explicar pra Sayuri o que estava acontecendo no exato momento em que ela nos pegou nesse flagra. É... Como de costume, homem quando faz coisa errada além de causar sua própria vergonha, acaba levando a gente pro buraco junto, comigo foi a mesma coisa... Sayuri estava de passagem na rua e acabou chegando no momento em que ele me beijou. O barraco foi um show na nossa rua, passei vergonha até chorar como nunca, além de ter levado bronca da minha mãe. "Menina, eu não acredito que você está com namoradinhos com essa idade!"

Pff... Me poupe! Eu queria mais brincar de boneca do que ser chamada de boneca por alguém, com o perdão do trocadilho...

Sayuri era doente por Takeshi e o animal não percebeu isso até o showzinho... Enfim, fiquei um bom tempo de castigo e minha ida pra escola passou a ser monitorada de perto pelo meu pai - não preciso nem dizer que na volta pra casa também, não é mesmo? Comecei a ficar bem triste, pois perdi meu amigo e Sayuri, diga-se de passagem que eu gostava dela sim, eu era tapada, lembra? Eu não tinha noção de que era um estorvo, então considerei que ela gostava de mim também. Por ser uma garota inocente e tentando não ficar brigada com ninguém, fui até a casa dela em uma noite - agora que começo a te contar o motivo de eu sempre ser pessimista - com intenção de nos duas conversarmos um pouco sobre o ocorrido.

Naquela noite a neve estava caindo fina e eu estava bem agasalhada. Não demorei pra chegar lá, afinal a distância entre nós era de apenas cinco ou seis casas, bati em sua porta algumas vezes até ela vir até mim, me senti bem acuada, ela não parecia feliz em me ver. Mesmo com raiva, éramos damas, não havia motivo para me deixar morrer de frio lá fora, então ela me chamou para entrar e ficar na sala enquanto eu tentava explicar que eu não tinha apanhado o namorado dela, pelo contrário, eu não tive bem escolha.

Ok, você deve estar pensando: "Nossa, mas ela está tirando o dela da reta e deixando o Takeshi sair como vilão, embora ela também tenha gostado."

Escuta aqui, eu não tive culpa mesmo e além disso, ele estava errado sim, não se deve ignorar o sentimento de uma garota, mesmo essa sendo a Sayuri... Haha!

Conversamos muito, nossa, até calo na língua tivemos de tanto falar e em resumo estava tudo esclarecido. Ela entendeu que eu não tinha nada a ver com o relacionamento deles e eu queria mesmo é que tudo voltasse a ser como era antes, mas tinha um problema muito, mas muito inconveniente: O Takeshi havia dito a ela mais cedo que subiria "A Grande Montanha" para desfazer todos os problemas entre nós três e que ele queria arrumar a bagunça que ele fez sem querer.

Para Sayuri, ele apenas tinha dito palavras sem sentido, mas para mim não. Como eu disse, no dia que a encrenqueira da Sayuri não foi a escola tivemos uma palestra muito importante com nossos professores de mitologia. Era aula sobre a história por trás da nossa montanha. Diz a lenda que no alto da montanha existe uma fonte de água que não se congela mesmo em temperaturas baixíssimas e, quem tomar dessa água em especial, pode pedir um desejo apenas e a fonte o realizará, porém um sacrifício deve ser pago em troca de tal favor. Eu não tinha tempo para explicar para Sayuri, pois era tarde e eu julguei que seria melhor que tentássemos impedir que o idiota do Takeshi se expusesse ao risco de se encrencar... Afinal de contas, segunda a lenda, o sacrifício deveria ser pago com toda a magia da pessoa...

Sim, toda a magia da pessoa... E isso era quase como dar uma espécie de "suavidade" para dizer que o pagamento era a sua própria "vida" para ter um pedido realizado. Eu não poderia deixar que ele se prejudicasse por uma confusão tão pequena entre garotas. Enquanto eu contava para ela o que estava acontecendo, longe dali, alguma coisa nos espreitava, mas tanto Sayuri quanto eu, não tínhamos ideia disso. Não demorou muito, mas enquanto subimos a montanha, ficamos com muito frio e a neve que caia macia sobre mim mais cedo, estava parecendo que queria nos encobrir de tão grossa que ficou. Resolvemos dar uma pausa e nos abrigar em uma caverna não muito distante do topo, apenas para não morrermos congeladas... Enquanto aguardávamos, resolvi usar minha magia para algo bem legal e útil, que foi produzir fogo através da minha magia... Lembra que eu disse que odeio neve? Então, é porque eu controlo o fogo, heh... Aquecidas, estávamos aflitas quanto a passagem do tempo, não deveríamos demorar muito ali, mas a nevasca não diminuía, tampouco dava sinal que cessaria tão cedo... Ah, que droga, nosso amigo estava sumido e tudo indicava que ele iria fazer uma burrice, nós duas estávamos numa caverna escura e gelada enquanto esperávamos a neve parar de castigar a montanha... Tudo estava dando errado, não tinha como piorar.

Ah, eu disse a famosa frase clichê que da a deixa para que algo pior acontecesse... E aconteceu. Lembra que eu disse que algo nos espreitava? Então, basicamente fizemos a pior escolha ao entrar naquela caverna. Eu não sou de fazer muita cerimônia, ou melhor, não sou muito de detalhar algo quando eu simplesmente não sei como aconteceu, não faço floreios, então quando eu digo que um dragão de uns seis metros e de escamas brancas apareceu na nossa frente e invadiu a caverna você simplesmente acredita e não me questione, ok? Até hoje me pergunto se era melhor ter enfrentado a nevasca do que ter que passar por aquilo. Em todo caso, nosso amigo dragão não foi gentil com nós duas. Posso dizer que só lembro a partir desse ponto duas coisas, a primeira é que Sayuri foi a primeira a se machucar, com a investida do dragão, ela foi facilmente atingida por uma das garras do nosso inimigo. A segunda coisa que me lembro, bem inclusive, foi que nunca vi tanto sangue sair de mim como naquela noite... O dragão me atacou também, me perfurou com suas presas na altura do ventre. Ai, ai, lembro de como doeu também, foi horrível. Fora isso o preto me consumiu, não vi mais nada, desmaiei e acredito que Sayuri também.

Lembra que eu disse no início que o preto seria a cor que mais me representaria? Então, é que tudo que restou dai, foi um borrão preto que eu nunca mais pude colorir de outra cor, é esse o sentimento que desenvolvi... E meio que foi aí que e-...

No mesmo instante, os olhos da garota se fecharam, tal como o punho, num singelo movimento com a destra. Seus lábios se estreitaram lentamente, trazendo a menor alguns segundos calada, enquanto armou um sorriso simples no canto da boca. À sua frente, uma criatura gigantesca estava prostrada no chão, coberta de sangue e cortes... Com chamas dançando para todo lado enquanto formavam um círculo em torno de criança e monstro. A criatura estava ferida, graças a uma batalha que aparentemente havia sido perdida por esta, enquanto a jovem Akemi estava sentada sobre uma pedra e limpando a lâmina de sua espada apoiada sobre a coxa esquerda. Não demorou muito para que a menina se erguesse lentamente e colocasse a arma novamente na bainha perfeitamente desenhada para sua katana. De repente, um dragão de escamas negras passou pelo fogo ardente como se este não existisse ou afetasse, apagando as chamas do círculo enquanto olhava a menina com seus olhos reptilianos em tom esmeraldino.

Ah! Você finalmente veio... Ele morreu...

Eu nem terminei de contar a história pra ele, é uma pena... Talvez na próxima eu possa contar tudo... Vamos embora, Takeshi-kun.

O dragão se posicionou em frente a criança, estendendo-lhe a asa para que ela se apoiasse sobre esta para subir. Ao chegar as costas da criatura alada, não demorou para que as asas batessem fortemente dando-lhe impulso suficiente para alçar um voo perfeito pelo céu azul. Deixava para trás uma imensa cratera sem vida e no centro, uma espécie de fera sem qualquer semelhança com animais comuns. Dali foram embora, tanto Akemi quanto o dragão, voando de volta para o topo pertencente A Grande Montanha, completamente descongelada e com árvores tão verdes quanto o brilho dos olhos do dragão negro.