Foi então que a Feiticeira disse ao Bruxo: Eis meu conselho; calce botas de ferro e pegue um bastão de ferro. Vá, com suas botas de ferro, até o fim do mundo tateando o caminho a sua frente com o bastão, molhando a terra com suas lágrimas. Vá através do fogo e da água; não pare nem olhe para os lados. E quando suas botas e seu bastão de ferro ficarem desgastados, quando o vento e o calor secarem seus olhos de tal maneira que nem uma lágrima sequer consiga verter, eis então que no fim do mundo encontrará aquilo que busca e aquilo que ama. Que assim seja."

E o bruxo cruzou o fogo e a água sem olhar para os lados. No entanto, não calçou as botas nem pegou o bastão de ferro. Levou consigo apenas sua espada. Não deu ouvidos às palavras da feiticeira. Fez bem, pois ela era má profetisa.

Entre as árvores ouvia-se o canto dos pássaros. A encosta do leito do riacho estava coberta por uma densa mata de amores silvetres e bérberis, lugar perfeito para nidificar e encontrar alimento. Portanto, não era de estranhar que ali as aves abundassem. Trinavam obstinados os verdilhões, gorjeavam os pintarroxos e os papa-amoras, ressoava também a cada instante o sonoro pipiar dos tentilhões. "O tentilhão canta sempre que está prestes a chover", pensou Wan, olhando automaticamente para o céu. Não havia nenhuma nuvem. "Mas o tentilhão canta sempre que vai chover... Aliás, um pouco de chuva até que cairia bem."

O ponto em frente à entrada do vale era um local propício para o treino. Oferecia grandes chances de calmaria e paz, mas ainda sim, perigoso, especialmente ali, em Kusagakure, abrigo de muitos animais, mas nenhum agressivo. Os cervos que governavam a maior parte do local e quase sempre pastavam, e apenas os eremitas adentravam-na com maior frequência para "tornar-se um só com o mundo". Ali, o próprio homem, movido por uma insaciável fome de poder ou poder, tornava-se meramente um objeto. A natureza de Kusagakure não se apiedava de intrusos. Wan sentira isso na pele.

De todo modo, não faltavam Eremitas em Kusagakure. Mesmo assim, Wan estava caminhando havia mais de duas horas e nenhum templo — ou homem — cruzava sua linha de visão. Felizmente pra ele, o conhecimento acerca do tão aclamado Senjutsu já perpetuava em sua mente, afinal, nascer em um clã dedicado à tal tinha lá suas vantagens. Enfim, o caminhar perpetuou por mais algumas horas, até que o rapaz deparou-se com um templo escondido, marcado com o símbolo de seu clã. Embora o templo milenar ainda aparentasse estar inteiro, o garoto não podia se movimentar muito, pois o solo não era confiável, tampouco as pilastras que sustentavam a abobada na qual ele se encontrava. Contudo, em suas atuais condições, só a absoluta imobilidade resultaria em sucesso para seu treino.

Uma borboleta vermelha pousou em seu ombro. Wan não a espantou. Ao mesmo tempo que observava a maneira como fechava e abria as asas, olhava também para o solo com marcações distintas, imaginou se aquilo seriam instruções para o tão aclamado senjutsu, mas se fosse, era em uma língua que desconhecia. Por fim, começou os preparativos para seu treinamento: abaixou-se com as pernas cruzadas, sentou. Manteve a coluna reta, os pés firmes e os joelhos dobrados. Por fim, adotou a mudra cósmica com as mãos e estabilizou a respiração. Fechou os olhos, sentiu a energia ao seu redor, e fixou-a em sua mente, suspirou profundamente e iniciou o processo que seu pai lhe ensinara anos atrás.

A borboleta voou. Os tentilhões continuavam a cantar na floresta e Wan permanecia parado, distante da realidade. Os animais cessaram seu canto, e a respiração do homem fora a única coisa audível na floresta, até então. O vento soprou, a chuva verteu, e o garoto iniciou o processo para tornar-se um com a energia.

[...]

Sua alma estava em paz, ali ele não era um ninja, ou um homem, mas sim a natureza. Era um com todos, e todos eram um, ele. Sentiu o poder fluir por seu corpo, a energia penetrando suas células, aprimorando-as, contudo, o controle era difícil — difícil até para ele que tivera anos de treinamento. Ainda sim, ele permaneceu por lá, estático, com o objetivo de ser a ponte entre os dois mundos.

Um trovão rasgou os céus, fazendo o rapaz emergir de seu estado espiritual. Observou ao redor, pensativo, deveria controlar a energia, fluí-la através de seu corpo, mas não em demasia, poderia ser prejudicial no final das contas. — Acalme-se, não a controle, mas manuseia-a. A energia não deve ser domada, mas sim direcionada, conduzida. — esclareceu para si mesmo, em alto e bom tom, enquanto relaxava, seu corpo e alma. Enfim, o homem retomou ao estado de meditação, ouvindo nada mais que a vívida natureza à seu redor.

[...]

Sentiu transcender, tornar-se um por completo com a natureza, e a natureza tornar-se uma com si mesmo. A energia fluía, calma, moderadamente, ao redor de si, e dentro de si. Já não era opressora, tampouco selvagem. Na verdade, relembrava os tempos de bonança. Levantou-se, calmo, em paz consigo mesmo, captando tudo ao redor: a energia, o vento, a chuva, o poder que fluía além de si mesmo. Percebeu o quão imponente era a natureza, quão bela, e entendeu-a de uma vez por todas. Abraçou o dom que adquiriu e seguiu em frente, sabendo que não era mais si mesmo, mas sim que fazia parte de algo maior, bem maior.

Considerações e cia.: